Autor Data 16 de Outubro de 1980 Secção Mistério... Policiário [286] Competição Torneio
“4 Estações 80” | Mini C – Verão Problema nº 7 Publicação Mundo de Aventuras [366] |
UM CASO PATERNO Pires Kid Oriundo
de uma humilde família, Mafú desde muito muito
jovem se interessou pelo policiário. Por essa carreira que o suave e sonhador
dilúculo da mocidade lhe ditara, ele sacrificou uma larga fatia do seu fulgor
juvenil, mas logrou alcançar, e em pleno, esse ideal; hoje é por todos conhecido
como um brilhante inspector! Casos e problemas
raramente não encontram solução ante o seu carácter sóbrio, perspícuo e
sagaz. Por
isso, quando hoje, dia 2 de Abril de 1979, o timbre penetrante do telefone se
fez audir intrépido pela sala, Mafú,
de moto-próprio, dirigiu-se para a sonorosa máquina. Para lhe auscultar a
mensagem, o inspector renegara a leitura do volume
branquejando seccionado num trago cônscio sobre o sofá intencionalmente
iluminado; indo esboçar tíbio e cinzento perfil no outro extremo da sala. Passados,
porém, alguns momentos, algo pareceu perturbar a serenidade incolor do
esboço. Ao sabor de que incógnita notícia, Mafú
parecia metamorfosear-se pateticamente. As feições ganharam de repente a
tónica primitivamente grotesca do sentimento de dor, ao mesmo tempo que o
corpo varava vacilante, como atingido por um choque cerebral, e o braço ia descendo,
empunhando o auscultador que o olhar iníquo metralhava com impotente brilho
lacrimoso. A
voz que com ele dialogava, a de seu tio João Figueiras, floreou de
verbosidade ambígua o assunto, mas não conseguindo evitar a violência da
revelação. Mafú foi apanhado de chofre, não
resistiu. As mãos crisparam-lhe fortemente o rosto apagando traços de
inigualável amargura. Aquela notícia esfaqueava-o, fazendo-lhe sangrar a
mente e redobrar a pulsação. Parecia-lhe um pesadelo seu pai ter morrido. Seu
pai, o último ente que lhe restava… Não! Seu pai não podia ter morrido.
Admitia que era de certa idade mas não acreditava que tivesse morrido. E para
mais suicidado, segundo lhe dissera seu tio, um competente enfermeiro. Quase
uma hora foi o tempo que Mafú demorou a chegar, de
táxi, até à pequena aldeia de Águas Boas. Dali e até à quinta de seu pai foi
a pé. Pelo
caminho, de cabeça sorumbaticamente baixa, ia olhando as lagoas da velha
estrada, único acesso à quinta, que lhe reflectiam
uma imagem destorcida mas nitidamente desolada. O
astro-rei acobardara-se, timidamente encoberto pelas nuvens pouco densas de
Oriente, cromatizando de fino arrebol a manhã que ameaçava eternizar-se. A
sua claridade, derramando-se pela vastidão da planura virente e orvalhada não
passava todavia de um simples alento, mas um alento rejeitado por Mafú. Somente
alguns passos o separavam da devesa que o viu nascer, e sonhadoramente
abandonara, e contudo não lhe apetecia continuar a caminhada. O
vento, de mistura com algumas tresmalhadas gotas de água empurrava-lhe na
retaguarda o guarda-chuva qual mensageiro da Natureza encarregado de lhe
guiar o carácter pusilânime. Finalmente
o inspector penetrou em casa, cenário silente, a
cuja porta jazia enlameado o carro do enfermeiro João Figueiredo. Dispersas
pelo corredor ou amontoadas lá no extremo oposto, espectrais figuras
cumprimentavam com pesar e deferência Mafú, que
extremamente pálido avançava para o quarto de seu pai. João
Figueiras e Joaquim Fragoso, seus tios, vieram recebê-lo e conduzi-lo ao
local onde estava o cadáver. Este, prostrado no soalho segurava uma pistola
na dextra; pistola que lhe alojara na fronte uma bala e onde agora era
visível, um tanto à esquerda, um profundo mas irregular orifício. O
inspector esquadrinhou de olhos semicerrados e
lábios trementes todo o apartamento, fazendo esforço para suster as lágrimas.
Depois instigou com o olhar a loquacidade de seus tios. João Figueiras,
um homem bem colocado na vida e dotado de uma personalidade douta de aldeia,
referiu logo que suspendeu o depenar da barba e iniciou uma gesticulação
inútil: «Fora por acaso que viera a casa do cunhado. Fazia já algum tempo que
tencionara falar-lhe… conversa de família! Hoje tinha oportunidade de o fazer
porque não trabalhava, e logo pela manhã pegou no carro e veio. Contudo
estranhou não o encontrar mexendo por ali, e depois de chamar, uma vez que
chovia, tentou entrar em casa. Para seu espanto a porta encontrava-se no
trinco! Procurou e foi inevitavelmente encontrá-lo assim, suicidado. Sem
tocar em nada meteu-se no carro e disparou para Águas Boas. Ali deu a notícia
em casa de Joaquim Fragoso, e foi para Vila Rainha. Telefonou ao senhor Mafú, deu a notícia também, e depois quando voltou trouxe
consigo alguns parentes do morto. Em virtude disso ainda não havia regressado
há 5 minutos, pois demorara mais de uma hora». Joaquim Fragoso,
irmão da vítima, era o perfil de um campónio. Com gestos timoratos,
infielmente plagiados do anterior declarante, disse que:
«Só soube da morte quando o João lhe passou em casa a dizer. Como o Figueiras
ia ainda a Vila Rainha, resolveu vir logo para aqui. Nessa altura chovia,
molhara-se – assim o patenteavam as calças à frente, abaixo dos joelhos – mas
achava que devia vir para receber quem já sabedor da notícia ali ocorresse.
De facto juntara-se muito povo e não se devia deixá-lo penetrar no quarto…». Ouvindo
isto, Mafú foi-se aproximando do corpo. Pela
primeira vez, desde que recebeu a notícia, Mafú
falou, uma voz sussurrante, exprimindo toda a sua constrição, para solicitar
que o deixassem só no quarto. Mal
seus tios saíram deixou que as lágrimas de há muito lhe inundassem
silenciosamente a face, procurou o olhar sem brilho
do cadáver e pareceu titubear algo. Ele
sabia que não fora suicídio e já desconfiava de alguém. Quando ganhasse ânimo
tomaria todas as providências, para que aquele crime o não transformasse num
espantalho inútil à justiça. PERGUNTA-SE:
1
– Como soube o inspector que não fora suicídio? 2
– Tratando-se portanto de crime, onde estão e quais os factos que o levaram a
suspeitar. |
|
© DANIEL FALCÃO |
||
|
|