Autor

Raul Ribeiro

 

Data

13 de Dezembro de 1979

 

Secção

Mistério... Policiário [247]

 

Competição

Torneio “Detective Misterioso"

Problema nº 17

 

Publicação

Mundo de Aventuras [323]

 

 

ISTO AINDA ACABA MAL!

Raul Ribeiro

 

Fiquei bastante surpreendido com o convite do Durandal. Dias antes, tinha ele estado em minha casa, acompanhado por um amigo comum, para trocarmos revistas de banda desenhada, troca que se revelou bastante proveitosa para todos os trocadores…

No dia seguinte a ter estado com eles, lera num jornal, que tinha sido comprado por um conhecido advogado de Torres Vedras, o famoso diamante branco-leite «Vac-I-Dor», que pertencera ao ex-potentado colonial Jorge do Quental Calheiros, diamante esse, que fora ainda recentemente, avaliado em bastante dinheiro.

Contavam-se desse diamante histórias fantásticas! Tinha sido encontrado nas ruínas de uma cidade antiquíssima, que se terá situado no norte de Moçambique, ruínas essas testemunho concreto de uma civilização nativa historicamente indesmentível. O trágico, é que a ambição humana, sacrificara já mais do que uma vida por causa da posse do belo e estranho «Vac-I-Dor».

Ainda com o lacónico convite na mão, preparei um «gin-tonic», com muito mais «gin» do que tónica, e fiquei a magicar de que tipo de reunião amigável se trataria, pois o convite não especificava. Só se informava que em tal dia, às tantas horas, um grupo de amigos se reuniria em casa do autor do convite, e a pretexto de se conversar sobre diversos assuntos, se beberiam uns copos e se mostrariam umas coisas.

Informava também que o «Sete de Espadas» estaria presente.

«Sejam quais forem os assuntos – pensei – devem andar à volta da banda desenhada e do policiário. Vou, portanto!»

A verdade é que também não preciso de grandes justificações para comer uns petiscos e beber uns copos. Toda a gente sabe isso…

Saboreei o resto do «gin-tonic», agora a saber muito mais a limão, já que fora esmagando a rodela e disse em voz alta «Sim! Definitivamente!», o que fez com que minha cara metade olhasse estranhamente para mim, pensando certamente lá para com ela, que o policiarismo já me fazia andar a falar sozinho…

Assim, no dia marcado, apanhei na estação do Cacém um comboio que nos deveria deixar em Torres Vedras uns vinte minutos antes da hora marcada. Eu tinha confirmado e agradecido o convite e informei também que a minha esposa me acompanharia, uma vez que o convite lhe era extensivo.

Por qualquer razão «inexplicável» o comboio atrasou cerca de trinta e cinco minutos. Mas mesmo assim, lá estava o «Mercedes» do anfitrião à nossa espera.

Os cumprimentos da praxe… Os pedidos de desculpa pelo atraso… O quem é que está?... O porquê…

O habitual, nestes casos.

Chegados a casa do Durandal, fomos conduzidos à biblioteca, onde se nos deparou, numa sala forrada de livros, um grupo de alguns conhecidos solucionistas e amigos da zona de Lisboa e não só.

Os abraços!... Os dichotes!... As piadas!...

Enfim, os mimos do costume!

Passados que fomos à sala do «banquete» depara-se-nos uma comprida mesa completamente coberta de iguarias e bebidas, que, dado o crise que atravessamos me dispenso de enumerar, pois poderia ser considerado uma descrição altamente chocante e também porque certamente iria provocar muita água em muita boca por esse país fora.

Depois de distribuídos pela mesa, os convivas ficaram assim ordenados:

1 – Durandal; 2 – Raul Ribeiro; 3 – Leonilde; 4 – Vítor Hugo; 5 – Alva; 6 – Detective Invisível; 7 – Pal; 8 – Detective Misterioso; 9 – L.P.; 10 – Sete de Espadas; 11 – Mabuse; 12 – Esposa do Mabuse; 13 – Zé; 14 – Esposa do Zé; 15 –Ubro Hmet; 16 – Big-Ben; 17 – O Gráfico; 18 – Constantino.

Todos comemos bem! Alguns beberam melhor!...

Foi-se falando sobre literatura policiária, sobre classificações, sobre água benta do santo «Sete» e sobre torneios. Foi levemente aflorado pelo Big-Ben o célebre «Interregno»… Falou-se mais ainda sobre banda desenhada, sobre revistas antigas, o Durandal tornou a oferecer-me dinheiro pelo «Diabrete» N.o 18, eu tornei a pedir-lhe o «Quadradinhos» N.o 1 (não há alguém que nos satisfaça aos dois?)… O Constantino falou sobre «técnica policiária» com uma clareza espantosa, e vários de nós, entre duas dentadas, ou no meio de um copo, fomos tentando, com perguntas, aprofundar os nossos conhecimentos.

Passados que foram mais uns momentos, chegou a altura do café e prontamente as chávenas foram sendo colocadas à frente de cada conviva. O Gráfico, metendo a mão no bolso, começou a mascar uma pastilha elástica. Do outro lado da mesa, o Sete, o Mabuse, o Invisível, o L.P. e o Zé iam-se servindo de uma garrafa de «Antíqua», que não se sabe donde aparecera.

É claro que fui até eles…

Quando entraram as grandes e fumegantes cafeteiras de café, Durandal, acendendo um cachimbo, saiu da salo para voltar logo após, com uma caixa de veludo vermelho bordada a ouro. Em seguida pediu um pouco de silêncio e dentro em pouco todos estavam nos seus lugares e só se ouvia o barulho de algumas colheres a agitar o café para dissolver o açúcar. Por mim, bebi-o com pouco açúcar pois não gosto do café muito doce. Estava delicioso.

Durandal começou então por nos dizer que era realmente verdade o que alguns de nós tínhamos lido na imprensa acerca do famoso diamante «Vac-i-Dor» (aqui, Durandal pigarreou e O Gráfico, disfarçadamente, meteu mais duas pastilhas elásticas na boca…) e, já agora, aproveitava aquela amigável reunião para nos mostrar a jóia.

E, ao abrir o estojo, inspirou uma aromática fumaça, ao mesmo tempo que o seu rosto adquiria uma expressão indefinida e enigmática.

O diamante era na verdade uma obra-prima. Lapidado numa vaga forma de coração, emitia uns reflexos azulados, que davam à sua tonalidade leitosa uma beleza extraordinária. A jóia foi passando de mão em mão, pela mesa fora até chegar às mãos do Sete, que depois de emitir algumas exclamações de admiração a depositou de novo no estojo que acompanhara a jóia.

Entretanto, o Mabuse indagara por sinais onde era a casa de banho e o Durandal, depois de lhe dizer que era a 2.a porta à esquerda, solicitou que de caminho lhe levasse o diamante, pois tinha outra coisa para mostrar.

Enquanto o Mabuse se encaminhava para a cabeceira da mesa, todos os olhos convergiam para Durandal à espera da nova «maravilha». E, ao mesmo tempo que Mabuse depositava o diamante à frente de Durandal, este tirava de uma pequena pasta um volume com uma encadernação luxuosíssima que de pronto me passou. O Mabuse saiu rapidamente da sala para ir à casa de banho e eu admirei aquela raridade, olhando ainda de esguelha para o famoso diamante.

Era realmente uma «raridade» de fazer inveja a qualquer coleccionador de banda desenhada. Tratava-se da revista «O Gafanhoto». Folheei-o com cuidado, e, de repente, a luz foi-se abaixo. Após as exclamações que é vulgar terem-se em casos destes, o Durandal aconselhou a que esperássemos um pouco a ver se a luz reaparecia e uns 15 segundos depois, em que só o arrastar de algumas cadeiras cortara o silêncio, a luz fez a sua reaparição.

Mas, uma desagradável surpresa nos esperava: o diamante tinha desaparecido!

Pouco depois, ante o espanto geral, Mabuse fazia a sua entrada na sala massajando uma canela e praguejando entre dentes contra a C. R. G. E. lá do sítio. Ficou banzado com a história. Primeiro, todos pensámos que fosse uma partidinha de um de nós e que de pronto apresentaria o diamante, mas passados já muitos minutos íamos ficando cada vez mais nervosos.

O Gráfico então, estava vermelhíssimo e já não mascava a pegajosa pastilha elástica.

Começou em seguida uma minuciosa busca, primeiro, nas pessoas, e depois, no mobiliário.

Em vão! Eu aproveitei o resto do café que estava mais perto de mim e, com o nervoso, eu, que não gosto de açúcar, verti na chávena um pacote inteiro. O Durandal perguntava-me se eu não preferia café quente, mas disse-lhe que gostava do café frio e bebi-o rapidamente, até porque me soube a salgado. Pensei que fosse por estar frio e disfarçando uma careta pousei a chávena.

Entretanto, o Constantino e o Sete, que posteriormente se lhe juntara na condução das operações de busca, confessaram não poder fazer mais nada, pois cada centímetro de sala tinha sido rebuscado. A única coisa que tinha sido encontrada era uma bola irregular de pastilha elástica, debaixo da mesa, que o Constantino, com uma pontinha de irritação pousara na mesa em frente de O Gráfico.

Engolir o diamante era improvável pois era grande de mais para isso. Nos bolsos ninguém o meteria pois isso não resistiria a uma simples apalpadela que em seguida se fez.

Falou-se em chamar a Polícia.

Mabuse comentava satisfeito que ele era o único insuspeito, pois se encontrava fora da sala na altura do roubo. Nem assim se safou de ser revistado…

As senhoras presentes visivelmente nervosas conversavam a um canto e o Zé limpava os óculos pela 4.a ou 5.a vez.

Eu, verti na minha chávena outro café, desta vez doutra cafeteira, que mesmo frio, com meio pacote de açúcar me soube muito bem, pois não estava salgado como o anterior. Foi então que, mentalmente associei uma série de coisas e compreendi outras.

Solenemente o Durandal declarou que não iria chamar a Polícia porque tudo aquilo fora uma brincadeira. Não havia problema! O diamante, segundo ele, estava em segurança.

Começaram então as perguntas. Toda a gente queria saber o como, já que o quando se sabia e o porquê se soube…

O nosso anfitrião deixou-nos falar a todos e quando nos apanhou mais calmos disse que retomássemos os nossos lugares na mesa e que decifrássemos então o problema policial que ele nos propusera: queria portanto que fosse feito um pormenorizado relatório que explicasse:

a) Quem fizera desaparecer o diamante.

b) Como desaparecera o diamante.

c) Onde estava afinal o diamante.

d) Tudo inserido numa narrativa explicativa dos factos que se terão passado quando a luz se apagou.

Eu sorri, pensei que a minha associação de ideias estava correcta, pisquei com ironia o olho ao Mabuse, e elaborei a minha solução enquanto O Gráfico, sorridente e confiante, ia fazendo balões com outra pastilha elástica.

A minha solução foi a seguinte…

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO