Autor Data 5 de Julho de 2015 Secção Policiário [1248] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2015 Prova nº 6 (Parte I) Publicação Público |
ACONTECEU NA NOITE DE S. JOÃO Quaresma, Decifrador A
noite estava a decorrer dentro da normalidade, com muitas marteladas e muito
alho-porro, não fazendo prever o que me iria acontecer passados poucos
minutos. Lá ia eu, deambulando por entre a multidão que naquela noite se
divertia na ribeirinha da cidade invicta, quando se aproxima de mim uma bela
jovem ruiva. Os seus olhos focaram-se nos meus, fazendo-me sentir uma leve
tontura, e quando já estava suficientemente próxima, desferiu uma martelada
que me obrigou a cerrar os olhos. Quando
os voltei a abrir, tudo estava diferente. Já não me encontrava na rua. Em vez
disso, estava sentado a uma mesa no interior de um café. Um local estranho,
rodeado de pessoas estranhas. Quando olhei para o exterior, pela porta
aberta, vi algumas pessoas, poucas, de martelo na mão, a desferir os golpes
habituais da noite de S. João. “Não
sei onde estou, mas continua a ser a noite de S. João” – lembro-me de ter
pensado. Numa
mesa ao lado, dois jovens debatiam um tema que os afligia. Falavam de um
conflito que tinha deflagrado em Angola, meses antes, produzindo uma imediata
resposta do estado português. Pelo que entendi, parecia que um grupo para a
libertação de Angola tinha atacado as forças portuguesas lá estacionadas e os
jovens temiam ser mobilizados para participar nesse conflito. Surpreendido
com o que acabara de escutar, dei por mim a olhar na direção de uma parede
onde estava pendurado um calendário. Quando
olhei com mais atenção, exclamei: “Não pode ser! Como vim aqui parar?” Enquanto
procurava observar as circunstâncias que me envolviam, apercebi-me que um
outro debate aceso decorria numa mesa mais afastada entre quatro homens que
pareciam já ter entornado uns copos de um bom vinho de uma casta duriense. “Achas
tu que há alguma dúvida?” – perguntava um deles.
“Claro que o padroeiro da cidade é o S. João…“ “Só
mesmo tu para acreditares nisso. Pois digo-te que, por muito estranho que
possa parecer, a nossa cidade do Porto partilha o mesmo padroeiro da cidade
de Lisboa…” – disse um outro – “… S. Vicente!” Enquanto
os dois homens que falaram, argumentavam e contra-argumentavam, os outros
dois sorriam entre eles, até que um interveio. “Sabem
o que vos digo? O padroeiro da cidade do Porto é S. Pantaleão.” “S.
Pantaleão?” – perguntaram em uníssono os dois homens
que tinham falado anteriormente. “E quem é esse?” “S.
Pantaleão foi um cristão martirizado pelos turcos aquando da invasão da
Arménia no século XV. Pelo que me foi contado, o corpo de S. Pantaleão foi
trazido para a cidade do Porto por um grupo de cristãos que fugiu depois da
invasão e foi enterrado junto à Sé Catedral onde se encontra até hoje.
Acontece que no ano em que trouxeram o corpo quase toda a cidade do Porto foi
afetada por uma peste terrível, exceto as pessoas que residiam na proximidade
da catedral, onde ele estava enterrado. Imediatamente atribuíram isso a um
milagre de S. Pantaleão e ele passou a ser o padroeiro da cidade” – explicou
o terceiro homem. “E
tu não dizes nada?” – perguntaram ao quarto homem. “Não
sei se deva dizer alguma coisa ou se não será melhor estar calado” –
respondeu. “Mas,
pensando melhor, talvez valha apenas dizer-vos, para vossa informação, que o
Porto tem uma padroeira há quase um milénio, embora tenha sido entronizada
apenas em 1954, por D. António Ferreira Gomes…” Precisamente
no momento em que estava completamente absorto nesta conversa, senti uma dor
imensa na cabeça, que me obrigou a agarrá-la com as duas mãos e cerrar os
olhos. Desta
vez, já não fiquei tão surpreendido quando os voltei a abrir. Pelo contrário,
tinha à minha frente uma jovem ruiva, assustada. “O
senhor sente-se bem?” – perguntou-me ela. Ao
mesmo tempo que me sentia preocupado pelo que me acontecera, também estava
curioso pelo final daquela conversa. Embora tivesse noção que algumas das
coisas que eu vivenciara nesta estranha “viagem” não batiam certo, também
gostava de ter escutado o quarto homem, pois parecia que algumas delas iam
ser esclarecidas. Será
que o leitor pode esclarecer tudo aquilo que não bate certo? |
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© DANIEL FALCÃO |
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