Autor

Rip Krby

 

Data

10 de Outubro de 1999

 

Secção

Policiário [430]

 

Competição

Torneio “Fórmula 1”

Torneio “Detective Said”

Prova nº 7

 

Publicação

Público

 

 

MISTÉRIO NO 2º ESQUERDO

Rip Kirby

 

20h3Om de um domingo de Dezembro. O inspector Eduardo Trindade acaba de chegar junto de um velho edifício de quatro andares. Cerca de meia hora antes, haviam telefonado a solicitar a sua presença pois algo de estranho ocorrera naquele local.

O inspector penetrou no edifício e, depois de subir os quatro lances de escada que o levaram ao 2º andar – o elevador era inexistente –, penetrou no apartamento do lado esquerdo, cuja porta lhe foi franqueada por um agente uniformizado. Eduardo Trindade viu-se de imediato num átrio relativamente amplo, para onde davam diversas portas e onde o seu ajudante o esperava. Este, que se encontrava sentado escrevinhando algo num bloco de apontamentos, logo que viu o chefe levantou-se e apressou-se a encaminhá-lo para a porta em frente àquela por onde havia entrado. O aposento que pôde então observar era uma sala de razoáveis dimensões e que, dada a quantidade de livros existente, deveria ser a biblioteca. Frente à porta, havia uma janela que se encontrava aberta e que deitava para um terreno baldio. À esquerda, outra janela, esta fechada, que deitava para a frente do prédio. À direita, uma porta comunicava com outra sala. No centro da sala, estendido sobre a alcatifa já bastante gasta, via-se o corpo de um homem de cerca de 70 anos.

O inspector debruçou-se sobre o corpo e pôde verificar que havia sido atingido com um tiro no lado esquerdo do frontal. Pelas características do ferimento, a arma teria sido disparada de frente, a uma distância entre um e dois metros. Não muito longe do corpo, à direita de quem entrasse na sala, encontrava-se uma cápsula de bala de calibre 6,35.

Depois da observação feita ao corpo, Eduardo Trindade endireitou-se e, após um momento pensativo, entrou na outra sala que tinha uma janela mesmo em frente à porta e que dava para as traseiras do prédio, um beco bastante estreito e escuro. À esquerda havia outra janela, que dava para o terreno baldio. Estas janelas encontravam-se fechadas. Na mesma parede em que se encontrava a porta de comunicação com a sala onde ocorrera a tragédia existia outra porta. Foi por esta que o inspector passou, indo dar ao “hall” de entrada. Aqui havia mais duas portas – uma que comunicava com a cozinha, nas traseiras, e outra com uma sala na frente do editício; o inspector abriu-as e observou durante alguns momentos o interior dos compartimentos, reparando que as janelas se encontravam fechadas.

– Então, Silveira, o que tem para me contar?, perguntou o inspector virando-se para o ajudante. – Penso que já tenha feito por aí algumas averiguações.

– De facto, assim é, sr. inspector, andei por aí fazendo umas perguntas e já tenho o meu relatório pronto. Se quiser, passo a lê-lo.

– Leia, leia, Silveira, que eu estou com pouca paciência para me pôr agora a decifrar a sua letra. Quando o dactilografar, estudá-lo-ei então com mais atenção. Neste momento servirá para me colocar mais por dentro do assunto.

E o Silveira, coma sua voz gutural, iniciou a leitura. Eis o que os seus apontamentos continham:

– a vítima chamava-se Amândio de Carvalho, tinha 70 anos e era reformado da marinha mercante. Era solteiro e vivia sem companhia. Consta que exercia clandestinamente a actividade de agiota;

– o rés-do-chão direito é ocupado por Maria Clementina. Tem 65 anos, é viúva e vive só. Não ouviu nada, pois é um pouco dura de ouvido. Depois do almoço, viera sentar-se no patamar para conversar com a vizinha do lado e ali tinha permanecido toda a tarde. Perto das 13h30, o sr. Carvalho saiu e, pouco depois, saíram juntos os dois vizinhos do terceiro andar. O sr. Carvalho voltou cerca das 18h e, pouco depois de tudo ter acontecido, entrou o vizinho do segundo direito;

– o rés-do-chão esquerdo tem como moradora Etelvina de Jesus, que exerce as funções de porteira. Tem 42 anos e é casada, mas o marido anda embarcado e só deve voltar no final da semana. Cerca das 13h, como de costume, fora sentar-se a costurar na parte de fora da sua porta. Como estava sozinha, assim sempre tinha com quem conversar um pouco. Confirmou o depoimento da vizinha e afirmou que só se apercebeu de que algo se tinha passado quando as vizinhas do terceiro começaram a gritar;

– o primeiro esquerdo encontra-se desocupado e os inquilinos do direito estão ausentes, pois foram passar as festas do Natal à terra;

– no segundo direito reside Alberto Vaz, ex-fuzileiro naval. Actualmente a trabalhar na construção civil, mas são mais os dias que fica em casa do que aqueles em que vai trabalhar. Tem 30 anos, é casado mas está separado da mulher há cerca de cinco meses. Consta que é um jogador inveterado. Não sabe denoda, havia saído perto das 14h e quando voltou já tudo tinha acontecido;

– no terceiro vivem duas irmãs e os maridos. Rosa no lado direito e Florinda no esquerdo. Estavam sós em casa, os maridos tinham saído pouco depois do almoço e ainda não tinham voltado.

Foi Rosa a primeira a falar. Estivera a fazer arroz-doce e, vendo que não tinha canela, foi pedir um pouco à irmã. Quando vinha para entrar em casa, ouviu o que lhe pareceu um tiro e deu o alarme. Já não entrou e ficou ali até àquele momento.

Florinda confirmou as declarações da irmã.

– No quarto direito vivem Armando Fontana e a mãe. Ele é um jovem de 25 anos e a progenitora tem pouco mais de 50. Afirmou que não saiu de casa durante todo o dia, pois sentia-se um bocado engripado. A não ser o burburinho que as vizinhas fizeram, não ouviu mais nada e nem sabia o motivo de tal. A mãe declarou que escutou uns gritos na escada e que ainda foi à porta para tentar inteirar-se do que se passava. Ouviu falas no andar de baixo mas não percebeu o que se dizia, pelo que voltou para dentro e não mais se interessou por nada, pois pensou que se tinha enganado;

– no lado esquerdo deste piso não vive ninguém.

Depois disto dei uma volta pelas traseiras. No estendal da roupa do primeiro direito pendia uma corda com cerca de 20 milímetros de espessura e cujas duas pontas chegavam ao chão. Fora isto, nada mais encontrei que mereça referência, nem dentro nem fora do edifício. De acordo com uma informação da porteira, todos os apartamentos são iguais e simétricos, com apenas uma diferença: os do lado direito só têm as janelas para a frente e para as traseiras, já que a parede lateral desse lado está encostada ao edifício vizinho.

Aqui terminou o relatório do detective Silveira.

O inspector Eduardo Trindade quedou-se alguns momentos pensativo; depois encaminhou-se para a porta dizendo:

– Vamo-nos embora, amanhã com a cabeça mais fresca resolveremos este assunto.

No dia seguinte, logo que chegou ao seu gabinete, escreveu algo no seu bloco de notas e, arrancando a folha, entregou-a ao ajudante dizendo:

– Silveira, vá buscar esse tipo o assassino é ele.

A arma que disparou o tiro fatal foi encontrada nesse mesmo dia entre as ervas no terreno baldio a cerca de vinte metros do edifício.

Quem teria Eduardo Trindade mandado buscar?

Será que ele não se enganou?

Explique pormenorizadamente o seu raciocínio.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO