Autor Data 16 de Outubro de 2017 Secção Competição Prova nº 8 Publicação Audiência GP Grande Porto |
Solução de: UM COPO DE LEITE NOTURNO Ma(r)ta Hari Coitado do guarda Abílio
Necas! Ainda hoje deve andar por aí a pensar na resposta que há de dar ao chefe. Mas se pensar um pouco melhor,
focando-se mais na interpretação das palavras proferidas pelo seu superior
hierárquico do que no caso propriamente dito, que deve ser com certeza
fictício, chegará à conclusão que a solução do enigma com que o chefe Machado
Faria decidiu testar a sua alegada vocação para a investigação criminal não é
nada difícil. O facto de Machado Faria se ter referido à pessoa que dormia
com quem matou, afirmando que “ele que se deitara muito mais cedo [do que
ela], como era aliás normal acontecer todos os dias”, revela que a autoria do
crime é da responsabilidade de uma mulher. E a única mulher que tinha por
costume deitar-se muito mais tarde do que o marido era Dália, que “ganhara o
hábito de escrevinhar durante a noite, até meio da madrugada, o que se
tornara há muito num vício”. Já quanto à pessoa que
encontrou “a vítima deitada numa poça de sangue com uma faca espetada no
peito”, se o guarda Abílio Necas atentar nas “obrigações profissionais” que
os quatro amigos levaram para aqueles dias de convívio na Serra da Estrela,
não deixando de as cumprir “de forma quase religiosa”, verificará que “Carlos
passava as primeiras horas de todas as manhãs agarrado ao seu portátil”, de
onde se poderá concluir que foi este quem se confrontou com o funesto achado.
Admitindo que podia ter sido Berta a primeira pessoa a descer até ao piso
inferior da casa, apesar de se saber que ela só tinha obrigações
profissionais a cumprir ao fim da manhã, importa recordar que o chefe Machado
Faria afirmou que foi “um dos amigos” que descobriu o corpo da vítima. O que
quererá dizer que foi um homem a fazê-lo e não uma mulher. Já se sabe, portanto, quem
descobriu o corpo da vítima e quem matou. Falta agora saber quem morreu, para
responder cabalmente à questão formulada pelo chefe Machado Faria, sem
esquecer que se deve ter em consideração “os elementos conhecidos”. E, assim,
conhecendo que se trata de um crime passional (um crime praticado por paixão
doentia, quando a pessoa perde o controle de suas ações; um crime cometido
por pessoa dominadora e sem o domínio de suas emoções, que mata por ciúme,
sentimento de traição ou vingança) e que todos os intervenientes são
heterossexuais, sabendo-se igualmente que quem matou foi uma mulher, a vítima
é um homem. E esse só pode ser António, que fora o primeiro marido de Dália,
cujo casamento se dissolvera seis anos antes, após uma discussão por causa de
um copo de leite morno noturno… António “levantou-se
durante a noite, desceu as escadas até ao piso inferior, onde se situa a sala
de estar, e deslocou-se à cozinha” para beber um copo de leite morno.
Instantes depois, Dália, que sabia deste seu “hábito que ganhara há mais de
seis anos”, interrompeu a escrita de mais um romance policial e, talvez
estimulada pela história que estava a desenvolver e pela paixão que ainda
nutria por ele, foi ao encontro do ex-marido e terá tentado seduzi-lo. Não
tendo sido bem-sucedida nesta sua investida, Dália, ao ser rejeitada, terá
tido um acesso de fúria que a fez perder a cabeça e desferir-lhe uma facada
no peito que lhe tirou a vida. António, apanhado de surpresa com tanta
agressividade da sua ex-mulher, não terá tido tempo para nada. Nem para se
defender. E muito menos para beber o copo de leite que arrefecia na cozinha.
Entretanto, no piso de cima, todos os restantes convivas dormiam e não
ouviram os gritos que antecederam o crime. |
© DANIEL FALCÃO |
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