Autor

Ric Hochet

 

Data

20 de Junho de 1986

 

Secção

Detective [6]

 

Competição

1ª Supertaça Policiária - Cidade de Almada

Problema nº 3

 

Publicação

Jornal de Almada

 

 

CRIME NO HOTEL

Ric Hochet

 

Prólogo

Conheço o Inspector Rick há já alguns anos. Um destes dias estava ele arrumando o sótão da sua casa, quando deparou com um baú cheio de papelada: eram os vários casos que ao longo dos anos Rick tinha solucionado. Pedi-lhe que mos deixasse utilizar, ele bem sabia para quê, ao que livremente acedeu. É assim que surge este primeiro caso do Inspector Rick. Toda a roupagem é de minha autoria, não os factos…

 

23 de Julho de 1944, Hotel

Rick encontrava-se há algumas semanas em perseguição dum suspeito espião duplo e a última pista tinha-o conduzido àquele hotel. A guerra encontrava-se a cada esquina e naquele local, mais precisamente naquele andar, Rick tinha a certeza que ela era vívida mais intensamente do que os residentes davam a entender. Chegara havia dois dias e tinha a certeza de ir encontrar dois amigos seus: Alexei Porterov, e Jack Hochetsky. Ambos estavam no mesmo andar que ele.

Eram cerca de 16 horas quando Rick saiu do seu quarto, situado numa das pontas do U que o corredor, onde estavam dispostos os 9 quartos descrevia. À sua direita entrava, pela janela, o ambiente ruidoso da cidade. Pensou em entrar na sala de estar, pela porta que se encontrava em frente à do seu quarto, mas desistiu, preferindo dirigir-se ao quarto 408, onde se encontrava o crítico de arte. Quando passava pelo último quarto do corredor onde se encontrava o seu, sai-lhe ao encontro Sam Sardine:

– Bera tarde, amigo cineasta! – cumprimenta Rick .

– Boa tarde, mas o senhor esta enganado… Eu não sou o cineasta…

 – Ah, bom! Mas gosta de ir ao cinema… – exclama o Inspector.

– Também não, esse é o do 408… – riposta Sam Sardine. – … Mas desculpe-me, estou com muita pressa! – despediu-se ele dirigindo-se pela escadaria em frente, enquanto Rick virava à direita. Mesmo em frente ao elevador, no meio daquele corredor, encontrava-se o quarto de Alexei Porterov. Rick bateu, mas não se ouvia nenhum rumor vindo do quarto.

– «Será que já se foi embora como o do 402?» – pensou o Inspector com os seus botões. Voltou a bater mas ninguém respondeu. Como os dois se conheciam, pensou que estivesse no quarto de Jack. Dirigiu-se, então, virando à direita, ao corredor oposto ao do seu quarto. No primeiro deste, o 406, ouvia-se nitidamente o «Singin’ in the rain» na rádio. «O do 401 bem tinha razão. O cineasta não é ele!» – lembrou-se Rick ao ouvir aquela melodia, enquanto se dirigia ao fundo do corredor onde o terceiro quarto, do lado de «fora» do corredor como todos os outros daquele andar, era o de Jack. Bateu e passados uns momentos, recebeu ordem para entrar, depois de se anunciar.

– Como estás? – cumprimentou Rick – por acaso sabes onde se encontra Porterov?

– Não!... – disse Jack não tirando os olhos do que estava fazendo.  Espera… há pouco fui à casa de banho e, quando saía, vi o Porterov a sair do quarto em frente, o 405, onde está o amante do xadrez…

– Pois, o Carlo Perlico… – interrompeu o Inspector.

– Lá estás tu com as confusões, esse é o do 407 – exclamou Jack irritado por lhe interromperem o trabalho – ….e agora vai-te embora que estou com uma «bomba» entre mãos!

– Espera aí! O que é que fazes com esses dicionários todos? Mais brincadeiras de Criptografia, não? – observou Rick, aludindo ao passatempo preferido de Jack.

– Vai-te embora. Logo te canto. É mais importante do que pensas!

Rick dirigiu-se ao seu quarto. Em vez de dar a volta toda, atravessou a sala de estar que ligava as duas pontas do corredor. Ao fazê-lo encontrou na varanda, que acompanhava todo o comprimento da sala de estar, Alexei e Sam, que entretanto voltara. O primeiro dissertava sobre a última exposição de arte a que fora, enquanto o segundo seguia as suas palavras interessadamente.

– Ainda bem que o encontro, preciso de falar consigo. – exclamou Rick.

– Bem, despeço-me, que tenho muito que fazer. – virou-se Sam para Porterov.

– Espero encontrá-lo, depois de amanhã na exposição. Apraz-me muito saber que é um aficcionado pela pintura – declarou Alexei entusiasmado.

– Sempre que a minha profissão o permita, já sabe que não falho uma. Boa tarde. – despediu-se Sam dos dois.

– Diga, meu caro amigo. – dirigiu-se Alexei a Rick.

– Gostaria que isto ficasse entre nós, mas por acaso não sabe o que é que François Villeneuve faz na vida?

– Se eu lhe dissesse ficava a saber tanto como eu – respondeu Alexei – posso-lhe, no entanto, adiantar que não é locutor de rádio – disse ele sorrindo.

– Obrigado, mas esse conheço eu muito bem. – disse Rick, contrafeito, por ele se estar referindo ao seu amigo.

– Não quer vir beber um copo lá abaixo? – convidou Rick, mudando de assunto.

– Pode ser, ajuda  a passar a tarde!

Após o bourbon passaram à vodka. Ao fim de algum tempo Porterov mostrava-se mais «cooperante». Assim Rick conseguiu «sacar-lhe» que o escritor policial que não estava no 409 porque, tal como o 402, estava vago, não era Carlo; que Michael Brandnew estava no 405 e que Sam não era o médico.

Por volta das 19.30 Rick separou-se do seu amigo e de Carlo Perlico que entretanto chegara, indo para o seu quarto. Saiu do elevador, passou pelo 409 e, ao virar, no corredor, à esquerda ouviu um matraquear de máquina de escrever no 401. Depois de passar à casa de banho, simétrica à da do outro corredor, chegou ao seu quarto, o último desse corredor. Entrou, encheu o lavatório e mergulhou a cabeça para «limpar» o enevoado alcoólico que lhe enchia o cérebro. Já com os pensamentos mais claros, tirou o seu livrinho de apontamentos e começou a associar pormenores. Ele sabia perfeitamente que, por trás das profissões respeitáveis de cada um, surgiria o verdadeiro impostor. Era deixá-los falar…

Jantou por aí, foi ao cinema e voltou ao seu quarto por volta das 0.30. Mas os acontecimentos viriam a precipitar-se quando, por volta das 2.30, bateram à porta de Rick.

– Abra a porta, depressa! – sussurrava Michael.

– Ah, é você? – disse o Inspector estremunhado ao abrir a porta – que deseja?

– Venha comigo, rápido! – Michael mostrava uma ansiedade mal disfarçada. – O seu amigo Jack está morto!!

 

A porta do 404 encontrava-se aberta. Aparentemente parecia suicídio. O corpo de costas para cima, jazia ao lado da secretária. A bata entrara pelo parietal esquerdo e alojara-se no cérebro. Rick debruçou-se sobre ele e apalpou-lhe o pulso onde o relógio, agora partido, de Jack marcava 6.45. O coração já não batia e o corpo estava frio. Ao mover a cabeça para observar melhor a ferida, que apresentava os bordos chamuscados, notou um alto na nuca de Jack. Começou a revistar-lhe os bolsos tendo o cuidado de não desviar os braços da posição em que se encontravam, pois junto à mão direita encontrava-te a pistola que possivelmente o vitimara. Para além da carteira, que se encontrava no lugar, embora vazia, o Inspector só encontrou um pequeno papel, no bolso direito do casaco que tinha o seguinte: «Francis Torre pequena». Rick concentrou, então, a sua atenção na secretária, enquanto o escritor policial andava de gatas à procura de qualquer coisa que não encontrou. O jantar, que não tinha sido tocado, encontrava-se numa bandeja, sobre a secretária, debaixo da qual Rick encontrou um papel com os seguintes caracteres: NQIBX OIOBV OPLAU QPJBJ RQQAY JJKKAW QOQAO PRRBL RNBJ QJNAZ RRRAL RKJAR QIJAX». Ao lado, um envelope com o nome do Inspector no endereço. Dobrou e guardou o papel, enquanto observava os dicionários e os vários livros policiais de Dashiell Hammett. Erle Stanley Gardner e Ellery Queen, espalhados pela secretária.

 – Está a pensar o mesmo que eu? – disse Rick virando-se para Michael que estivera observar o inspector.

– Acho que sim! Mas o melhor será avisar a gerência do Hotel, não acha? – respondeu Michael Brandnew ligando o telefone daquele quarto.

 

O Inspector Rick assistiu aos interrogatórios levados a cabo pela Polícia, graças aos seus conhecimentos no seio daquela. Depois de ter relatado o que acontecera foi a vez de Michael, que declarou que estivera desde o almoço até cerca das 15.30. com Porterov a jogar uma partida. Depois, esteve a ler um pouco até que às 18.30, como sempre fazia desde que estava no hotel, saiu para comprar o jornal e jantar qualquer coisa. Voltou ao seu quarto por volta das 21.30, altura em que recomeçou a leitura de «Antes do Acontecimento» de Anthony Berkeley. Cerca das 2.30 foi entregar o livro que Jack lhe emprestara. A porta estava só no trinco e foi encontrar o corpo de Jack no chão. Verificou que ele estava morto e foi de imediato avisar o Inspector Rick. Só se cruzou com o empregado que levava urna bandeja, e lembra-se da música estar em altos berros no 406 estando a tocar «You were meant for me». Em seguida foi a vez de Carlo que declarou ter estado toda a tarde e noite a recolher elementos sobre deuses fenícios, como Adon, por exemplo, através duns livros que requisitara de manhã numa biblioteca da cidade. Tentara aconselhar-se na véspera com François, por saber que este tinha a História como passatempo, mas este não pareceu perceber nada do assunto preferido: a Mitologia. Foi por causa dele que Carlo abandonou o quarto por volta das 18.30, por não se poder concentrar com o barulho do rádio que vinha do seu quarto. Desceu e encontrou-se com Porterov e o Inspector Rick no bar, ficando com o primeiro para jantar no restaurante do hotel, quando o Inspector os abandonou. Em seguida separaram-se quando chegaram ao andar onde estavam os seus aposentos. Carlo voltou para os Deuses, enquanto que Porterov começou a fazer uma compilação dos óscares de Hollywood, por intermédio de várias publicações. Quando chegou a 39-40 com «Gone With the Wind», Robert Donat, Vivien Leigh e Victor Fleming, como principais vencedores, resolveu deitar-se, seriam umas 23.30. nenhum destes últimos dois encontrou qualquer dos outros hóspedes do mesmo andar. Quanto a François, estivera a fazer uma recolha de dados sobre a história do Chile, tendo ficado pelo ano de 1829, altura em que o ditador Rosas, um federalista sucedei no poder ao unitário Rivadavia. Depois de ter ouvido um pouco de música entre as 18.15 e as 19.00, descer para jantar no restaurante do hotel. Em seguida, como sendo ainda cedo, cerca das 21.00, resolveu ir às 21.30 ao cinema ver o «Stagecoach» de Howard Hawks. Quando este acabou, voltou directamente para o botei tendo chegado cerca da 1.00. Não encontrou nenhum hóspede do hotel em nenhum dos locais onde esteve, depois de sair do quarto. Por fim Sam disse que levou o resto da tarde, desde que se separara de Porterov e do Inspector, a escrever um artigo de fundo para o seu jornal, sobre o atentado a Hitler, levado a cabo por Stauffenberg, no Q. G. de Rastenburg, três dias atrás. Lembra-se de ouvir, por volta das 18.30, umas melodias de Gershwin na rádio vindas de algum dos quartos, mas estava absorto no seu trabalho e não deu muita importância ao facto. Recorda, no entanto, que quando saiu por volta das 19.45 para jantar, a música já não se fazia ouvir. Ao sair do hotel lembra-se de ter visto Porterov e Carlo sentados numa das 5 mesas do pequeno restaurante. Depois da refeição voltou ao quarto, para terminar o artigo, não tendo encontrado mais ninguém. O empregado foi o último interrogado e declarou que recebera ordem para levar o jantar ao 404 às 18.30. Cruzou-se com um hóspede, ouvia música muito alta que supunha vir do 406, bateu à porta do 404 e entrou. O homem que lá estava, que ele conhecia de vista, atirou-lhe uma moeda e mandou-o embora. Parecia muito atarefado com qualquer coisa que escrevia e mandou pousar a bandeja na mesa à entrada do quarto. Não se lembra de nada de especial, mas também já era não preciso pois Rick tinha a solução quase toda, ou não fosse um cinéfilo inveterado. Acertara também ao pensar que a polícia não encontraria, no quarto da vítima, nada de importante, assim como em concluir que a pistola fora a arma que provocara a morte de Jack. Faltava-lhe só decifrar a mensagem do papel que encontrara, mas já tinha umas ideias.

 

Ideias que não faltarão também aos concorrentes para responderem às seguintes perguntas:

1) – Qual o texto da mensagem?

2) – Fazendo um esboço da planta daquele andar, associe os quartos aos personagens, suas profissões e seus passatempos e indique-nos.

3) – Que aconteceu a Jack Hochetsky: Suicídio ou Crime? No seguindo caso, quem o matou? Justifique a resposta convenientemente nos dois casos.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO