Autor

Mr. Jartur

 

Data

6 de Março de 1958

 

Secção

Quem Foi?

 

Competição

II T.N.P.P

3º Problema

 

Publicação

Mundo de Aventuras [446]

 

 

O MISTÉRIO DO TRIDENTE FATAL

Mr. Jartur

 

Atiramos as sacas para o banco posterior do carro e entrámos depois, puxando para nós as portas que o sol tornara escaldantes.

Entre o mar e a estrada por onde o potente veículo quase voava, estendia-se a praia. Era uma centena de metros de areia fina e aloirada, formando graciosas dunas que o astro rei embelezava com os seus maravilhosos reflexos.

Transposta a suave curva duma duna que dois rochedos coroavam, surgiu, a alguns metros, um vulto feminil que corria para a estrada, acenando com os braços na nossa direcção. Marcos e eu entreolhámo-nos, enquanto ele fazia parar o carro junto à berma da estrada, na intenção de saber o significado daqueles sinais que tão formosa rapariga fazia correndo para nós.

Era, bastante esbelta e bela a jovem que parou junto a nós, extenuada, com os compridos cabelos aloirados soltos ao vento, chicoteando-lhe os ombros e o colo que o «maillot» deixava a descoberto. Após alguns momentos em que tentou refazer-se da fadiga, a escultural mulher pediu-nos que a auxiliássemos, pois algo de terrível acontecera a seu noivo.

Enquanto nos acompanhava, ao local do drama, uma barraca de tecido multicolor montada atrás duma pequena duna, a jovem foi contando o que acontecera.

– Cheguei de manhã, com o meu noivo, e aqui tencionávamos passar o resto do dia, devendo regressar a casa com um amigo que por aqui passaria nesse propósito. Depois de termos dado um passeio pela beira do mar, o Alfredo foi deitar-se a ler junto à barraca, enquanto eu fui refrescar-me um pouco. Mergulhando no mar afastei-me da praia e, tão distraída andava praticando o desporto que mais admiro, que não dei pelo que se passava ao pé da barraca. De súbito, ouvi uma detonação. Olhei na direcção da praia e vi um homem, de pé no sítio onde o meu noivo ficara. Notando que não se tratava de Alfredo, gritei e nadei para terra, enquanto o homem fugia, correndo, em direcção à estrada. Só quando saí da água, é que vi que meu noivo estava no mesmo sítio, deitado, mas com qualquer coisa espetada na cabeça. Corri para junto dele, gritando o seu nome, mas não obtive resposta. Então, baixando-me e encostando o ouvido às suas costas notei com horror que estava morto. Desatei a chorar, abraçada a ele, e só me levantei quando ouvi o ruído do vosso carro. Então, corri esbaforida e… o resto já os senhores sabem.

Entretanto, havíamos chegado junto à barraca e a jovem tentou reter um soluço que por fim soltou, fitando sem ver, o corpo daquele que fora seu noivo. Enquanto eu tentava consolar a pobre moça, o meu amigo ajoelhou-se junto ao cadáver e colou-lhe o ouvido um pouco abaixo da omoplata esquerda, chegando também à conclusão que a rapariga citara.

Depois, olhando o corpo apenas coberto por um calção de tecido elástico, Marcos Dias observou com atenção o tridente que ao chegar vira espetado na nuca do desventurado banhista. Dos três orifícios abertos em linha, onde mergulhavam as pontas do arpão, saía ainda algum sangue que escorrendo pelo pescoço se ia juntar ao outro que a areia fina absorvera. Com cerca de setenta centímetros de comprimento, aquele instrumento de caça submarina estava encurvado a meio e tinha ainda presa no extremo, uma ponta de fio de pesca. Impressões digitais, não as havia.

Na areia, à roda do corpo, nada de anormal se notava. Pègadas, havia-as por toda a parte, mas seria impossível atribuí-las aos respectivos pés, já que todas eram disformes e idênticas, por causa da inconsistência do terreno.

Marcos prosseguia nas suas perscutadoras observações e eu continuava cumprindo a minha missão consoladora. Fiz sentar a jovem junto da barraca e tentei fazer estancar as lágrimas que, deslizando pelas faces que o sol já bronzeara um pouco, lhe caíam nas pernas e rolavam pela pele limpa e sedosa, confundindo-se com algumas gotas de água marinha que o calor ainda não evaporara.

Desviando o olhar do pequenino caderno onde fizera alguns apontamentos, Marcos volveu-o para mim e perguntou, dirigindo-se à jovem.

– Sabe se o seu noivo teria alguém interessado na morte dele?

– Creio bem que… não! Apesar de que…. ele é muito rico. Nunca se sabe…

– Sim, compreendo! – cortou o detective, enviando um olhar mais atento, pela primeira vez, ao corpo harmonioso da linda rapariga. E depois, continuou. – Vejamos. A menina sabe se lhe roubaram alguma coisa? Talvez da barraca!?

– Não sei!... Depois que vim do mar ainda não entrei nela.

Marcos Dias parou junto de mim. Curvou-se para entrar na barraca e começou a remexer o seu conteúdo, pedindo à rapariga que visse se faltaria alguma coisa.

– Parece que está tudo. – Afirmou endireitando a roupa sobre o colchão pneumático e metendo na saca cilíndrica o barrete de natação, ainda húmido.

Terminado o exame no interior da barraca, Marcos saiu e voltou a examinar o corpo, impelido por súbito pensamento. A cabeça do pobre rapaz caía sobre um romance de Françoise Sagan, que as suas mãos crispadas seguravam ainda.

– A senhora… – ia a dizer o investigador.

– Oh! Desculpe não lhe ter dito ainda. Chamo-me Maria José e vivo a poucos quilómetros daqui. Canto no restaurante «Oásis».

– A senhora – recomeçou a dizer Marcos Dias – não reparou se o homem que se afastava era algum seu conhecido? Posso até lembrá-la que poderia tratar-se do amigo que viria buscá-los para os conduzir a casa.

– Oh! creio que não. Mas se o senhor quiser interrogá-lo, ele é o director da orquestra que me acompanha. Poderá encontrá-lo no «Oásis», pois nesta ocasião deve estar a ensaiar.

Marcos expeliu pelas narinas uma certa porção de ar e, aproximando-se de mim, disse qualquer coisa que me deixou incrédulo.

– Não! Não pode ser! – repliquei quando recuperei a fala. – Ele…

Mas, Marcos fez-me interromper a frase. Olhando a jovem que continuava sentada na areia, com a cabeça entre as mãos e os cotovelos sobre as pernas agora impecavelmente bela, pois já secara toda a água, disse-me, com uma expressão caricata que só eu compreendia.

– Bem! Têm de ficar aqui um bocado, enquanto eu vou ao «Oásis» falar com o senhor suspeito. Depois irei buscar uma ambulância e as autoridades locais, pois os senhores da polícia costumam querer cumprir as formalidades usuais.

O meu amigo afastou-se pela praia em direcção ao automóvel e eu, colocando sobre o corpo uma colorida toalha que tirara da barraca disse à jovem, ensaiando uma pronúncia cativante:

– Vá!... Não chore mais. Em breve o caso ficará resolvido e o culpado será castigado.

Aproveitando o tempo que Marcos levaria a regressar da cidade, resolvi refrescar-me um pouco e convidei a rapariga a acompanhar-me, Maria José rejeitou o convite, pois pretendia descansar alguns minutos. Do lado oposto da duna, oculto da «viúva», despi o dispensável.

Segundos depois, corria pelo suave declive da areia e lancei-me ao mar, aproveitando uma vaga que corria para a praia. Ao entrar na água, senti a cabeça bater em qualquer coisa que me pareceu um rochedo mas que afinal não passava de um grande peixe. Agarrei-o, julgando-o vivo. Porém, logo notei que estava morto e quase em decomposição, com os intestinos a sair por rasgão que tinha no ventre. Segurando o peixe e nadando com uma das mãos, tal como Camões salvando os Lusíadas, voltei à praia onde o coloquei com cuidado, pois pensava pregar uma partida ao Marcos, quando ele regressasse.

 

Entretanto, Marcos Dias chegava ao «Oásis». Mandou chamar o director da orquestra que o gerente do restaurante disse ter chegado poucos minutos antes, e começou sem rodeios.

– O senhor pode dizer-me porque só agora chega para o ensaio, quando afinal já há mais tempo aqui devia estar? Creio que isso terá alguma relação com um crime que há pouco cometeram e eu tenho de resolver.

– Perdão, senhor! Não sei de que se trata. Quanto ao meu atraso, confesso que não tenho provas do que lhe vou afirmar. Fui-me deitar um pouco na praia, depois do almoço, e sem querer adormeci. Quando acordei, já eram seis horas e vim logo para aqui.

– Pois bem. – exclamou Marcos Dias – O noivo da Maria José foi morto num local quase deserto, junto ao mar, e o senhor era a única pessoa que sabia onde eles se encontravam.

– Isso é verdade! – respondeu o outro. – Mas também é verdade que o sítio onde eu estive é muito distante do lugar onde fiquei de ir buscar a cantora e o Alfredo.

– Está bem! Depois veremos isso. Para, já, faça favor de me acompanhar… Ah! A propósito: o senhor não se dedica à caça submarina?

– Não, senhor detective. E, por sorte, nem sequer sei nadar.

– Pronto, vamos. – E, abrindo a porta do Mercedes, Marcos Dias disse ao seu interlocutor: – Passaremos pela polícia e levaremos uma ambulância para remover o corpo.

O carro arrancou velozmente, provocando no rosto do músico algumas contracções que expressavam receio. Quando o carro, cada vez mais veloz, entrou na estrada principal, João da Doura, assim se chamava o chefe da orquestra exclamou:

– Lamento imenso a morte do meu amigo, a tal ponto que serei capaz de dispender algum dinheiro para que seja feita justiça. Quanto a mim, as pessoas que me viram na praia devem comprovar as minhas afirmações.

– Sim! Deixe-me pensar um pouco… depois veremos.

 

Uma hora depois, enquanto o culpado era conduzido ao quartel da «Judiciária», Marcos Dias e Jartur aproximavam-se da cidade.

No olhar dos dois amigos, um atento à estrada outro à paisagem que se estendia em redor, reflectia-se a alegria do dever cumprido.

 

PERGUNTAS:

Quem foi o culpado?

Quais foram os pormenores acusadores encontrados pelo detective?

Como se teria passado o caso? Exponha o seu raciocínio.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO