Autor Data 12 de Outubro de 2014 Secção Policiário [1210] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2014 Prova nº 9 (Parte I) Publicação Público |
AS ÁRVORES DAS PATACAS Ponto PT Há
muitos, muitos anos, referia a memória de ouvir contar histórias de arrepiar,
também de grande mistério, de viagens enormes, durando meses, por barco, rumo
à terra das chamadas “árvores das patacas”. Nesses
tempos, a miséria empurrava para o mar e era lá num longínquo fim do mundo
que ficava a riqueza para alguns, claro está, e mais miséria para muitos
outros. Para
os primeiros, mais tarde ou mais cedo, era tempo de regresso às origens,
ostentando o sucesso. Para
os segundos, era uma viagem sem regresso, muitas vezes fazendo-se “perdidos”
e nunca achados, porque acrescentar miséria à miséria não era opção, numa
altura em que eram apontados casos de riqueza extrema e sucesso miraculoso,
sem se procurar saber a que preço… Outros
tempos… Mais
tarde houve a paga, o sentido inverso com milhares a desembarcarem em busca
de melhor vida e trabalho, numa época de melhores comunicações e em que o
“desaparecimento” já era mais complicado e difícil. Houve histórias de
sucesso e de completo insucesso, mas já com mecanismos de apoio para quem
queria regressar à sua terra de origem. Não havia “árvores das patacas”, mas
havia trabalho e havendo trabalho, havia dinheiro, e havendo algum dinheiro,
mesmo que não fosse muito, como era para viver numa terra onde pouco havia,
muito parecia… E
os movimentos passaram a ser em ambos os sentidos. Uns iam, outros vinham, em
fluxos diferentes, pois então, que os ciclos também se diferenciavam. Péricles
Anacleto era um desses viajantes, que tinha como objectivo
fazer fortuna, pelo que, dando corpo ao ditado “ano novo, vida nova”, partiu
logo depois das Festas, também com a missão de cumprir três sonhos que não
eram seus, mas que assumiu no leito da morte de alguém que muito amava e
respeitava. O
primeiro era uma espécie de romagem que estava obrigado a fazer a Viseu, uma
cidade que, ao que parecia, representava muito nas origens ou nos destinos
dessa pessoa; o segundo era outra viagem, outra busca de memórias ou de
rumos, em Santarém, certamente um lugar querido para quem não conseguiu
completar todo o caminho; o terceiro e derradeiro desafio, era certamente um
dever ditado por coração moribundo e traçava Belém como destino final. Não
precisava de percorrer os caminhos tenebrosos que outros percorreram, não
precisava de andar dias e dias em alto mar, desafiando intempéries, em navios
mal equipados, sem condições de segurança ou comodidades. A promessa era só
de ir a esses lugares, nada mais, olhando pelos seus olhos as paisagens que
os outros olhos já não poderiam ver. Os aviões cobririam as maiores
distâncias muito rapidamente, os hotéis dariam as comodidades necessárias e
suficientes e toda a promessa ficaria facilmente cumprida. E
assim aconteceu! Bem,
aconteceu alguma coisa, mas não o que Anacleto previu que acontecesse! É
que, tal como depois contou, uma vez chegado ao aeroporto procurou um táxi
que o levasse ao hotel que reservara, mas houve contratempos, o taxista era,
afinal, um criminoso que roubara a viatura e que acabou por sequestrar o
nosso Péricles, exigindo muito dinheiro pelo resgate. O
Péricles desapareceu literalmente e nem a polícia nem os familiares,
alertados pelo hotel da não chegada ao seu destino, conseguiram encontrar
justificação para o desaparecimento. Só
quando chegou o pedido de resgate ficaram a saber do sequestro, mas já era
tarde! O Anacleto conseguira fugir ao seu carcereiro e chegou à polícia quase
ao mesmo tempo da chegada do pedido à família! Contou
que esteve prisioneiro numa barraca sem condições, que passou fome, mas que
acabou por conseguir fugir num momento de menor vigilância e escapara de ser
apanhado por ter conseguido esconder-se durante horas na folhagem de uma
frondosa figueira que, embora tivesse o tronco do outro lado da vedação,
deitava a copa para o jardim onde estava sequestrado. Contou que, bem
dissimulado, assistiu ao desespero do falso taxista, à sua procura, mas que
este nunca suspeitou onde ele estava escondido. Quando
ele se pôs em fuga, desceu da árvore e procurou ajuda. A
coragem do Péricles não foi assim tanta, porque logo apanhou um avião de
volta a casa, deixando por cumprir a promessa feita e nem sequer equacionou
regressar quando foi avisado que o sequestrador foi apanhado pela polícia e
confessou tudo. Houve
quem acreditasse na sua história e houve quem o chamasse mentiroso. E
o leitor? Diga-nos
o que pensa deste caso e não se esqueça de justificar todas as suas opções. |
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© DANIEL FALCÃO |
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