Autor

Peter Pan

 

Data

22 de Setembro de 1977

 

Secção

Mistério... Policiário [132]

 

Competição

Torneio “Tertúlia Policiária do Palladium"

Problema nº 5

 

Publicação

Mundo de Aventuras [208]

 

 

LE PERROQUET

Peter Pan

 

Existia numa loja de animais, em certa cidade, um bicharoco peculiar, que inspirava nos pacíficos cidadãos uma popular simpatia… Quem passasse por essa loja, podia ouvir, na entrada, empoleirado no respectivo poleiro, o palrar de um engraçadíssimo papagaio. Não seria bem um palrar, pois esse papagaio era um autêntico saco ambulante da língua e expressões humanas. Lembro-me perfeitamente quando uma vez por lá passei… Nunca mais poderei esquecer! Encantado pelas traquinices do papagaio que, nesse momento, estava agarrado ao seu poiso, de cabeça para baixo, fazendo as mais diversas tropelias com ela, ora acenando-a, ora deixando-a baloiçar, estaquei no caminho do meu destino, mesmo em frente daquela pitoresca loja. Enfeitiçado por aquela magia de graça, não pude deixar de exclamar:

– Então, louro? Como vai a vidinha?...

Claro que não esperava resposta, mas para surpresa minha, o singular papagaio replicou, numa voz rouca, característica de papagaios falantes:

– Olá, pá! Estás bom?

Fiquei abismado com a clareza daquela voz. E não se quedou por ali. Depois de uma breve paragem, prosseguiu:

– Fascista! Fascista!...

Fiquei ligeiramente ofendido na minha dignidade, como se aquele «simpático» adjectivo me fosse dirigido. Apreciei deveras o papagaio, apesar de ser mal educado e muito pouco cavalheiresco… E por isso, penetrei naquele estabelecimento, na mira de poder «acheter» o ditoso papagaio. Fui atendido pelo atencioso dono da loja que logo me perguntou o que desejava. Não entrei directamente no assunto:

– Que belo papagaio ali tem!...

– Sim, na verdade o «Mac» é muito engraçado. É, como direi… um chamariz aos clientes.

Assenti, em sinal de concordância.

– Bom, eu também o acho muito engraçado e por isso o quero comprar… mas não sei se será possível…

Claro que me referia a estragar o «chamariz»

– Claro que pode levá-lo. Afinal, ele está à venda… e eu posso mandar buscar mais um destes animais ao meu fornecedor. É só questão do ale conseguir falar, mas nisso não há problema porque os papagaios que arranjo, são especiais. Quero dizer, que têm uma predisposição para falar. É estar apenas meia dúzia de dias naquele poleiro para ouvir as pessoas falar… Com o «Mac» foi assim…

– Então, posso levá-lo! – concluí, satisfeito com o desfecho.

– Decerto – atalhou o dono da loja.

Mas qual foi o meu desapontamento quando ouço um preço muito mais elevado do que eu esperava. Nessa altura, como não estava devidamente precavido… Pesaroso, pedi ao dono da loja que mo guardasse, que eu mais tarde o iria buscar. Saí dali ligeiramente cabisbaixo… Dei um relance de olhos para o papagaio que continuava exultantemente a chamar-me de «fascistas»… Realmente, um papagaio que possuía tais dotes artísticos, merecia o preço exigido. Afinal não seria nada… «Logo o viria buscar» – pensei, tranquilizando o meu subconsciente…

E assim tudo se preparava paro o ser. Só que foi um pouco mais tarde do que julgava. Apenas tive oportunidade dois dias depois…

Avançava decidido pela rua que dava acesso à dita loja de animais. Mas ao chegar ao estabelecimento, e para espanto meu, vejo a sua porta cerrada. Interroguei-me: «Então que é isto? Que eu saiba não é feriado…»

Ao espreitar pela vidraça, consegui vislumbrar que a loja tinha gente e mais gente… Bati… Passados momentos alguém atendeu. Mas essa personagem respondeu secamente:

– Não pode entrar ninguém!...

– O que aconteceu aqui? Porque é que não posso entrar?

O homem não respondeu. E preparava-se para me fechar a porta na cara, quando consigo distinguir alguém, mais propriamente, um amigo de longa data.

– François! Velho camarada! – exclamei eu, da greta da porta que aquele homem teimava em fechar.

O meu amigo, ouvindo a minha voz, olhou na direcção da entrada. Um clarão brilhante de alegria, iluminou-lhe o rosto.

– Michel! Grande malandro! – exclamou ele, entusiasmado com a minha súbita aparição. – Deixe-o entrar, sargento!

Irrompi então na loja e abracei efusivamente o meu velho amigo, a quem há muito não via.

– Então? Que tens feito?...inquiri.

– E tu? Pelos vistos continuas na mesma…

– Assim é! Mas tu também não mudaste…

E foi desta maneira que estivemos uns minutos, a dessedentar as nossas saudades… Soube então, através dessa breve conversa, que ele era agora o «inspector» local e que tinha sido chamado para resolver o crime daquela loja de animais.

– Nunca pensei que virasses «chui»… E então, quem é o morto?

O meu amigo apontou para o chão, onde se encontrava um corpo, tapado com um lençol, mas que tinha a cabeça ainda descoberta. Reconheci logo o dono da loja que dias antes me tinha atendido.

– Como é que foi isto? – indaguei, confundido.

– Foi encontrado morto pela mulher das limpezas. Chamaram-me. Parece que a vítima foi golpeada…

– Golpeado? Com quê?...

– Bem… ainda não se sabe ao certo. Aparenta ser uma arma pesada. Parece que a vítima foi golpeada…

– Realmente macabro, não há dúvida – comentei tristemente.

– Mas afinal, o que te trouxe aqui? – perguntou o meu amigo, mudando de assunto.

– Foi aquele papagaio danado que está ali – com o olhar, indiquei onde.

– Ah! Quere-lo comprar?

– Sim! Pelos vistos fala…. e muito bem.

– Este é que já não o venderá. Não venderá mais nada! – concluiu, apontando paro o cadáver.

Fomos interrompidos. Três personagens entravam no estabelecimento, conduzidos pelo sargento que tão renitentemente me impedira de entrar.

– Aqui estão os empregados da loja – anunciou o sargento ao inspector.

– Muito bem! – exclamou François. – Que entre um de cada vez, para ser interrogado. Os outros que fiquem à entrada da loja.

O meu amigo ouviu o primeiro suspeito, que como os outros dois, era empregado naquela loja de animais. Nessa altura, eram nove e meia e estes empregados só entravam às dez horas da manhã. Isso justificava o não estarem na loja às nove, que era a hora de abertura do estabelecimento. Depois de ouvir o primeiro possível implicado no crime, achou que este se podia retirar. Mas contanto que não se «retirasse» da cidade… Depois, foi a vez de ouvir o segundo suspeito. Estava no começo do interrogatório, quando eu, François, o sargento, o segundo homem interrogado e o terceiro suspeito que se encontrava à porta da loja, surpresos, ouvimos o papagaio exclamar na voz rouca que eu conhecia, o seguinte:

– Foi o que saiu o criminoso… Foi o que saiu o criminoso…

Todos nos virámos na direcção do papagaio e olhámos uns para os outros, atónitos com aquela súbita declaração. O primeiro a sair da letárgica surpresa inicial, foi o meu amigo François:

– Mas… querem ver que o papagaio foi testemunha do crime?... Vendo bem, tudo se deve ter passado aqui mesmo ao pé dele… É isso, é isso!... – exclamou vivamente. – Sargento – continuou ele –, vá já no encalço do homem que saiu há pouco.

O sargento saiu apressadamente.

– Parece que temos a solução de «cette affaire» – concluiu o meu amigo.

– Sim – disse eu, realmente também convencido, mas não pondo as mãos no fogo…

Pouco depois chegava o sargento, ofegante, como se tivesse acabado de correr dezenas de quilómetros.

– Então? – inquiriu François.

– Nada, senhor. Já não o encontrei. A esta hora está muita gente na rua…

– Ora bolas! – praguejou o «mon amie» desapontado. – Temos de o apanhar!

Eu, entretanto, resolvi ir-me embora. Já se fazia tarde e tinha outros assuntos a tratar. Despedi-me do meu amigo, prometendo voltar logo que pudesse, pois o caso interessava-me de sobremaneira. Ia a sair, quando me dirijo de novo ao louro nos termos em que o abordara da primeira vez:

– Então, louro? Como vai a vidinha?...

Desta vez, a expectativa alterou-se. Se da primeira vez não esperava resposta, esperava-a desta vez. Mas se o louro me respondeu da primeira vez, já desta o não fez. Estranhei… bastante, para quem era tão falador. Repeti de novo o meu dito. Moita! O raio do papagaio parecia ter emudecido. Esperei uns instantes, mas nada... Talvez o papagaio se tivesse cansado de falar pelos cotovelos... Fui-me embora daquelas paragens. Caminhava... Mas no fundo, ainda pensava no caso… De repente, em plena rua e para escândalo de outros transeuntes, berrei em altas vozes, num tom emocionalmente revolucionário e que era mais revelador do que a descoberta da pólvora ou de qualquer descoberta astronómica…

– Eureca!...

 

PERGUNTA-SE:

1 – Este «Eureca», com certeza, encaminha para a descoberta do criminoso: quem presume que seja?

2 – Cite os tópicos do seu porquê.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO