Autor Data 5 de Fevereiro de 2006 Secção Policiário [760] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2005/2006 Prova nº 3 Publicação Público |
A MORTE DO PLAYBOY Rip Kirby O caso que aqui vou narrar
teve o seu início no 16º dia do 6º mês do 5° ano do séc. XXI. Godofredo Rodrigues de
Sousa era um daqueles indivíduos cujo perfil moral os sociólogos, os
psicólogos ou os especialistas em qualquer outra área mais de acordo com o
estudo dos caracteres humanos teriam sérias dúvidas em catalogar como
pertencente a um “playboy” ou a um “gigolo”. Vindo não se sabia de onde,
fixara residência em Tavira havia já alguns anos, não se lhe conhecia
ocupação nem era do conhecimento de alguém qual o manancial de onde provinha
o capital que ele desbaratava sem qualquer preocupação ou cuidado. O que
todos sabiam, pois “publicidade” não faltava, era que ele tinha uma enorme
popularidade entre as mulheres e que as preferia altas e loiras. No dia acima citado, a meio
da manhã, a empregada que lhe cuidava da casa informou-o de que havia
recebido um telefonema de um familiar que reclamava a sua presença pelo que,
embora a sua hora de saída fosse às 15h30, naquele dia sairia logo após o almoço
e, como o referido familiar morava longe, Alcoutim, só voltaria no dia
seguinte. Assim foi. Maria Rosa, a
empregada de Godofredo, saiu perto das 13h30 e no dia seguinte quando voltou,
cerca das 9h30, encontrou o patrão morto. Sem perder a calma e sem tocar em
nada, além do telefone, ligou para a polícia. Eram exactamente
10 horas quando o inspector Eduardo Trindade e o
seu ajudante, o sargento Silveira, chegaram à residência de Godofredo, uma
casa antiga de dois pisos, bastante perto da margem do rio, e foram
imediatamente conduzidos ao que a serviçal, pomposamente, designou por
gabinete de trabalho do senhor no andar superior. Tratava-se de uma saleta de
paredes almofadadas e profusamente decorada com espelhos, fotos de mulheres
em poses atrevidas e alguns canapés, havendo junto de cada um deles uma
pequena mesa. Havia também um móvel-bar muito bem provido de bebidas exóticas
e caras. Do tecto
pendia um imponente candeeiro de 18 lâmpadas que se encontrava apagado. A luz
que iluminava a sala provinha de uma ampla janela que ocupava quase
totalmente a parede em frente à única porta de acesso à saleta e de onde se
podiam ver as águas do Gilão. Por esta janela entravam os raios solares,
àquela hora já bastante quentes, que incidiam sobre as costas do morto, projectando a sombra deste, obliquamente, sobre a
secretária colocada ao fundo. Era a esta secretária que
se encontrava, sentado, o corpo de Godofredo amparado pelos braços do
cadeirão e ligeiramente recostado para trás. Os olhos abertos, fixos no tecto, pareciam olhar um invisível objecto
algures no infinito. No lado contrário da secretária havia uma cadeira onde
alguém estivera sentado fumando, pois tinha na frente um cinzeiro contendo
algumas pontas de cigarro. Segundo a empregada afirmou, Godofredo não fumava
e quando saíra na véspera deixara todos os cinzeiros limpos. Na camisa branca que o
morto envergava, uma mancha de um vermelho escuro, que alastrara para o
ventre, por altura do coração, um pouco chamuscada e alguns resíduos de
pólvora indicam qual a natureza da sua morte. Mais tarde, os peritos diriam
que o tiro havia sido disparado de frente, ligeiramente da esquerda para a
direita da vítima, a menos de um metro de distância por uma pistola de
pequeno calibre. O legista afirmaria que a
bala, depois de perfurar o peito, sofrera um pequeno desvio, rasara o coração
e fora alojar-se na coluna vertebral, danificando-a gravemente, provocando de
imediato a paralisia dos membros superiores e a perda de conhecimento. A morte,
que não fora imediata, teria ocorrido entre as 15h e as 16h30 do dia
anterior, cerca de meia hora após a vítima ter sido atingida, e fora devida à
enorme hemorragia sofrida, como atestava o sangue que sujava o tapete junto
dos pés do morto. No gabinete não foi
encontrado nada de interesse a não ser, numa das gavetas da secretária, uma
numerosa colecção de cassetes áudio, todas de 60
minutos, identificadas com iniciais e datas diversas. Verificou-se depois que
todas elas continham a gravação de conversas bastante comprometedoras para o
bom-nome de algumas mulheres. Na gaveta central,
ligeiramente aberta, havia um pequeno gravador de som que se encontrava
desligado porque a fita, também de uma hora, que estava inserida havia
chegado ao fim. A mão direita do morto,
pousada na secretária sobre uma folha de papel, segurava uma lapiseira.
Parecia que Godofredo enquanto conversava com o seu carrasco, se entretivera
a fazer os desenhos aqui representados: Depois que o corpo foi
levado, Eduardo Trindade pegou no gravador, rebobinou a cassete e ficou
escutando a gravação que ela continha. Era a conversa que Godofredo havia
mantido com a sua visitante pouco antes de morrer. Era uma conversa confusa
onde só se ouvia com nitidez a voz do dono da casa. Parecia que ele havia
sido apanhado de surpresa pela visita e não tivera tempo para preparar o
gravador. A outra voz não passava de um sussurro inaudível, mas pelas
respostas dadas por Godofredo deduzia-se que a outra parte o ameaçava de
morte. Sabemos também que se tratava de uma mulher porque ao longo da
gravação várias vezes Godofredo se lhe dirigiu pelo nome. A conversa durou 15 minutos
e, para além do que sobre ela já foi dito, pouco ou nada adianta ao caso.
Importante mesmo é só o facto de Godofredo, várias vezes, ter tratado a sua
visitante por Cristina e no final desse tempo o ruído do tiro ter ficado
gravado. Depois disso a fita continuou rodando até ao fim, mas o silêncio era
quase total. O invólucro detonado foi
encontrado junto da secretária no lado esquerdo do morto. – Ora aqui está um caso de
fácil resolução, pensou o inspector, mas logo mudou
de opinião quando, ao interrogar a empregada doméstica, ficou a saber que
eram várias as Cristinas na vida de Godofredo. Encarregou o sargento Silveira
de as procurar e perguntar-lhes, entre outras coisas, o que elas tinham feito
no dia anterior e onde haviam estado entre as 14h30 e as 16 horas. Cristina Maria dos Santos
Duque, natural de Tavira onde trabalhava, como gerente, numa loja de artigos
femininos, respondeu que tinha trabalhado desde as 9 horas da manhã até às
19h com um intervalo entre as 13 e as 15 horas para almoçar. Às 14h30
possivelmente estaria tomando uma bica com as colegas no café vizinho do
estabelecimento onde trabalhava. Um pouco antes das 13h telefonou para Clara
Cristina para lhe encomendar um perfume e pouco depois das 15h voltou a
ligar, mas não foi atendida em nenhuma das tentativas e o telemóvel estava
desligado. Cristina de Sousa Barão:
era também de Tavira, onde morava, mas trabalhava numa joalharia em Olhão.
Como tivera o dia livre, fora, logo pela manhã, com umas amigas a Ayamonte e ficara lá todo o dia. Clara Cristina Reis de
Carvalho era natural de Faro, onde residia sozinha, e era proprietária de uma
perfumaria em Olhão. No dia anterior sentira-se bastante indisposta, pelo que
não saíra de casa nem havia visto ninguém conhecido. Glória Cristina Marquês da
Silva era natural de Olhão onde residia. Trabalhava em Faro numa agência de
viagens onde estivera durante todo o dia. Fora um dia muito movimentado e por
isso quase não tivera tempo para almoçar. Maria Cristina Reis era de
Tavira, onde morava. Trabalhava como delegada de informação médica. No dia
anterior estivera em várias cidades algarvias e à hora mencionada, mais ou
menos, devia estar em Olhão, onde fora à agência do banco de que era cliente
para tratar de um assunto importante para ela. Por sinal abasteceu o carro
num posto de gasolina, à saída desta cidade, quando já se dirigia para
Tavira, precisamente às 15h30 como atestava o recibo que apresentou. Olga Cristina Travassos era
natural de Lisboa, onde residia, mas trabalhava em Tavira como recepcionista num hotel. No dia anterior, como era o seu
dia de folga, havia ido a Lisboa. Saíra logo de madrugada para evitar o calor
no Alentejo. Acabou por não se encontrar com as amigas com quem havia
combinado irem à praia a Cascais. Passou um dia muito aborrecido. Cristina Duarte Conde
felizmente não precisava de trabalhar, segundo afirmou, e não tinha
residência fixa embora permanecesse mais tempo em Tavira. No dia anterior
dera-lhe para viajar sem destino certo pela serrania algarvia na companhia de
um irmão. Curiosamente em Alcoutim, onde jantara ao fim da tarde, ficara com
a impressão de ter visto a Maria Rosa. Eduardo Trindade ainda tentou
saber, pelas Cristinas, alguns detalhes da vida de Godofredo, mas não
conseguiu grande coisa. Apenas a Cristina Duarte Conde informou que havia
muito tempo que não via o “pilantra”. Precisamente
desde que ele tentara fazer chantagem com ela. Curiosamente, das sete
mulheres suspeitas, apenas esta última não era loura nem alta. O inspector
incumbiu o sargento Silveira de obter a confirmação de todos os depoimentos,
mas como isso poderá ser um pouco demorado será que os nossos detectives são capazes de dar uma ajuda ao inspector elaborando um relatório, o mais rigoroso
possível, sobre as conclusões a que chegaram, adiantando-lhe assim a solução? |
|
© DANIEL FALCÃO |
||
|
|