Autor Data 1 de Julho de 2025 Competição Torneio do Cinquentenário de
“Mistério… Policiário” Problema nº 7 Publicação Blogue A Página dos Enigmas |
O ASSASSINATO DO VELHO MILIONÁRIO… Rigor Mortis Júlia
era uma moça atraente, simpática, mas longe de ser bonita. A verdadeira
beleza dela estava na sua inteligência e na extraordinária capacidade de
observação e perceção de pormenores. Como desde ainda pequena tinha percebido
o seu tio, Tiago Rodrigues, inspetor da Judiciária. Devotado à sua paixão
pela investigação criminal, não resistiu a submeter a sobrinha, a partir dos
seus doze aninhos, à descrição pormenorizada dos casos em que ia estando
profissionalmente envolvido. Poupando-a aos aspetos mais violentos ou
sórdidos, colocava-lhe cada caso como um mistério a resolver. E a Júlia,
nunca se fazendo rogada, correspondia com plena vontade, descobrindo
invariavelmente a solução. Nessa
tarde, Tiago conversava com ela sobre o seu último caso. Um
velho milionário tinha sido assassinado em casa, sentado à sua secretária. Um
tiro na cabeça, com o projétil a entrar logo acima da testa, junto à sutura
coronal, e a sair logo abaixo da nuca, por cima da primeira vértebra. O tiro
tinha sido disparado a relativamente curta distância, entre metro e meio e
dois metros, e não havia quaisquer indícios de que o corpo tivesse sido
mexido após o crime. A arma não estava no escritório. Os
suspeitos eram os seus dois filhos, adultos na casa dos vintes e, obviamente,
potenciais herdeiros da sua fortuna. Os dois estavam em casa na altura do
crime, mas era a tarde de domingo e os dois criados, o mordomo e a empregada,
estavam a gozar a sua folga. Como acontecia muitas vezes em casos
semelhantes, não se davam particularmente bem com o pai. O
mais velho, Rui, um homem atlético a roçar os dois metros de altura, ainda
mantinha um relativo contacto com o pai. Não os unia propriamente uma amizade
recíproca, ainda menos um amor filial ou paternal, mas falavam-se
diariamente, com normalidade, e o velho milionário aprovava sem reservas a
atividade profissional do Rui, num cargo de direção na área comercial de uma
das empresas da família. Mas
a irmã, Susana, que parecia uma criança ao seu lado, magra e no seu escasso
metro e sessenta, já nem sequer falava com ele há um bom par de meses,
profundamente revoltada com o facto de o pai se opor ao seu relacionamento
com o namorado. A sua última interação tinha sido uma violenta discussão, em
que o pai ameaçou deserdá-la se ela prosseguisse aquela relação e em que ela,
furiosa, lhe atirou com um livro à cabeça. Filhos
de dois casamentos tardios sucessivos do velho, em ambos os casos terminados
em viuvez. Se as relações deles com o pai eram más, entre eles também não
havia mais do que uma tolerância fria. –
Quando lá cheguei – continuou Tiago – ambos estavam no escritório, sentados
em cadeiras em cantos opostos, com o médico-legista e os peritos que
vistoriavam cuidadosamente toda a divisão. Nenhum deles parecia muito
perturbado… Ambos afirmaram ter ouvido o disparo, mas estavam nos respetivos
quartos e disseram não ter visto ninguém entrar ou sair do escritório.
Relutantemente, segundo as suas palavras, a filha tinha ido ao escritório e
vendo o pai obviamente morto – o orifício de entrada da bala na cabeça era
perfeitamente visível, com o torso do velho deitado na secretária, de frente
para a porta – decidiu chamar a Polícia. O irmão chegou ao escritório pouco
depois de ela acabar o telefonema. –
Não foi difícil descobrir que havia uma pistola em casa, pertença do Rui.
Este foi lesto a dizer que tinha mexido nela uns dias antes, para a limpar,
como fazia regularmente, mas que agora ela não estava no respetivo estojo,
não fazendo ideia onde estaria. Quando ouvira o disparo tinha instintivamente
tirado o estojo do armário onde estava guardado e constatara o seu
desaparecimento. –
Uma rápida busca permitiu encontrar a pistola no quarto da Susana – continuou
o inspetor – por baixo das suas roupas interiores numa gaveta da cómoda. A
Susana não tinha qualquer explicação para a arma ali estar, limitando-se a
repetir que não tinha sido ela a pô-la ali. Com o projétil extraído do estofo
das costas da cadeira onde o velho tinha sido assassinado, no topo da pequena
lomba da zona dos rins, a perícia identificou a pistola como sendo a arma do
crime, mas não havia nela quaisquer impressões digitais. Um exame rápido às
mãos do Rui e da Susana também não revelou quaisquer indícios de que tivessem
disparado uma arma. –
Face às evidências conhecidas, claro que prendemos a Susana e vamos acusá-la
do assassinato do pai… –
Que achas, Júlia? Júlia
manteve-se uns segundos em silêncio, olhando para as mãos no regaço. –
Acho que se enganaram, tio… – disse, em voz baixa e serena, levantando o
olhar. E,
caro Leitor, que acha você? |
© DANIEL FALCÃO |
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