Autor

Nuno Quental

 

Data

4 de Junho de 2000

 

Secção

Policiário [464]

 

Competição

Torneio 2000

Prova nº 5

 

Publicação

Público

 

 

AS QUATRO FACES DE UM ASSALTO

Nuno Quental

 

Porto, sede da Polícia Judiciária (PJ).

Após meses de investigação e de uma preparação cuidadosa, o inspector Neves e o agente Costa vêem a data da operação “Os Dois Coelhos” a aproximar-se. Operação que, se tiver sucesso, permitirá capturar dois grupos de assaltantes há muito procurados, mas cuja detenção tem sido sucessivamente adiada por falta de provas que sirvam em tribunal.

– Não podemos perder esta oportunidade. É agora que apanhamos a Susy e o “gane” dos bancos – disse o inspector Neves decidido.

– Não te preocupes vai correr como previsto. Já está tudo tratado. A Susy desactiva o alarme e a protecção do cofre antes de deixar o trabalho. À noite, eu, o Chico e o Xano fazemos o trabalho.

– Achas mesmo que ela vai até ao fim, Costa?

– Claro. Fiz chantagem. A Suzy sabe que eu a conheço bem e pensa que se não cumprir o combinado é denunciada. O patrão devia gostar de saber o que a sua bancária preferida anda a fazer com algumas contas.

– Certo. E os outros?

– O Chico e o Xano pensam que vou ser eu a desactivar o alarme…

– Bem, para alguma coisa havia de servir um engenheiro electrotécnico!

– De qualquer forma, também os ameacei. Eles não devem tentar nada de estúpido.

– Assim espero,

– O plano de captura está planeado ao milímetro. Depois do assalto, Costa, Xano e Chico seguem para casa deste onde terão uma bela recepção… Depois é a vez de Susy que espera, na Praça da Liberdade, ansiosa pela sua parte do dinheiro.

– Ela pensa que eu me vou desfazer dos dois. Nunca matei ninguém, mas com esta arma não era coisa difícil – disse Costa, sorrindo confiante no estratagema que montou.

– De certeza que não queres ninguém no banco? Nunca se sabe, pode acontecer algum imprevisto….

– Neves, sabes bem que gosto de trabalhar sozinho. Não quero deitar tudo a perder. Põe pessoal de confiança em casa do Chico, que eu desenrasco-me no banco.

– OK, mas logo que os dois tipos sejam presos ligas-me. Quero estar informado para que corra tudo bem na Praça.

Dias depois, na noite do assalto, as novidades tardavam em chegar ao inspector Neves.

Cada minuto era vivido intensamente, na expectativa de boas notícias. Mas a equipa Chico, destacada para as primeiras duas detenções, continuavam à espera… Por fim, Neves pegou bruscamente no comunicador interno.

– Equipa Chico! Neves chama!

– Sim chefe, escuto.

– Que é que se passa, já chegaram? – gritou Neves irritado,

– Ninguém, está vazio. Já estão com um atraso considerável.

Merda! Ricardo, vai com um dos grupos que tens contigo ao banco, com urgência máxima. O outro que aguarde instruções. Tenho um mau pressentimento.

– Certo, chefe. Entro em contacto consigo quando lá chegar.

Minutos depois…

– Chefe, tenho más notícias. O Costa foi abatido.

– O quê?

– É verdade. E o Chico está aqui, inconsciente.

– Não pode ser… Chama os paramédicos. Eu vou já para aí. Espera por mim.

Foram precisos dez minutos para Neves chegar ao local, apesar da velocidade estonteante a que conduziu, passando vermelhos e sentidos proibidos. Os paramédicos já tinham chegado, para não falar nos inúmeros carros da PSP que cortavam a estrada e criavam uma atmosfera típica de um filme de Hollywood. Neves apresentou o distintivo e passou a faixa de segurança, enquanto observava Costa a ser colocado numa ambulância. Ricardo dirigiu-se ao seu chefe.

– Sinto muito. O Chico foi reanimado, se quiser falar com ele…

– Quero, pois. Chama o grupo em falta para aqui. Não estão a fazer nada lá em casa.

Chico estava perplexo, como se o que acabara de acontecer fosse pura imaginação. Mas não era…

– Quero saber tudo o que aconteceu! – exigiu o inspector.

– Nunca imaginei. O Xano enganou-me. Os capangas dele chegaram de repente num carro, mataram o Sandro e deram-me um soco com força. Devo ter desmaiado. Aquele sacana! Depois de estar tudo combinado. E queria ele que fosse eu…

E calou-se como se já estivesse a falar demais.

Sandro era o nome de disfarce do agente Costa.

– E para onde é que vocês iam?

– Que raio de polícia é você? Íamos a minha casa para dividir o dinheiro. Pois sim, nunca mais lhe vejo a cor! – disse, angustiado.

– Detenham-no. Ricardo, escolhe dois dos teus homens para irmos a casa do Xano. Manda os outros deter a Susy, que ainda deve estar à nossa espera.

Já perto do destino, Neves recebeu a notícia de que Susy não estava na Praça. Furioso, continuou o caminho.

Chegados à casa do Xano

– Ricardo, prepara-te que vamos entrar.

– Sem mandato? Vamos arranjar problemas – advertiu.

– Esse é boa… Problemas já tenho eu que chegue, e esse não fará diferença. Não te preocupes porque eu assumo as responsabilidades.

E arrombam bruscamente a porta. Precipitando-se para o interior, logo depararam com Xano, de pé mas meio tonto.

– Quieto! Mãos ao ar ou levas um tiro – mandou o inspector.

– Algemem-no e revistam a casa toda.

– Que é que se passa? Polícia? Não pode ser.

– Poupa o latim e conta-me o que aconteceu. E que não falte nada, porque quando me zango fico mau, e zangado já estou que chegue. Percebes o que quero dizer?

– Tenha calma… Eu estou inocente, vendo bem as coisas. Alguém me tramou, é o que sei. O Chico queria matar o Sandro. O tipo estava sempre a fazer chantagem connosco e sabia demais. Por isso, depois de nos ajudar a entrar já não era preciso.

– Seus animais! Acabaram com um dos meus melhores agentes infiltrados.

– Quem? O Sandro é polícia? Mas está enganado. Tinha ficado combinado que era o Chico a fazer o trabalho porque eu me recusei logo. Mas, quando me fez sinal com a cabeça, para eu saber que era o momento, ouvimos os pneus de um carro a derrapar. Logo a seguir apareceram dois tipos fortes, equipados e armados com automáticas. Um deles apontou a arma ao Sandro e disparou sem piedade. O outro deu um soco em cheio no Chico. Desmaiou instantaneamente…

– Chefe, desculpe interromper. Veja o que encontrámos no fundo falso de uma mala. Deve estar tudo aqui – informou Ricardo, visivelmente satisfeito com a descoberta.

– Quê? Não pode ser! Isto foi tudo montado! – gritou Xano, mostrando-se injustiçado.

– Não conheço os tipos do carro de lado nenhum. Foram eles que me meteram lá dentro e me trouxeram até aqui. Depois deram-me a beber qualquer coisa esquisita para me adormecer. Puseram algum dinheiro aí só para me incriminar. Nós roubamos, ou melhor… íamos roubar muito mais do que isso!

– Ou tu podes ter escondido o resto noutro lado. Rapazes, continuem a procurar – disse Neves, desconfiado.

– Mas agora estou a ver… deve ter sido a M – concluiu Xano, como se já tivesse percebido tudo.

– Quem? – para o inspector, este era um nome novo.

– Uma “colega” de longa data. Chamo-lhe M, uma espécie de código. Confiava nela e contei-lhe tudo. Combinámos que ela matava o Chico logo que chegássemos a casa dele, antes de dividir os lucros. Céus… como foi capaz?

– Ponham-lhe umas algemas e metam-no no carro. Como vês, com ou sem dinheiro, estás preso!

Nem uma nota mais apareceu. Onde estaria o resto? No próprio dia Neves foi ter com a Susy. Após anos de investigação, conhecia-a bem. A entrada foi simpática…

– Polícia Judiciária! Abra a porta ou entramos à força!

– Oh, não se dêem ao trabalho. Em que lhes posso ser útil? – perguntou, com um sorriso nos lábios.

– Deixe-se de gracinhas que daqui você só sai para trás das grades. Sabe, o Sandro era, na verdade, um bom polícia. O que ele sabia, eu sei. O juiz vai gostar de conhecer o seu passado e como você tornou o roubo possível.

O sorriso de Susy desfez-se subitamente.

– Estou espantada Mas o que é que lhe aconteceu?

– Foi morto há pouco mais de uma hora. Você por acaso não devia estar na Praça à espera dele?

– Acha? Esperei quase meia hora. Depois fui-me embora, julguei até que queria tudo para ele. Mas… mas então quem é que ficou rico às minhas custas?

– Sabê-lo-emos brevemente. Entretanto, vai-nos acompanhar. Já temos provas mais do que suficientes contra si. Rapazes, revistem a casa. Apesar de tudo, ainda acredito em milagres!

De nada serviu. Do resto do dinheiro não havia sinal. Mas falta ainda falar com a tal M. Quem sabe, seria então que se desvendaria todo este mistério…

Sra. M, por favor abra a porta! Fala o inspector Neves, da Polícia Judiciária.

– PJ a estas horas? Que foi que aconteceu?

– Sabemos do seu envolvimento com o Xano. Sabemos também da vossa última jogada. Você ia matar o Chico depois de terem assaltado o banco – acusou Neves, surpreendendo-a.

– Quem lhe disse?

– Você pensa que está num café ou quê? Aqui quem faz as perguntas sou eu! Diga-me: onde é que você andou esta noite?

– Estou a ver… a coisa deu para o torto e agora desconfia de mim. E o Xano deve pensar que fui eu que o enganei. Pois digo-lhe uma coisa. Estava à espera deles dentro da casa do Chico, mas não para o matar. Quando vi a moina, lá desconfiei. Só saí quando desapareceram.

– Se não era para matar, era para quê? Para brincarem os três às casinhas?

– Só para o tirar da jogada. Um pouco de violência, nada mais. Sobreviveria. Mas como vê, não foi preciso. Alguém se adiantou.

– Pessoal! – disse Neves, dirigindo-se para os companheiros –, levem-na para a esquadra e revistem também esta casa.. Espero que seja a última!

O inspector estava confuso. Apesar de ter conseguido deter todos os intervenientes, a operação tinha acabado com a baixa de um importante agente. E um dos assaltantes (Chico, Xano, Susy ou M) acabara, em parte, por levar a melhor.

Após uma noite inteira acordado a pensar no assunto, Neves chegou a uma conclusão. Afinal, quem é que ficou com o dinheiro e o que aconteceu na realidade?

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO