Autor

Onaírda

 

Data

18 de Maio de 2008

 

Secção

Policiário [878]

 

Competição

Campeonato Nacional e Taça de Portugal – 2007/2008

Prova nº 6

 

Publicação

Público

 

 

A CONFRARIA DO TERROR

Onaírda

 

António Garçôa – o teórico da PJ – saiu de casa e em vez de ir para a Gomes Freire, foi para Loures, para dar aula teórica a alunos do Curso de Formação de Inspectores. Leu uma obra de A. R. Hope Moncrieff até às 23h00 e de seguida tomou apontamentos. Normalmente, as leituras que fazia à noite metiam-se nas suas teorias do dia seguinte. Por isso lhe chamavam “o teórico”, ajustando a sua cultura à prática profissional.

“A Confraria do Terror” foi o nome escolhido para a prova que Garçôa apresentou aos formandos.

Rui d’Orey, era Presidente da Confraria do Terror, associação de sete membros, todos da banca e titulo nada lógico, pois eram, supostamente, pessoas de bem. Juntaram-se por interesses financeiros, com a Bolsa de Valores preferencial. Havia o presidente, um vice-presidente, um tesoureiro, um secretário e três vogais. Reuniam-se semanalmente em sede e anualmente em Janeiro, confraternizavam num jantar, em restaurante de luxo, precedido de uma reunião plenária, que começava pelas 19h00, para tomarem conhecimento de resultados finais do ano anterior.

Num dia do passado mês de Janeiro o jantar foi marcado para as 20h30 em restaurante de nome curioso, Mithos. Tinha sido escolhido pelo vice-presidente e comunicado ao presidente através da mulher deste. Reunião e jantar que não se realizaram, porque Ruy d’Orey foi descoberto em sua casa, mortalmente ferido com uma punhalada desferida em pleno coração. Sentado numa cadeira do seu escritório e recostado para trás. Ainda tivera tempo de escrever uma nota num papel “estava escrito o meu destino”.

Ainda em relação à Confraria do Terror, é curioso que todos os membros se conheciam e tratavam-se por nomes de animais, excepto o presidente, que por ser o líder e se julgar uma estrela, tomou o nome de Orion. Os nomes eram: Orion o Presidente, Tubarão o Vice, Tigre o Tesoureiro, Abutre o Secretário e os três vogais Crocodilo, Víbora e Mabeco. E por esta ordem sequencial tínhamos as suas esposas, que também usavam, por vaidade, nomes clássicos da antiguidade: Artemisa, Vénus, Bellona, Ceres e por fim as dos três vogais eram Abeona, Aurora e Vesta. Estas nunca tomavam parte nas reuniões de trabalho mas podiam participar no jantar anual, se assim o entendessem.

Era o dia da reunião e jantar anual. Estava tudo programado, mas aconteceu o imprevisível: o presidente não compareceu aos eventos e descobriram-no pelas 21h30 em sua casa já cadáver. Foi o secretário que descobriu o corpo, quando entrou em casa da vítima – acompanhado do motorista – depois de ser incumbido pelos seus pares de tentar saber o que tinha acontecido ao ausente. Logo chamou a polícia, Garçôa estava de piquete, compareceu de imediato e posteriormente o médico legista afirmaria que a vitima teve quase morte imediata, devido a ter sofrido uma punhalada no coração e que esta e a morte ocorreram, entre as 17h20 e as 17h45.

A Confraria do Terror tinha dois funcionários a tempo permanente. Uma era secretária, especialista em negócios bolsistas e, para não variar, chamava-se Minerva. O outro era motorista e estava ao serviço particular do presidente e sua mulher, mas com o ordenado pago pela Confraria. Artur era o seu nome, mas Escorpião a sua alcunha. Tinha estilo efeminado porque era gay.

No dia da reunião e jantar, o motorista foi buscar Artemisa pelas 16h00 a casa, recolheu as mulheres do vice-presidente e do secretário e foi deixá-las num centro comercial às 16h30. As três mulheres fizeram compras e estiveram por lá até às 20h00, apanharam um táxi e foram para o restaurante onde chegaram às 20h15.O presidente deslocar-se-ia para a sede da Confraria no seu carro pessoal e estaria na sede pelas 18h55.

As mulheres do tesoureiro e dos três vogais combinaram e foram a uma matiné que começou às 17h00 e entretiveram-se até às 20h00, hora a que o Artur as foi buscar e as levou para o restaurante.

A secretária chegou à sede da Confraria pelas 16h00 para preparar a reunião. Pelas 16h45 chegou o secretário e ambos se mantiveram na sede até ao previsível início da reunião. Depois tiveram a companhia dos restantes membros da Confraria, excepto o presidente pelos motivos já expostos. Aguardou-se a sua chegada, o que não aconteceu, pelo que a reunião não se iniciou e todos foram para o restaurante pelas 20h00, esperançados de que o líder para lá se dirigisse. Os telefones fixos e móvel deste não atendiam as chamadas que efectuaram. Decidiu-se esperar pela chegada da sua mulher para saberem informações.

O vice-presidente e o tesoureiro marcaram encontro numa pastelaria do Saldanha pelas 16h30, conversaram e dirigiram-se, de táxi, para a sede pelas 18h30.

O motorista (Escorpião) foi buscar pelas 18h30, num local combinado os três vogais e deixou-os na sede da Confraria pelas 18h50. Estes três elementos já estavam reunidos desde as 16h00. Ficaram admirados com a ausência do presidente.

Quando a mulher do Presidente chegou ao restaurante, disseram-lhe da ausência do marido, tendo respondido que, quando saiu de casa, ele estava no escritório. Não se despediu dele e nada sabia da sua ausência. Incumbiram o secretário, acompanhado do motorista, para se deslocarem a casa de Orion e ver o que se passava; o motorista tinha a chave de casa do presidente, necessária para quando os patrões estivessem ausentes.

A PJ tomou conta da ocorrência e apurou-se o seguinte: soube-se por declarações cruzadas que a mulher do presidente se relacionava com o vice-presidente e que este a sugestionava, porque ambicionava ocupar o lugar do marido. Dizia-se que a relação com Artemisa tinha o objectivo de proporcionar esta promoção. E a escolha do restaurante não tinha nada de inocente. Mas também se sabia que o presidente era íntimo da mulher de um dos vogais; este sabia, mas convinha calar. Por outro lado Artur, pago pela Confraria, estava ao serviço só do presidente e de sua mulher. Mas o presidente estava sempre em desacordo sobre os caminhos que cada um preferia. O presidente seguia para Ocidente e o motorista, invariavelmente, tomava a direcção do Oriente. Artemisa sabia que Artur era gay e, por este motivo, desabafava com ele aspectos da sua vida amorosa. Artur dizia que a apoiaria no que fosse preciso. Orion sabia da relação próxima de sua mulher com Tubarão e teme pelo futuro. Tubarão dizia a Vénus que em breve substituiria Orion.

Garçôa acabou a exposição advertindo os futuros inspectores que esta história não era real e que tinha sido imaginada por ele nas primeiras horas do dia. Influenciado ou não, a história surgiu. E, por fim, pediu aos formandos que enquadrassem todos os pormenores e aliassem a prática à teoria, não só para dizerem quem foi o assassino e quais os seus motivos, mas também para dizerem qual seria a intuição que Garçôa desenvolveu para enquadrar as figuras criadas. E já agora, para anotarem quem andava o presidente a atraiçoar. Mas para Garçôa não tinha lógica o patrão querer ir para Oeste e o motorista desobedecer e ir para Leste.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO