Autor

Paris

 

Data

26 de Setembro de 1999

 

Secção

Policiário [428]

 

Competição

Torneio “Fórmula 1”

Torneio “Detective Said

Prova nº 5

 

Publicação

Público

 

 

O LADRÃO QUE VEIO PARA JANTAR - O PRIMEIRO CASO DE STEVE ANDERSON

Paris

 

Eram dez horas da manhã e eu caminhava alegremente para um grande edifício que se avistava ao fundo da rua. Era o meu primeiro dia de trabalho, na prestigiada King & Kelly, uma famosa agência de detectives.

A King & Kelly era composta por vários escritórios, onde se viam muitas pessoas atarefadas, correndo nos corredores e entrando e saindo de vários gabinetes com pastas e papéis na mão. Dirigi-me a uma secretária idosa, que parecia estar a dormir, e perguntei-lhe onde ficava o escritório do sr. Clifton, que era o chefe da agência. Depois de muitas explicações, lá consegui que me dissesse onde era.

O sr. Clifton era um homem de meia-idade, com uma farta cabeleira branca e um aspecto débil. Contudo, a sua voz era bem audível!

– Sr. Anderson, presumo!

Exacto!

– A partir de hoje o sr. é detective da nossa agência. Vou-lhe desde já informar que não toleramos atrasos, trabalhos mal feitos, e, acima de tudo, clientes insatisfeitos. Entendeu? – gritou ele.

– Entendi, sr. Clifton. Quando começo? – perguntei ansioso.

– Hum… deixa-me ver… o McPherson está doente, por isso pode substituí-lo no caso que ele ia começar.

Parou um pouco para pensar e carregou num botão do telefone que tinha ao seu lado. Chamou a secretária e entregou-me um papel.

– Aqui estão as normas que você tem de seguir. Se não as respeitar, enfrentará graves problemas. Ah, outra coisa. Chame-me Clifton, O.K.?

– Como desejar, srClifton.

A porta abriu-se e a secretária pediu-me para a seguir. Levou-me a um grande gabinete, onde estavam quatro pessoas, cada uma na sua secretária. A quinta estava vaga, e depreendi que seria a minha.

 

Eram duas horas. Na minha frente estava agora um casal de meia-idade, que parecia impaciente e muito mal-humorado.

– Finalmente alguém nos atende! – disse o homem, com uma voz muito aguda.

– Pedimos desculpa por esse facto, mas só agora é que nos foi possível ouvi-los – desculpei-me eu.

– Para começar, podiam-me dizer os vossos nomes?

– Nós somos Irene e John York, – disse Irene York – os pais de Phillip York. Presumo que saiba quem é!

Phillip York era um dos mais poderosos industriais ingleses. Respondi afirmativamente e ela continuou.

– Recentemente, comprámos em Paris uma valiosa jóia que pertenceu a Luís XVI, rei de França. Ontem, demos um jantar para comemorar a compra dessa jóia, para o qual convidámos os amigos mais íntimos. Quando acabámos de jantar fomos novamente para a sala onde a jóia se encontrava, mas deparámos com o cofre aberto e vazio. A janela estava fechada por dentro, assim como o resto das possíveis entradas pelo exterior. Por isso, concluímos que só poderia ter sido um dos convidados. Eles também perceberam isso e, para que não desconfiássemos deles, voluntariamente esvaziaram todos os bolsos, carteiras e sítios possíveis onde ela poderia estar. Posso-lhe afirmar com toda a certeza que, quando saíram, não levavam a jóia com eles. Por isso, estamos com um dilema: não entrou ninguém de fora para roubar a jóia, nem ela foi roubada por um dos convidados. Viemos cá logo de manhã, mas quem falou connosco adoeceu repentinamente… aliás, tenho de lhe dizer que os vossos serviços não são nada bons, e

– Irene, por favor, – suplicou o marido – já temos bastantes preocupações. Bem, sr. Anderson, o que nos levou a procurar os vossos serviços e não ir directamente à polícia foi o facto de não querermos escândalo, pois isso prejudicar-nos-ia, assim como aos nossos amigos. Por isso, peço-lhe sigilo absoluto. Agora, se tiver perguntas a fazer, estamos ao seu dispor.

– A jóia, segundo percebi, estava num cofre. Algum dos convidados sabia a combinação do cofre?

O casal pareceu um pouco embaraçado com esta pergunta. Passados alguns segundos, o sr. York respondeu:

– Saber, não sabiam, mas como o cofre foi aberto antes do jantar à frente de todos eles, e o código é bastante fácil de decorar, é bem possível que todos eles tenham ficado a saber a combinação.

– E qual é a possibilidade de alguém ter ficado sozinho na sala do cofre sem que vocês dessem conta disso?

– Bem, isso não seria muito difícil, pois são todos amigos de longa data e, portanto, não nos preocupámos em vigiá-los. Não sei se está a ver o que quero dizer – disse Irene York.

Quer dizer que não fazem a mínima ideia, pensei. Nenhum dos dois me pareciam ser grandes observadores, no entanto era meu dever fazer a pergunta que todos os aspirantes a detectives sonham fazer um dia: quais são os suspeitos, e o que fizeram naquela noite.

– Tínhamos cinco convidados – respondeu Irene York – Felicia Hedgeworth, o casal Brown, e os srs. Simpson e Bird. As senhoras estiveram grande parte do tempo comigo, enquanto os homens se juntaram na sala onde estava o cofre.

– É impossível que tenham roubado a jóia nessa altura, pois eu nunca me ausentei da sala, e teria reparado se alguém se dirigisse ao cofre. Aliás, as únicas pessoas que saíram foram os srs. Simpson e Bird, para telefonarem às respectivas esposas. – acrescentou TyroneYork.

– E durante o jantar, ninguém se ausentou da mesa? – perguntei.

– Isso já é mais difícil de responder, pois todos foram à casa de banho, e nem nos preocupámos em saber quem ia a uma e quem ia a outra. Além de que estava a fazer os preparativos para jantar.

– Talvez seja importante dizer que uma das casas de banho fica ao lado da sala onde estava o cofre, no lado mais afastado do apartamento. – lembrou Tyrone York.

– Uma última pergunta: alguém mais sabia que possuíam a jóia?

– Não – respondeu Irene York – nem os nossos convidados sabiam.

– Muito bem. Deixem-me os endereços dos vossos convidados e o vosso também. Em breve irão ter notícias minhas.

Entregaram-me uma folha previamente escrita com os endereços e, depois de mais uma queixa contra os nossos serviços por parte da sra. York, foram-se embora.

Eram quatro horas quando cheguei a casa de Felicia Hedgeworth, a primeira da lista. Morava num luxuoso apartamento perto de Regent Street, e foi ela própria quem me atendeu. Devia estar já nos 50, mas vestia-se como se ainda tivesse vinte e poucos – o que até nem lhe ficava muito mal, diga-se de passagem. Era bastante alta, com os cabelos louros já entremeados de cabelos brancos.

Felicia Hedgeworth? – perguntei.

– Sim, sou eu – respondeu ela com uma voz suave.

– Sou detective e estou aqui por causa do roubo da jóia que pertencia aos srs. York. Será que…?

– Oh, que estupidez a minha! – disse ela, pondo as mãos na cabeça.

– Entre detective… Como se chama?

– Anderson, Steve Anderson.

Sentei-me, e ela foi buscar uma bebida para os dois. Depois sentou-se também e eu perguntei-lhe se tinha reparado em algo estranho.

– Que eu me lembre, não – disse ela, muito séria –, se quer que lhe diga tenho a certeza de que foi alguém de fora. Nós revistámo-nos tão bem que nenhum de nós podia ter saído com ela.

– De fora não pode ter sido, pois as janelas estavam fechadas por dentro – objectei.

– Isto hoje em dia nunca se sabe. Não se esqueça de que o apartamento fica no 1º andar e as janelas dão para a rua.

Só me faltava alguém dar lições de como dirigir o caso, pensei. Fiz-lhe mais algumas perguntas, recebendo respostas com pouco interesse e, antes de me ir embora, perguntei:

– Quantas vezes se ausentou da companhia dos outros?

– Acho que apenas uma vez, quando fui à casa de banho.

– E quanto tempo se demorou?

A sra. Hedgeworth olhou-me desconfiadamente antes de responder.

– Apenas um minuto. O tempo de lavar as mãos e retocar a maquilhagem.

Os segundos da lista moravam perto dali, por isso decidi ir a pé. Quem me abriu a porta foi uma criada, que me conduziu à sala, onde estava Joan Brown.

Joan Brown era uma mulher nova e forte, com uma cara sardenta e praticamente redonda. Quando falou, notei que a sua voz denotava um certo cansaço.

– O meu marido chega daqui a pouco, mas pode perguntar-me o que quiser.

– Não notou a ausência de ninguém enquanto estavam reunidos?

– A única altura em que as pessoas se ausentaram foi antes do jantar, para irem à casa de banho, pelo menos que eu tenha notado.

– A senhora foi a qual?

Após uma leve hesitação, disse:

– Fui à que está ao lado da sala do cofre.

Ela está com medo, pensei, e é muito má a disfarçar. Notava-se o nervosismo de Joan, que evitava a todo o custo olhar para mim.

– Notou se alguém mais foi a essa casa de banho? – perguntei.

– Depois de mim foi o sr. Simpson. Pensando bem, ele até ia com uma cara enigmática.

Um sorriso irónico desenhou-se na minha cara. Aqui estava alguém capaz de dizer o que quer que fosse de outra pessoa, só para se livrar. De facto, notou-se imediatamente um alívio de Joan Brown, satisfeita por ter “passado a bola” a outro.

Nesse instante, ouvi a porta principal a abrir-se e, pouco depois, aparecia Charles Brown. Parecia ser uma cópia da mulher. Novo, forte, sardento, o mesmo cabelo ruivo a condizer. Ao saber que eu era detective, a sua cara endureceu. A minha pergunta se tinha reparado em alguém que se tivesse ausentado, respondeu o que eu já sabia: só antes do jantar ser servido. Não tinha reparado em nada, não tinha visto nada não sabia de nada. Ou melhor, só sabia que tinha sido alguém de fora. Disso tinha a certeza.

5h30. Excitado com o meu primeiro caso, estava já nos arredores de Londres, onde morava Anthony Simpson. Vivia numa casa mais modesta que as anteriores, mas mesmo assim bastante boa. A única pessoa que lá se encontrava era a sua mulher, Gloria Simpson.

– O meu marido ainda não chegou – disse ela – e o senhor teve sorte em me encontrar, pois também acabo de chegar. É por causa do roubo da jóia, não é?

E dito isto, começou-me a contar a longa noite que teve à espera para ver uma ave de uma espécie raríssima, como a encontrou, e tudo o que a dita ave fez até às 5 horas de hoje.

– É muito gratificante a vida de um ornitólogo, para mim é uma aventura, pois faço questão de estar sempre sozinha, sem possibilidades de ser incomodada.

Disse-lhe que também gostava muito de aves, o que até nem é uma grande mentira, pois assadas costumam ser muito boas. Como não estava com muita disposição para a aturar, mudei logo de assunto.

– Não sabe a que horas o seu marido chega? – perguntei.

– Não falo com ele desde ontem, por isso…

Despedi-me apressadamente, para evitar falar de passarada com a sra. Simpson. Depois falaria com o sr. Simpson.

O último convidado era Sir Sidney Bird. Morava numa sumptuosa moradia dos arredores de Londres e prontificou-se desde logo a ajudar. Sir Sidney Bird era um homem de meia-idade magro e alto, com os cabelos grisalhos e os olhos cinzentos. Aliás, ele próprio era um homem cinzento.

Detective Anderson?

Exactamente — respondi. Estou ao serviço dos srs. York e pretendo descobrir quem roubou a jóia.

– Pensa que sou eu? – perguntou ele em tom irónico. Com todo o meu dinheiro posso comprar dezenas de jóias como aquela.

– Não duvido, mas deixe-me fazer-lhe algumas perguntas. Por algum momento saiu da beira dos outros?

– Saí duas vezes. Na primeira, saí da sala do cofre para telefonar. A segunda vez foi para ir à casa de banho, antes de jantar.

– E foi a qual casa de banho?

– Não fui à que fica ao lado da sala do cofre – replicou – além de que o ladrão não é nenhum dos que lá estavam, tenho a certeza disso!

Após algumas perguntas, que não revelaram nada de novo, despedi-me. Dirigi-me para a casa de Anthony Simpson, talvez ele já lá estivesse. No entanto, a meio do percurso, qualquer coisa que ouvi no rádio fez-me dar meia volta. Guiei para casa dos York com um sorriso nos lábios. Tinha tido sucesso no meu primeiro caso!

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO