Autor

O Gráfico

 

Data

21 de Novembro de 1993

 

Secção

Policiário [125]

 

Competição

Supertorneio Policiário 1993

Prova nº 10

 

Publicação

Público

 

 

DETECTIVE, MENTIROSO E… CRIMINOSO!

O Gráfico

 

Problema policiário dedicado a todos os praticantes de problemística policiária que se iniciaram recentemente na produção e/ou decifração desta actividade lúdica, tão prezada e angariadora de talentos para o desporto mental.

Caro L.P., perdi a “cabeça”, arranjei um tempinho e, em vésperas de realização do 18º Convívio de Almada, peguei na “velhinha” máquina de escrever (ai, que recordações tão saborosas que me vieram à memória… ai o cheiro da fita repassada de milhares de letras decalcadas… lembrando-me da maneira maravilhosa dos serões, das noites inteirinhas que perdi, escrevendo e ainda escrevendo… soluções e mais soluções! Era uma loucura – sem aspas! –, uma autêntica devoção e completa dedicação ao culto policiário! Recordo-me, com orgulho, claro!, dos torneios de decifração que ganhei; dos torneios de produção que conquistei; das vitórias, isolado, em originalidade; nas melhores; em combinados; classificações especiais e prémios extras; escrevi reportagens, crónicas, críticas, “short stories” e contos policiais, alguns de Natal, para crianças! Às vezes dou comigo a pensar que talvez tenha sido o único policiarista que ganhou tudo o que havia para ganhar, em termos de pro-belicística policiaria, mas… parece que nunca ninguém se preocupou com isso, nem serão acessíveis a todos umas buscas minuciosas…!). Bem, mas tentava dizer-te eu, amigo Luís, que decididamente resolvi escrever um problema policiário para a tua secção. E, aqui estou, “em directo” a passar as ideias para o papel, pois, essa de escrever primeiro e burilar depois, comigo já não dá, quero dizer, não tenho tempo para tal (modalidade que não aconselho aos agora iniciados – reparem que não escrevi jovens, pois iniciados engloba eles e elas (!) de todas e quaisquer idades. Nunca é tarde para se entrar no reino encantado da problemística policiária, produzindo e decifrando, convivendo e conhecendo-se gente de todos os lugares e fomentando novas e salutares amizades. Daqui não tiro eu o meu pé!).

Pronto, depois do “cartão de visita” e alguns conselhos pertinentes, desculpem a ousadia, passemos então ao “desafio”:

Cuidado com as “rasteiras”, pois o problema policiárío começou lá em cima, logo após se ter escrito. “Detective, mentiroso e… criminoso!”

Detective, porquê!? Ora, porque me aconteceu ter ajudado a polícia aquando da ocasião de um assalto, ali na Cova da Piedade, junto à estátua do bombeiro, quando tentava (e consegui!) obter a chamada “carta de condução”! Ia às aulas teóricas três vezes por semana, segundas, quartas e quintas-feiras, e foi precisamente no dia 8 de Setembro que o roubo aconteceu. Tínhamos acabado de sair da aula, eram quase 19 horas, eu e mais uma amiga que ali conheci, quando o roubo aconteceu…

(…) Uma velhota queixava-se ao polícia – que ocasionalmente, de motorizada, por ali passava – que o indivíduo sentado no passeio lhe tinha roubado a mala e extorquido cinco mil escudos! Normalmente, quando acontecem coisas destas aglomeram-se de imediato várias pessoas e cada uma dá a sua opinião… Só que, desta vez, como começara a borrifar próximo das 18 horas, momento em que eu entrara para início da minha aula teórica, e assim continuava persistente e inoportuna, a “malta”, os “curiosos”, não estavam pelos ajustes, limitando-se a observar o acto, ao longe, de dentro dos “snacks”" vizinhos. Portanto, só ali estávamos naquele terreiro plano: o polícia, que parara a motorizada porque viu a velhinha engalfinhada com o suspeito; a vítima; o acusado; eu e a minha amiga! Prolongaram-se as acusações por breves minutos e a velha ia dizendo: “Foi ele, senhor polícia! Estava encostado ao carro, quando eu ia a passar, sacou-me a mala e enquanto eu me agarrava a ele, tentando reagir, abriu-a e tirou-me cinco contos da carteira! Quando o senhor apareceu já eu tinha a mala mas ele ficou-me com o dinheiro!! Veja, veja, na carteira ou no bolso dele.”

O tipo, jovem, aparentando vinte e poucos anos e bem vestido, lá se ia defendendo, conforme podia: “Eu! A velha está maluca! O dinheiro que tenho aqui é meu!... Dirigia-me ao meu carro (e apontou para um próximo, ali a três metros) quando ela se agarrou a mim a agredir-me e… a empurrar-me! Até me chamou ladrão. Mas o que é isto? Trabalho ali em frente, naquele café (e voltou a indicar) e estive ali o dia todo, peguei às oito horas da manhã, quando deixei aqui o carro, estacionado, e agora, quando me preparava para ir embora, acontece-me esta...!? Porra!”

(…) O polícia, jovem, não sabia lá muito bem desenvencilhar-se da situação e enquanto identificava a queixosa e o acusado eu tive oportunidade de dar uma espreitadela às redondezas e, como o tempo continuava na mesma, não parava de borraçar, ali naquele lugar já não havia terreno seco… nem sequer debaixo do carro do acusado.

Enfim, o polícia nem se lembrou de ir perguntar ao dono do “snack” se, realmente, o sujeito trabalhava naquele lugar e se na verdade ali permanecera o dia todo, desde que pegara ao serviço, e entretinha-se a chamar pelo rádio-comunicador de bolso o carro-patrulha da zona…

Cá por mim, já não tinha dúvidas. Antes de apresentar a minha tese ao semidesorientado polícia, afastei a minha colega e disse-lhe: – Lembras-te de eu te falar em problemas policiários, etc., etc.? Pois tens aqui um tema para escreveres um! Sabes o que sucedeu? Quem está a mentir é… Porque… Agora vou dizer isto ao polícia.

(...) E assim foi. Depois de um cumprimento recíproco e de o jovem polícia ter exclamado: “Eh pá, é isso!” juntei-me à minha amiga, metemo-nos no meu Fiat Uno e fomos jantar ao Laranjeiro para comemorar!!

Criminoso, porquê!? Ora, porque estando aflito para imprimir os primeiros autocolantes para a Festa do 18° Convívio de Almada, um dia, ao ficar sozinho na oficina, no meu local de trabalho, peguei na zincogravura respectiva e, manobrando uma máquina tipográfica manual, antiga, que já não trabalhava havia para aí uns quatro meses, prestei-me à execução dos referidos! Como estava a pôr a pata na poça, deixei tudo comoo estava; depois de colocar tinta na máquina e imprimir o trabalho, limpei-a, arrumei tudo etc., etc… Guardei a zincogravura e eliminei todos os vestígios possíveis e imaginários…

Esquecei-me foi da perspicácia do meu patrão, um indivíduo inteligente e muito, mas mesmo muito, minucioso!... Que não deixa nada ao acaso e todos os dias, sendo sempre o primeiro a chegar à oficina, vistoria de ponta a ponta tudo o que ela contém. Mas, eu estava seguro, seguríssimo… ou não fosse eu “detective a brincar”… Os autocolantes eram meus, haviam sido comprados por mim, portanto, não iria haver falta de papel; também uns gramas de tinta preta não iriam ser notados, por faltarem e… a electricidade gasta na impressão era impossível de ser contabilizada! Ninguém me iria “apanhar”. Mas, falhei… não existem crimes perfeitos!

(…) No dia seguinte, o meu patrão, chegou-se ao meu posto de trabalho e, com uma palmada amiga nas costas, sussurrou-me ao ouvido: “Rodrigues, quando quiseres imprimir algum trabalho naquela máquina (e apontou para aquela onde eu, fora de horas, tinha imprimido os autocolantes) pede-me, com antecedência, não tens problemas, fica à vontade! Sem minha autorização é que não, como fizeste ontem! Ok? Tudo bem.”

 Bom, estão a ver-me, fiquei para morrer! Pedi desculpas e agradeci. Mas, onde foi que falhei…? Ah, isso, agora, é com vocês, caros leitores, do PÚBLICO-Policiário! Detective e Criminoso, estão relatados, quanto ao Mentiroso, também têm de ser vocês a descobrir os pormenores.

Já sabem que estão perante uma narração fictícia e que tudo o que foi escrito não aconteceu, na realidade! Todavia, estão reunidas as condições para um óptimo exercício mental! Mal daquele que, ao descobrir um pormenor, pense ter resolvido o caso… Atenção, pois!

Estamos todos de parabéns. O confrade “L.P.”, que deve ter dado saltos de contente quando recebeu este problema! Era um produtor (um dos Ases, como ele diz) que lhe faltava no Baralho. Vocês, leitores concorrentes, que me ficam a conhecer um pouco melhor (pois no meio da ficção há sempre um pouquinho de realidade!) E… sobretudo eu, sou quem mais fica a ganhar, pois com 34 anos ainda sou um “puto” e, considerando-me antigo nestas coisas do Policiário, não pensava, sinceramente, escrever tão depressa um problema policiário! Aconteceu e… pronto! Aqui estamos.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO