Autor

M. B. D.

 

Data

19 de Setembro de 1999

 

Secção

Policiário [427]

 

Competição

Torneio “Fórmula 1”

Torneio “Detective Said

Prova nº 4

 

Publicação

Público

 

 

O PAI NATAL DESMASCARADO…

M. B. D.

 

Talvez escandalize alguns ‘companheiros de pelejas’ ao expressar a convicção de não considerar essencial que os problemas policiais (ou policiários, como perfilhou Fernando Pessoa) sejam alicerçados em questões de índole criminal.

Efectivamente, creio que os mesmos faculta a inclusão de multifacetadas enigmas, desde que a sua resolução e cabal esclarecimento dependa do poder de observação e capacidade de raciocínio.

A asserção justifica-se pela diversidade de situações que serve de tema a contos e move-las, onde nem sempre a faceta delituosa é fundamental. Ocorre-me, a propósito, que os já largos anos de leitura de trabalhos do género deram-me ensejo à apreciação de entrechos magníficos, autênticas ‘obras-primas’, estando na primeira fila o conto baseado na conhecida história da ‘Branca de Neve’, em que esta não desperta do feitiço quando beijada pelo príncipe; portanto, gerando a sequem-te ilação de aquele não ser o genuíno.

Posto este intróito, solicito a vossa benevolência para a despretensiosa produção concebida pelas meninges de um avô baboso.

Em anos transactos, a noite de Natal decorreu na residência do casal Dinis mais idoso. Porém, no último, a filha Maria José, o genro Francisco e as netinhas Maria Inês e Maria Leonor insistiram para que fosse em sua casa, recentemente inaugurada, porquanto desfrutariam de mais espaço. E como, para além deles e do outro filho do casal, o Fernando Manuel, da esposa deste, Isabel, dos filhos Rafael Henrique e Gabriel Alexandre – o benjamim da família (seis meses rechonchudos, um regalo de bebé) –, ainda haveria mais convidados, num total que ultrapassava os vinte participantes…

A narrativa que se segue é a versão de um deles, o qual afiança como verídico quanto vos transmito:

Ding-dong’, fez a campainha da porta da rua. Como se estivessem à espera do sinal, de imediato, muitas vozes se ouviram a chamar a atenção dos miúdos para a circunstância: ‘Ó crianças, estão a bater à porta. Quem será?’

Formou-se, então, um cortejo desde o grande salão até à porta de entrada, com os pequenos à frente. A Maria Leonor foi difícil de convencer a fazer parte do mesmo; estava fascinada a contemplar o ‘apaga-acende’ das luzes da opulenta árvore de Natal colocada junto à ampla lareira, dentro da qual se armara o presépio (aquele Inverno ia chuvoso mas não frio e ainda não fora preciso estreá-la).

Aberta a porta, entrou a conhecida figura do Pai Natal que a todos saudou com um ‘Boa noite!’ tonitruante, correspondido em uníssono, após o que se dirigiu aos mais novos inquirindo como se haviam comportado, se tinham sido obedientes, se comiam a sopinha toda. Na enorme saca que trazia às costas – disse – estavam muitas prendas, mas só seriam entregues a quem as merecesse.

Obviamente, apenas os adultos sabiam quem estava dentro da fatiota natalícia; ao invés, as crianças viviam o mito da quadra. Pelo esmero do disfarce, o avô Dinis não era reconhecível, somente se lhe via uma nesga dos olhos, até dispensara os óculos, o que verificou ter sido um erro quando chegou a altura de distribuir as prendas, pois não conseguia distinguir os nomes inscritos nas etiquetas dos embrulhos.

Valeu-lhe a esposa que, ao aperceber-se da sua dificuldade, tratou de o auxiliar: ‘Esse é para a Inês.’ E logo o fictício Pai Natal perguntou: ‘Onde está a menina Maria Inês? Aqui tem a prenda que tanto deseja.’ Esta, prontamente, colocou o dedito no ar dizendo ‘Sou eu!’ e recebeu o presente dos avós maternos, a qual de imediato abriu, deparando com a tão apetecida Barbie.

Lurdes Dinis agarrou noutro pacote e entregou-o ao marido informando: ‘É para o Rafael’ – o neto mais velho, de seis anos. Avançando na sua função, o Pai Natal interrogou a assistência: ‘Quem é o menino Henrique?’ Este procedeu como a prima fizera antes, dedo no ar e ‘Estou aqui’, sendo-lhe entregue vistoso embrulho que logo desfez, saltando de alegria ante o Action Man com que sonhava.

‘É prà Zezinha’, disse a ‘assessora’, dando origem à pergunta costumada: ‘Onde está a sra. Maria José?’, a qual, seguindo o procedimento da filha e do sobrinho, respondeu à chamada.

‘Agora, é pró Nando’, foi a indicação recebida pelo Pai Natal que, por isso, apregoou: ‘Sr. Fernando Manuel, venha receber a sua prenda.’

Nessa altura, a Inês destacou-se do semicírculo formado por todos os participantes em frente do Pai Natal e fitou-o atentamente. Depois, olhou os demais, um a um, findo o que exclamou: ‘Afinal, o Pai Natal não é verdadeiro; é o avô Manuel.’

Mais tarde, já ‘desfardado’, o avô sentou a netinha nos joelhos e procurou saber os motivos que a levaram a desmascará-lo. De há muito apreciava quão expedita era a Maria Inês, sem dúvida de uma sagacidade precoce – pelo que tivera o cuidado de modificar a voz, utilizando um tom roufenho, assaz diferente do usual –, mas encontrava-se deveres intrigado e ansiava por ser esclarecido.

Inclusive porque o disfarce incluíra o uso de capuz, barbas, luvas e botas da praxe. Tal como não havia qualquer sinal particular ou indício análogo que permitisse concluir tratar-se de um embuste. !, a ilação dela fora determinada pela sua perspicácia e poder de análise, nanja por outros motivos e o avô Dinis ‘ardia’ para saber como.

Quando a netinha lhe disse, passou a ter ainda maior admiração e enlevo pela argúcia dela…

Daí, sentir-me tentado a lançar o repto aos prezados confrades: como foi que a Maria Inês desmascarou o Pai Natal, isto é, verificou que não era o verdadeiro?

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO