Autor Data 18 de Julho de 1986 Secção Detective [7] Competição 1ª Supertaça Policiária -
Cidade de Almada Problema nº 4 Publicação Jornal de Almada |
MATARAM O GENERAL Pal Há
duas semanas que nevava, forte e ininterruptamente e os caminhos, as árvores
e as casas, pareciam ter sido cobertos com panejamentos brancos como é hábito
fazer às mobílias quando se parte para férias. De repente, e sem que nada o
fizesse prever, a neve deixou de cair e a temperatura que se conservava mais
ou menos amena, baixou de positivos para uma dezena de graus negativos, ao mesmo
tempo que começava a chover. Dos troncos das árvores pendiam «estalactites»
de chuva e neve que se congelavam devido ao rápido abaixamento da
temperatura. Foi precisamente nesta altura que, acompanhado de minha irmã fomos,
a seu convite, passar o fim de semana com o General. Ele fora muito amigo do
meu pai, com quem estivera na guerra e sempre mostrara um grande carinho por
nós dois, já que, nunca tendo casado, talvez por causa do seu feitio, não
tinha filhos. Era um homem irascível que não perdoava o mais pequeno deslize
àqueles que estavam debaixo das suas ordens, chegando mesmo a ser ríspido sem
razão aparente. Contrariamente, carinhoso e benevolente para os outros e,
muito especialmente para nós dois. Vivia
num pequeno solar na província, de rés-do-chão e primeiro andar, tendo apenas
ao seu serviço urna cozinheira e o mordomo. Este fora seu impedido durante a
guerra e bastante lhe aturara, mas quando fora desmobilizado sentindo-se
velho e cansado e sem saber que rumo dar à sua vida, aceitou o lugar que o General
lhe ofereceu, mesmo sabendo que não iria ter uma vida de rosas, mas a certeza
de ter casa e emprego fez com que o aceitasse. Pois
foi neste fim de semana que o drama aconteceu: Eu e minha irmã tínhamos ido
tornar chá a casa de uns vizinhos e o General não nos acompanhou porque se
sentia um pouco engripado. Ficou no seu gabinete sentado num confortável
cadeirão. Junto deste havia uma pequena mesa, ao lado direito, onde o mordomo
colocava o tabuleiro com o serviço para o chá. Em frente ficava a secretária
com uma cadeira giratória e do lado direito do cadeirão onde o General se
sentava, havia uma enorme janela que dava para o jardim, com mais árvores e
arbustos do que flores. As árvores, em tão grande quantidade e tão perto da
casa, que os ramos, com o soprar do vento, batiam fortemente nos vidros da
janela e com esta aberta, bastava esticar um pouco o braço, para agarrar um
ramo. Quando
chegámos a casa, por volta das 20 horas, reparámos que a neve do caminho, que
dava acesso à entrada, estava imaculada e nela ficaram apenas impressos os
nossos passos. Ao nosso toque, a porta foi-nos aberta pelo mordomo e subimos
aos nossos quartos para trocar as roupas molhadas; nessa altura vi luz no
gabinete do General que ficava mesmo ao lado do meu quarto e entrei para lhe
dar os cumprimentos, dos nossos vizinhos e saber como se sentia. Estava
sentado no mesmo cadeirão onde o tínhamos deixado, bem vivo; só que agora
estava morto! Ao primeiro relance, e pela ferida que apresentava no lado
esquerdo do peito, calculei que deveria ter sido apunhalado, mas a certeza
deveria ser dada por um perito. Estranhei que a janela se encontrasse aberta,
com tão mau tempo, mas poderia ter sido um descuido do mordomo ou uma
bizarria do General. Telefonei ao médico do General e à polícia. Dentro
de pouco tempo chegou o Dr. e um Detective. O médico confirmou que realmente
o General fora apunhalado há cerca de três horas, mais ou menos, com um
objecto afiado e duro, como um estilete. Da ferida, não muito larga, mas um
pouco profunda escorrera sangue de um tom ligeiramente pálido como se tivesse
água misturada e a camisa e o roupão estavam também molhados de água. O
médico ficara absorto sem encontrar explicação para esta água que molhara as
roupas do General. Do lado direito, junto à mesa do chá, o detective encontrou
alguns pequeninos bocados de porcelana e o chão molhado com o que verificou
ser chá. Foi passada uma busca à casa e não foi encontrada a arma que ferira
o General. Chamaram-se a cozinheira e o mordomo para interrogatório e ambos
negaram ter alguma coisa a ver com o crime. A
cozinheira estivera muito ocupada com a confecção de um bolo, que começara
pelas dezasseis horas e que tinha que ser constantemente vigiado depois de
entrar no forno. Não saíra da cozinha desde essa altura e aproveitou para
tomar o seu chá quando o mordomo levou o do General. Daí a pouco tempo voltou
trazendo o tabuleiro e a chávena toda feita em cacos. Não lhe fizera perguntas
porque o mordomo era de poucas falas e isto acontecia por vezes. Quando
por sua vez foi interrogado, o mordomo explicou que quando levara o chá ao
General e ia a colocar o tabuleiro na mesinha, chamou por ele, que estava
dormitando. O General ficou irritado por ter sido acordado e com um dos seus
repentes deu um safanão no tabuleiro atirando o bule e a chávena ao chão.
Depois disto apanhou os cacos e enxugou o chão o melhor possível, voltando
para a cozinha onde ficou até que as visitas bateram à porta. É tudo o que
pode dizer. Mas
nós temos obrigação de dizer mais: Pergunta-se:
1
– Quem matou o General? 2
– Porquê? Quando? Com que arma? Explique tudo? |
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© DANIEL FALCÃO |
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