Autor

Marth

 

Data

19 de Agosto de 1988

 

Secção

O Detective [54]

 

Competição

2ª Supertaça Policiária - Cidade de Almada

Problema nº 4

 

Publicação

Jornal de Almada

 

 

ROSAS A MAIS PARA UM CADÁVER

Marth

 

Eram quase 16 horas quando Jorge Silva me telefonou da casa do sócio Miguel de Sousa que ele acabava de encontrar morto. Disse-lhe que esperasse ali por mim e recomendei-lhe que não mexesse em nada.

Alguns minutos mais tarde ele abria-me a porta principal da residência do sócio e conduzia-me até à única divisão cuja porta estava aberta. Ao entrar vi logo à minha direita o cadáver sentado à secretária com a cabeça e o tronco tombados sobre o tampo de vidro. Na têmpora esquerda via-se um orifício que apresentava queimaduras e tatuagens nos bordos, além de vestígios de pólvora. Uma linha vermelha descia desde o bordo do orifício, através da testa, até à poça de sangue que se formara sobre o tampo da secretária. Só mais tarde vi um outro orifício no limite superior direito da testa, exactamente onde começava a risca do cabelo.

Sobre a secretária via-se, no canto mais afastado da porta, um candeeiro e no outro o telefone. Entre os dois havia um bloco «Memorandum», uma caixa com cartões impressos, um copo quase seco com um botão de rosa, alguns dicionários e outros elementos de consulta de pé entre dois guarda-livros em mármore e ainda um suporte com diversas divisórias onde se viam esferográficas, marcadores, lápis, borrachas, «clips» e elásticos. Aproximadamente a meio da secretária estava pousada uma esferográfica destapada. Na folha superior do «Memorandum» liam-se duas anotações manuscritas: «11h30 Dr. Neves» e logo abaixo, «Helena».

As gavetas inferiores da secretária continham apenas papéis: correspondência particular, recibos de despesas domésticas, documentos bancários e de companhias de seguros, etc. A gaveta superior do lado esquerdo continha diversos artigos de papelaria, desde blocos e envelopes até fita-gomada e um corta-papéis. A da direita estava fechada à chave. Nos bolsos do morto, além de diversos documentos, uma agenda, uma lapiseira e um lenço, encontrei um molho de chaves entre as quais estava a da secretária. Mal abri a gaveta deparei com o estojo de uma pistola. Vazio! Fora isso havia lá documentos e diversos objectos de valor.

À esquerda da secretária estava um cesto de papéis em lata dentro do qual se viam diversos papéis parcialmente queimados e encharcados. À excepção de alguns envelopes amachucados e semi-queimados só lá encontrei o canto chamuscado de um dos cartões de Miguel de Sousa.

O escritório tinha duas janelas com batentes de madeira tendo cada um destes vários vidros pequenos. Uma das janelas abria-se na parede da direita, logo a seguir à secretária, e a outra na parede do fundo que ficava em frente à porta e à secretária. Esta segunda janela estava fechada. De cada lado da janela um cadeirão e a meio da divisão uma mesinha baixa sobre a qual se viam alguns jornais e revistas recentes e uma jarra com rosas mergulhadas em água. Dois armários enormes com prateleiras repletas de livros, revistas e pastas de arquivo completavam a mobília do escritório.

Logo que acabei de examinar a secretaria chegou o médico legista, e foi então que a chuva recomeçou a cair, tão repentinamente como havia parado pouco mais de três horas antes. Vinha outra vez batida pelo mesmo vento forte e entrando pela janela aberta de dar em par, voltava a molhar a alcatifa ainda húmida. Apressei-me a fechar a janela tendo como sempre o cuidado de não tocar na maçaneta. Mesmo depois disso continuou a entrar chuva no escritório porque um dos vidros do batente à minha direita, precisamente a que ficava ao lado da maçaneta, estava partido. Havia cacos de vidro no chão e mesmo alguns sobre o tampo da secretária. Estava a pensar em como haveria de tapar o buraco para impedir a entrada da chuva e do vento quando reparei que na orla superior daquele batente estava incrustada uma bala.

Entretanto voltara do jardim um dos meus auxiliares a quem eu mandara examinar o enorme canteiro de roseiras que se estendia por baixo dessa janela. Não vira nada de interesse a não ser uma pistola que encontrou junto à parede a alguns metros da janela para o lado da rua.

Jorge Silva disse-me que nos últimos dias Miguel de Sousa andava nervoso e inquieto. Tinha problemas familiares (a mulher deixara-o dias antes), problemas de saúde e mesmo problemas profissionais. Nessa manhã os dois sócios tinham tido uma pequena discussão porque Miguel de Sousa anunciara a sua intenção de abandonar a sociedade. Queixara-se do trabalho que o afastara da mulher e lhe arruinara a saúde. Saiu às 11h30 para ir ao médico e como à tarde não apareceu Jorge Silva resolveu vir procurá-lo a casa (eram só cinco minutos a pé) para lha falar mais calmamente e tentar fazê-lo mudar de ideias. Ao chegar encontrou a porta principal entreaberta e quando chamou pelo sócio não obteve resposta. Continuando a chamar entrou na casa onde já estivera algumas vezes. Ao chegar à porta do escritório que estava completamente aberta, viu o corpo tombado sobre a secretária e chamou-me imediatamente. Disse-me ainda que estivera desde manhã cedo nos escritórios da firma tendo lá ficado sozinho entre as 13 e as 14 horas quando os empregados saíram para o almoço.

Quando falei com Helena de Sousa já ela fora informada da morte do marido e tivera tempo para se recompor do primeiro choque. Mas, pela maneira como fumava, percebi que ainda estava muito  nervosa. Disse-me que telefonara ao marido no dia anterior porque precisava de ir lá a casa buscar algumas roupas. Ele sugerira-lhe que aparecesse à hora do almoço e disse-lhe que chegaria a casa pouco depois do meio-dia e assim poderiam conversar um pouco e, quem sabe, talvez fosse possível remediarem alguma coisa. No entanto, quando ao meio-dia ela se preparava para sair do seu emprego, surgiu um serviço urgente que a reteve, a ela e a vários colegas, até depois das 12h30, a hora a que costumava sair. Era quase uma hora quando tocou à campainha daquela casa. Como ninguém atendeu foi-se embora irritada pensando que o marido se esquecera dela outra vez.

A Srª Maria, a mulher a dias, pegava sempre ao serviço um pouco antes das 9 horas e largava perto do meio-dia, hora a que se ia embora batendo a porta. Enquanto falávamos mostrou-me o almoço que preparara para o patrão e que não fora tocado. Disse-me que limpara o escritório nessa manhã mas ficou escandalizada quando lhe perguntei se não teria deixado a janela aberta e mais ainda quando levantei a hipótese de ter deixado a porta principal mal fechada. Não sabia se havia uma pistola lá em casa mas julgava que sim porque tinha visto várias vezes na gaveta da mesinha de cabeceira «uma espécie de copinho de lata cheia de balas». Depois de largar o serviço fora para casa servir o almoço ao marido e ao cunhado que tinham de comer antes da uma hora.

O Dr. Neves disse-me que atendeu Miguel de Sousa entre as 11h45 e o meio-dia tendo-lhe confirmado os seus piores receios sofria de um cancro já muito desenvolvido.

Uma vizinha de Miguel de Sousa disse-me que viu a Srª Maria sair de casa antes do meio-dia e que cerca de 15 minutos mais tarde viu chegar o dono da casa. Pouco depois foi almoçar e não voltou a chegar-se à janela.

Do médico legista que examinou o cadáver soube que a bala que atravessara o crânio de Miguel de Sousa lhe provocara morte imediata e que esta ocorrera multo provavelmente entre duas a quatro horas antes da sua chegada. O médico referiu ainda que encontrou vestígios de pólvora na mão do morto.

Do relatório de dactiloscopia interessa referir que: 1) Foi encontrada uma impressão digital do indicador direito de Helena Sousa no botão da campainha; 2) Foram encontradas impressões digitais de Jorge Silva na maçaneta interior da porta principal e no telefone que estava no escritório; 3) Todas as outras impressões digitais encontradas no escritório e nas maçanetas das diversas portas da residência eram de Miguel de Sousa ou da Srª Maria ou então estavam demasiado imperfeitas para poderem ser identificadas; 4) Havia impressões digitais de Miguel de Sousa sobre o tampo da secretária, na esferográfica que aí estava pousada, nos puxadores das gavetas, no telefone e nas maçanetas de diversas portas interiores; 5) Havia impressões digitais da Srª Maria nas maçanetas de quase todas as portas interiores, na orla superior do cesto de papéis do escritório e na maçaneta da janela fechada. 6) Não havia quaisquer impressões digitais na arma encontrada no jardim, na maçaneta exterior da porta principal, na maçaneta da janela aberta e no copo que estava sobre a secretária.

O relatório de balística referira que a bala encontrada por mim fora disparada pela arma que apareceu no jardim.

 

Pede-se a todos os leitores que façam um relatório detalhado em que apresentem teclas as suas conclusões e digam quem fez o quê, quando, onde, como e porquê.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO