Autor Data 12 de Junho de 2011 Secção Policiário [1038] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2011 Prova nº 6 (Parte II) Publicação Público |
O DOURO TEM MUITAS PONTES Paulo O
Ferreira tomou conta de mim desde garoto. Educou-me, fez-me advogado e
transformou-me no seu braço direito. Eu
resolvia-lhe os problemas legais, mantendo-me sempre longe, oficialmente, dos
negócios. Tabaco, álcool, heroína, haxixe, nunca lhes pus os olhos. Sabia
tudo, mas o Ferreira agiu sempre de modo que ninguém pudesse dizê-lo. O
Ferreira tinha inimigos de morte. A casa que construiu nas inclinadas margens
do Douro, longe da confusão urbana, pretendia defendê-lo desses riscos. A
localização impedia qualquer acesso ao seu quarto pela janela que exibia a
vista do Douro sinuoso. Dentro de casa, uma câmara, desde que ele se deitava,
filmava a entrada do quarto. Ao fundo do corredor os homens revezavam-se de
noite em vigilância. Ele
sabia que o Baltasar o mataria se pudesse. Tirara-lhe o negócio de protecção a norte do Douro. Ele não lhe perdoava. Homens
tinham morrido, nessa guerra quase invisível. Naquela
noite o Fabrício ia fazer um serviço: eliminar um homem do Baltasar. Por isso
fiz o primeiro turno de vigilância. Normalmente
nunca faria esse trabalho, mas o Xavier tinha sido ferido no dia anterior e
repousava. Eu, quando o Ferreira se retirou, por volta das 9 horas,
acompanhei-o ao quarto. Vi-o tomar os medicamentos para dormir e ligar a
câmara. Depois
levou-me à porta. A inacessível janela do quarto ficara fechada e eu sabia
que o Ferreira nunca a abria de noite. Saí, ouvi-o rodar a chave e retirá-la.
Colocava-a em cima da mesa-de-cabeceira. Todos tínhamos uma chave para abrir
a porta de manhã. Conferi
que a porta estava fechada. Sentei-me
no sofá ao fundo do corredor, a cerca de cinco metros da porta. À meia-noite,
seria substituído pelo Miguel. Ele
chegou à hora certa. Fui deitar-me. Acordei
com o Jacinto a bater à porta, dizendo que o Ferreira morrera. Pensei em
morte natural, mas logo percebi algo estranho. O
Fabrício estava dentro do quarto. Na cama via-se o Ferreira com uma marca bem
visível no pescoço, feita por um fio, que lhe causara a morte. Fora
estrangulado. A
primeira reacção foi espreitar os locais de
esconderijo. Dentro do armário e debaixo da cama. Ninguém. A janela fechada.
A segunda foi uma jura. O assassino do Ferreira seria morto. A minha primeira
morte. O
Fabrício estava a chegar, pouco depois das oito, quando se cruzou com
Jacinto. Dissera-lhe que o Ferreira estava morto. Fora com ele ao quarto e
vira aquele espectáculo. Disse
que o Jacinto depois me fora chamar, deixando-o sozinho. Chegara só às oito
porque o trabalho se complicara. Não conseguira surpreender o homem do
Baltasar e acabara por fugir para ficar vivo. Entretanto
tinham chegado ao quarto o Miguel e o Xavier. O
Xavier, de braço ao peito, com cara de estar com dores provocadas pela bala
de calibre 45 que lhe ferira o antebraço. Dormira
a noite toda. Tomara um medicamento para esse efeito e um analgésico.
Acordara com o Jacinto a bater à porta do quarto. O
Jacinto disse que entrara na vigilância às quatro horas, por troca com o
Miguel. Verificara,
à chegada, que a porta estava fechada e sentara-se até às oito. A
essa hora, como de costume, fora ver se o Ferreira estava acordado. Abrira a
porta e como o Ferreira não se mexia, aproximou-se e viu que havia algo
errado por causa da marca no pescoço e da roupa um pouco revolta. Saiu
do quarto e viu o Fabrício passar ao fundo corredor. Chamou-o e foi depois
ter comigo e com os outros dois. O
Miguel disse que verificara a porta à meia-noite. Continuava fechada à chave.
Desde que me substituíra ficara ao fundo do corredor. Perto
das quatro horas houvera uma falha de corrente eléctrica
e ele ouvira o disjuntor do quadro eléctrico, no
piso inferior, disparar. Descera
às escuras, não demorara mais de um minuto, e quando voltou viu surgir o
Jacinto, vindo de cima, do seu quarto, pelas escadas ao fundo do corredor,
junto à porta do quarto. Viu-o verificar que a porta estava fechada e depois
deixara-o sentado no sofá. Vi
a gravação. Nada de novo. Às
3h58 um corte de 48 segundos deixara a câmara sem imagens. A falha só afectara a iluminação mas no escuro não havia imagens. Depois
via-se o Jacinto vir das escadas, a verificar a porta e, perto das oito,
novamente o Jacinto a aproximar-se, colocar a mão na maçaneta, a rodá-la, a
entrar e alguns segundos depois sair. Os
movimentos seguintes coincidiam com o relatado. Desde
as sete horas do dia anterior e até que o Jacinto me chamara, eu apenas vira
o Miguel. Mas
isso não importava. Eu já sabia quem fora. Após
o funeral agi. Que fiz? É melhor não se saber. Ele
confessou. O fio de cobre revestido, descarnado nas pontas ligeiramente
escurecidas, queimadas, que servira de arma, foi encontrado no local que ele
indicou. O
assassino, ainda vivo, amordaçado, de mãos atadas com o fio mortal, os pés
metidos num bloco de cimento, foi largado de madrugada de uma ponte do Douro.
Qual? O Douro tem muitas pontes. Quem
foi o assassino do Ferreira? Escolha
a opção correcta: A
– Fabrício B
– Xavier C
– Jacinto D
– Miguel |
|
© DANIEL FALCÃO |
||
|
|