Autor

Penedo Rachado

 

Data

6 de Maio de 2012

 

Secção

Policiário [1083]

 

Competição

Campeonato Nacional e Taça de Portugal – 2012

Prova nº 4 (Parte I)

 

Publicação

Público

 

 

MATARAM O TEJO!

Penedo Rachado

 

O pai do inspector Jau dá-se bem com toda a gente. Ninguém lhe conhece qualquer pendência. Contudo, possuía o velhinho um perdigueiro por quem tinha grande predilecção e, que lhe arranjava problemas e o fazia entrar em despesas.

O “Tejo”, assim se chamava o cão, escapava-se e ia “visitar” capoeiras da vizinhança, causando prejuízos que o dono tinha que pagar. Havia vizinhos que não se importavam de ser bem compensados pelos danos, o que a alguns até dava jeito, pois era forma de venderem a criação, havia quem não achasse graça às tropelias do Tejo e tivesse afirmado que um dia o matava.

Naquele sábado, como era hábito, o ti Jacinto, tal o nome do pai do inspector Jau, foi de manhã ao mercado semanal da vila próxima.

Ao voltar a casa, ao meio dia, deu com o Tejo agonizante, deitado junto da porta do quintal. Pela boca semiaberta, do animal escapava uma espuma de cor indefinida e mal cheirosa. Pressentindo o dono abanou a cauda e tentou levantar-se. Esforço inútil, acabou caindo morto. Alguém cumprira a ameaça.

Só a chegada do filho, na sua visita semanal, conseguiu animar o ti Jacinto.

O inspector Jau preocupou-se com o choque que o velho acabava de sofrer e decidiu tirar a coisa a limpo e perguntou ao pai se tinha algumas suspeitas. O ti Jacinto, na sua boa índole, disse que não, mas “apertado” pelo filho, lá foi adiantando haver três vizinhos que, por diversas vezes, tinham ameaçado de morte o Tejo.

De referir que, aqui, o conceito de “vizinho” não é o de imediata continuidade de habitação, aproximando-se do sentido com que tal palavra é geralmente usada nas zonas rurais, especialmente do Norte do país.

Jau exclamou:

– Ora vamos lá visitar esses três!

Pai e filho puseram-se a caminho: Os três suspeitos foram visitados e, para todos eles, a pergunta foi a mesma: Porque matou o cão do meu pai? As respostas foram diversas!

O João das Cabras, primeiro visitado, mostrou-se admirado e respondeu:

– Então eu ia lá matar o cão? É verdade, que várias vezes disse que o fazia, mas isso eram só palavras da boca para fora! Hoje fui ao mercado da vila e só voltei há aí uns cinco minutos. Olhe, ti Jacinto, eu até ia à sua frente e o senhor só me passou quando eu parei em Santa Quitéria, para apanhar o Quim Ferrador, que estava à minha espera. Depois fui atrás de si até à vila.

A segunda entrevista foi com o Zé da Quinta, que respondeu à pergunta de modo agressivo.

– O quê?…eu? Vocês não estão bons da bola! Eu passei, a manhã na tasca do Manuel dos Petiscos, bebendo uns copos e a jogar à sueca com uns amigos. Quando de lá saí faltavam dez minutos para o meio-dia, eu me lembro bem disso pois, quando vinha a sair reparei que era a hora que o relógio que o Manel tem por cima da porta marcava! Saí a correr para ir à Junta de Freguesia, mas já não cheguei a tempo… E também não ganhava nada em envenenar o cão. É certo que muitas vezes disse que o matava, mas do dizer ao fazer vai um caminho comprido…

O último dos três suspeitos a ser visitado foi o Joaquim Ferrador, que respondeu:

– Eu não matei cão nenhum! Quando é que isso foi? Olhem, hoje fui ao mercado com o João das Cabras, e só há pouco voltamos. Tinha combinado esperar por ele em Santa Quitéria, para irmos juntos, e quando o João parou para me levar, o ti Jacinto passou por nós, é bem capaz de nem ter dado por isso. Depois tivemos que ir atrás de si até ao mercado, a comer toda a fumarada que a sua “chocolateira” larga… está a precisar de levar aquilo à revisão, está sim senhor!

Acabadas as visitas, como no regresso a casa passavam pela taberna do Manel, Jau sugeriu que entrassem para se dessedentarem. Demoraram alguns minutos na conversa, comentando o filho que para volta tão grande se justificava que tivessem trazido o carro. Até que, num salto, olhando o relógio, o ti Jacinto exclamou:

– Raios! Temos que ir andando, com estas voltas já são dez para as duas e ainda temos que fazer o almoço!

O taberneiro, atalhou rápido:

– Não faça caso, senhor Jacinto, eu tenho aquele relógio sempre adiantado uns vinte minutos, que é por mor dos fregueses que acham sempre ser ainda cedo para fechar e há sempre tempo para mais um copo.

O inspector e o pai saíram da taberna e dez minutos depois estavam em casa! Jau disse:

– Bem, meu pai, quem matou o cão já eu sei, resta saber agora se quer que se proceda contra ele!

A resposta a esta pergunta nós não a ouvimos, mas gostaríamos de saber qual a conclusão a que o inspector chegou e qual o raciocínio que a esta conduziu.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO