Autor Data 11 de Novembro de 2011 Secção Correio Policial [6] Publicação Correio do Ribatejo |
MORTE PARA UM TIRANO M. Constantino Era
uma vez um rei. Rei
glutão. Rei
brutal, egoísta, jamais se dignara olhar o povo esfarrapado e faminto,
sacrificado… a não ser no necessário à satisfação dos seus reais apetites! Naquele
dia… Naquele
dia, Primavera na natura, Inverno impotente nos corações, o rei fazia anos.
Afadigavam-se mais uma vez os bons súbditos, vindos dos mais longínquos
cantos dos vastos domínios, a ofertar-lhe os mais requintados acepipes.
Carnes, vegetais superiormente cozinhados, frutas… O
rei olhava desdenhosamente, servia-se voraz do que lhe agradava, afastando
com o pé, ou com o forte bastão, brutal e superfluamente, o submisso
ofertante. Todos os alimentos eram, porém, antecipadamente sujeitos a
rigorosa prova contraveneno, pelos cães, pelos escravos, e até pelos coelhos
que lhe serviam de cobaias, porque o rei em ninguém confiava. Não raras vezes
um ser humano acabava na ponta de uma corda ou sob o azorrague do carrasco. Mais
um escravo ajoelhou, submisso, mostrando apetitosa salada de alface. Os
olhos do monarca luziram de gula. Pontapeou o ofertante, deu a provar a um
coelhinho branco que conservava ao colo, e só se banqueteou depois de
eliminada qualquer suspeita de envenenamento. Contudo…
o coelhinho branco alegre e saltitante, viveu; o
rei, chamados à pressa os magos da ciência daqueles tempos de antanho, só
puderam verificar o seu estado alarmante, que se resumia em diminuição da
acuidade visual, pela midríase, secura da boca (dificuldade de deglutição),
rigidez dos membros, o delírio, a coma, e por fim… era uma vez um rei… fora
uma vez um rei… Vieram
os medicamentos, os feiticeiros, os magos mais magos, mas o rei… continuava
morto. E,
como sempre acontece… rei morto não dá pontapé… não reclama… Reuniu
o conselho dos “velhos”, troaram pelas praças, pelos vales e montes os
rufares dos tambores e a voz dos arautos, procurando um rei, um novo rei. Uma
condição: responder à pergunta que andava nos lábios de toda a gente e que,
parecia, ninguém poderia responder: –
Como fora envenenado o tirano? Da
serra, onde vivia com o seu rebanho, desceu o jovem pastor. Prometera à sua
amada um reino, um reino de sonho… Traz,
na sacola, o magro pão dos pobres, no olhar uma promessa de bondade, no
coração uma vontade indómita. Deus
é grande! Diante
do conselho reunido, ouviu, raciocinou e RESPONDEU!... Hoje,
o povo desse reino sonha realmente. Vive feliz e adora o rei. O rei-pastor e
a sua pastorinha. Na bandeira que se avista a léguas em redor, pode ver-se um
gentil coelhinho branco sobre um feixe de mandrágoras do monte, de grandes
folhas verde-escuras. Bandeira que jamais se desfraldará para a guerra,
símbolo de um reino, realmente, de sonho. À
lareira, nas longas noites de Inverno, após a história ser contada e
recontada, ainda se ouve a obrigatória pergunta: –
Como foi morto o rei, apesar da sua precaução? |
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© DANIEL FALCÃO |
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