Autor Data 1 de Agosto de 2016 Secção Publicação Novo Audiência |
UM ÁLIBI IRREFUTÁVEL Marvel O dono da espelunca
semiclandestina acolheu a polícia com óbvias reservas, mas dispôs-se,
pressuroso, a colaborar e esclarecer “até onde pudesse”. Não sabia nada do
telefonema anónimo que alertara a esquadra para um gastador compulsivo,
referenciado sem cheta usual, a fainar ali na
tasca; mas, de facto, aparecera, havia o seu bocado, um tipo – o Faneca –,
palrador e remexido, que juntara companhia a uma mesa e pagava rodadas. – Tinha a língua solta e desabrida.
Vi-me quase obrigado a mandá-lo ter modos um bom par de vezes; mas, enfim, é
preciso olhar pela vida e ele lá pagar, paga. Outro dono, este de um
quiosque, fora atacado à paulada e roubado, quando se aprestava a encerrar o
estabelecimento, não longe dali. Acabara de morrer. – Isso é mau, por cá não
constou nada. Olhe, o Faneca é aquele, acolá. – Há quanto tempo está ele
aqui? O agente revia mentalmente um extrato do relatório médico preliminar:
“morte ocorrida entre as 22,15 e as 22,30, em consequência de hemorragia…” – Não sei ao certo, mas
seguramente que às 10 já cá estava. Calhou que olhasse para o relógio. – Ele ausentou-se alguma
vez? – Lá para uma mija, ali atrás, isso foi. Agora, ir defronte, à Micas,
dar a sua rapidinha, olhe, nem isso. Posso garantir. Aferroado, o Faneca: – Algum tinhoso de merda, que não pode ver alguém abonado, quis tramar-me,
hem? Pois terá notícias minhas. Aliás, estou a cismar num mânfio
ou dois… Credo, como embirro com chibos! Até dói! O dinheiro nem é muito, mas
é meu, ganho com o suor do rosto, que não ando às carteiritas nem ao fi o de
cobre. Que sei eu de pauladas e de mortes? Nadinha! Vejam lá os senhores
guardas que não falta aqui gente da boa que me presta um álibi irrefutável,
ou lá como vocês dizem. Não me mexo daqui há montes de tempo. Pergunta-se: Será assim tão
irrefutável o álibi do Faneca? Porquê?
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© DANIEL FALCÃO |
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