Autor Data 3 de Maio de 2015 Secção Policiário [1239] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2015 Prova nº 4 (Parte I) Publicação Público |
CRIME NA BIBLIOTECA Paulo O
inspetor Marco Dias ouvia o que as pessoas que estavam presentes na casa onde
ocorrera a tragédia lhe diziam. Ia anotando lentamente e questionando ainda
com mais vagar. Leonardo
Sá estava morto. Ninguém da casa ouvira o tiro. Não ouvira quem estava e
muito menos quem dizia que não estava. Numa
primeira estimativa, baseada na temperatura corporal e na temperatura
ambiente, a médica legista apontara para um intervalo entre as 14 horas e as
16 horas para o óbito. Marco
Dias olhou o relógio enquanto mentalmente gravava as palavras que ouvia,
registando apenas vocábulos soltos, mais para que os seus ouvintes se
concentrassem no que diziam, do que pela necessidade de os escrever para que
ficassem na sua memória. –
Saí de casa antes das duas horas da tarde, dizia Maurício Sá, irmão da
vítima. Fui para a empresa e o meu irmão ficou em casa, afirmando-me que lá
iria ter mais tarde. Éramos
sócios na Orbefer, que felizmente se encontra num
momento de grande sucesso e expansão nas vendas para alguns países europeus. Estranhei
o meu irmão não aparecer, mas já não era a primeira vez que o fazia. Nem
sempre era muito cumpridor. A
uma nova pergunta do inspetor Marco respondeu. –
Não consigo arranjar quem tenha estado sempre junto de mim na empresa. Houve
períodos em que estive sozinho, por bem mais do que meia hora, e não posso
provar que não saí de lá. Assim que me telefonaram, pelas cinco e meia vim
logo. Demorei pouco mais de 10 minutos. Quando cheguei subi à biblioteca.
Depois chamei a polícia. Quem
me telefonou? Foi o meu sobrinho. O
sobrinho, Cláudio, filho de uma irmã de Leonardo, falecida com o marido num
acidente de automóvel, acabara por ficar entregue aos cuidados dos dois tios,
Maurício e Leonardo, todos a morarem no velho palacete familiar que vinha
pertencendo à família desde pelo menos metade do século XVII. –
Saí antes das duas, cheguei perto das cinco e meia e encontrei a minha tia em
pânico, movendo-se de um lado para o outro sem saber o que fazer. Marco
Dias limpava o suor da testa naquele fim da longa tarde de um quente dia de
Junho, enquanto via o desfilar dos técnicos encarregados de examinarem o
local do crime. A
voz de Cláudio continuava. –
Ela estava muito agitada. Ainda antes de entrar na biblioteca vi pela porta
aberta o tio Leonardo caído numa poça de sangue. Não vi arma nenhuma, pelo
que não duvido que foi um crime. Motivo, não encontro, pois parece que nada
foi roubado. Problemas
aqui em casa? – uma pausa que se prolongou no tempo
– os meus tios estavam a meio caminho do divórcio, mas isso não é bem um
problema. É um facto normal e comum. Onde
estive? Na praia. Sem ninguém conhecido que me visse, ou que pelo menos eu
tenha visto. Marco
Dias tinha observado a biblioteca onde o corpo se encontrava. A única porta
aberta, janelas fechadas e nem sinal da arma. Um tiro no peito da vítima, com
aparência física de ter sido disparado a cerca de um metro de distância. Como
não havia cápsula, ou fora um revólver a arma disparada ou quem cometera o
crime levara-a. A
viúva, Donzília, antiga campeã regional de tiro, modalidade onde conhecera o
marido e o cunhado, também praticantes, falava com dificuldade. –
Entrei em casa pelas cinco e um quarto. Desde as três horas até depois das
cinco estive deitada na piscina, à sombra, nas traseiras da casa. Sabia que
iria ficar sozinha em casa quando o Leonardo saísse. Devo ter adormecido
algum tempo porque não ouvi nada. Nem sequer um tiro. A
uma pergunta de Marco respondeu. –
Claro que podia ter entrado alguém que fosse falar com o Leonardo, sem que eu
me apercebesse. Bastaria ele abrir-lhe a porta da frente. Quando
subi, fui à biblioteca pousar um livro que tinha levado para a piscina e logo
que abri a porta deparei-me com o Leonardo morto. Vim para fora sem saber
muito bem o que fazer. Devo ter entrado em choque. Foram
momentos terríveis. Felizmente chegou o Cláudio que telefonou ao meu cunhado,
e depois telefonaram à polícia. Marco
Dias regressou à biblioteca onde um técnico lhe deu uma primeira informação
sobre as impressões digitais encontradas. Havia vários conjuntos de
impressões, com exceção do puxador da porta, que deveria ter sido limpo pelo
assassino e que não possuía qualquer impressão. A comparação com as
impressões dos residentes seria feita posteriormente. Marco
mergulhou nas estantes repletas de livros e lá estava o volume indicado por
Donzília. Regressou
à sala onde Maurício, Donzília e Cláudio aguardavam. Armas
em casa? Existia, ou deveria existir, uma, legalizada, numa gaveta da
biblioteca, mas costumava estar descarregada. Uma
nova busca e verificaram que a arma desaparecera. Fora
gente da casa ou um estranho? O calor não facilitava o raciocínio, mas Marco
Dias lá ia alinhavando ideias sobre o caso, tentando ordenar uma resposta à
pergunta que fizera a si próprio. Pergunta-se: Perante
os dados fornecidos, o que é que Marco poderia ir pensando sobre a morte de
Leonardo? |
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© DANIEL FALCÃO |
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