Autor

Manuel Constantino

 

Data

16 de Dezembro de 1988

 

Secção

O Detective [62]

 

Competição

2ª Supertaça Policiária - Cidade de Almada

Problema nº 7

 

Publicação

Jornal de Almada

 

 

UM CRIME

Manuel Constantino

 

Não é fácil cometer um crime… mas vou matar. Premeditadamente, a sangue frio, vou matar!

Nesse momento decidi assassinar o meu tio. Em boa verdade já o havia planeado minuciosamente há muito tempo.

Não sou um valente, nem um cobarde, tão pouco sentimental. Vivi desde menino num mundo de inferiores. Aprendi que podia fazer tudo o que quisesse, sem consequências de maior. Tudo me foi fácil. Continuou quando meus pais morreram e fiquei dono e senhor do meu destino, com tempo e dinheiro para gastar. E em velocidade bastante!…

Breve tive que me socorrer da venda das terras e dos prédios, para não perder o ritmo. Mas foi-se tudo. Tudo, não, da ruína salvei este adorável sentimento de desprezo por tudo e todos… Sobretudo um abençoado e substancial quinhão de sorte, que me teve protegido desde o nascimento.

Na linha dessa mesma sorte, o tio Zacarias «regenerou-se» e sustenta-me.

Agora aqui estamos nós, os sobrinhos e ele. O doido do velho convocou-nos de emergência para uma decisão de relevo.

Ironicamente começou por agradecer a nossa «boa vontade». Consignou uma única palavra de estima para o Luís, cuja comparência só foi possível com a ajuda do «Braille» e do «Brave».

Da secretária olhava-nos, um a um. Aquela velha carcaça está a gozar-nos…

Inesperadamente anuncia-nos a decisão inabalável de nos deserdar em favor de um Lar da Terceira Idade. O testamento em que nos legava, a cada um, qualquer coisa como vinte milhões de escudos, casas e terras, e ao desgastado criado que o aturara toda a vida, donativo de três milhões e habitação permanente, vai ser anulado.

Olhámo-nos…

Tudo se vai… parece que a tal sorte quer ser caprichosa.

No silêncio profundo que nos rodeia, levo a mão ao bolso. Acaricio a arma da resposta à decisão.

Subitamente faltara a luz… Na escuridão, Carlos, o mais próximo da secretária acendeu a vela sobre esta.

À luz ténue, antes que alguém falasse, peguei dissimuladamente numa pequena almofada, a meus pés, para ocultar a arma e apontei-a à cabeça do velho velhaco. Ao fim o ao cabo aquele estupor já havia vivido bastante!

O dedo procurou o gatilho…

Ouviu-se o estalo seco de um tiro. Simultaneamente a vela apagou-se. Um gemido, um movimento de um corpo.

O cão rosnou alarmado.

Antes que Carlos conseguisse acender o isqueiro, que conservava na mão esquerda, a luz voltou.

Zacarias estava morto… «consumatum est».

É esta a minha visão da «Tragédia».

 

A vantagem de ser herdeiro constituía também uma desvantagem: a de suspeito; mas, para igual conclusão, os outros herdeiros seriam igualmente suspeitos.

Em defesa da própria pele, iniciei entretanto, com base nas investigações da polícia, a recolha de elementos onde encontrar álibi.

No momento do crime, apenas nós, os sobrinhos, nos encontrávamos na sala; o criado declarara que estava no jardim onde ouvira o tiro. Não havia outros habitantes ou intrusos.

A arma utilizada, pertença do próprio assassinado(!), uma «Browing» calibre 6,35 foi encontrada, mais tarde, sob a poltrona onde Luís e Alberto estiveram sentados.

A morte fora ocasionada por uma bala que atravessara o crânio do frontal à fontanela lambdática, em linha recta e sem desvio, e cravara-se na cadeira, não existindo resíduos de pólvora no frontal.

A bala extraída fora disparada pela arma designada, revelando vestígios de ácido palmítico, esteárico e parafina, contudo sem venenos.

Sobre a secretária, além do testamento que se pretendia revogar, encontraram-se alguns documentos sem valor, uma caneta de ouro de tinta permanente, intacta, e a vela quebrada.

Poucas horas após o crime, Alberto tentou suicidar-se: os jornais especularam sobre a possibilidade de ser o criminoso, recear ser acusado, ou alucinado pelas dores ocasionadas pela infecção adiantada que lhe devorava as mãos compactamente ligadas, em virtude de graves queimaduras anteriores.

Recortei do jornal a planta de localização e da sala do crime elaborados pela polícia e pus-me a reflectir sobre todos os detalhes.

 

 

Que possibilidades tenho de escapar? Não mais nem menos que os outros…

Hoje fomos chamados à polícia. Vamos ouvir a «sentença».

 

PERGUNTA-SE:

1) – Conseguirá o criminoso escapar?

2) – Em género de termo da narração, desenvolva a sua opinião, fundamentando os raciocínios.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO