Autor Data 8 de Janeiro de 2007 Competição Prova nº 1 Publicação CLUBE DE DETECTIVES |
MISTÉRIO NO PARQUE Rip Kirby Cinco horas e trinta
minutos de uma madrugada fria de finais de Novembro, mais precisamente, do
dia 29. O casal Cardoso, Venâncio e Verónica, dirige-se para o trabalho num
bar das redondezas de que são proprietários e para isso, por ser o caminho
mais curto, atravessam o Parque Eduardo VII, um pouco acima da sua
extremidade sul, quando deparam, precisamente a meio da sua travessia, com um
estranho e volumoso objecto. Curiosos, aproximam-se
e verificam que o tal objecto, afinal, é um homem. Venâncio, apesar das
tentativas da mulher para o impedir, debruça-se sobre o corpo e verifica que
está inanimado. Pede à mulher para ir procurar algum polícia nas proximidades
dos bancos que ficam a cerca de 200 metros, mas esta nega-se; tem medo de
voltar a atravessar o parque. Recusa-se, também, a ficar ali sozinha com o
desconhecido, não vá este acordar enquanto o marido procura ajuda. Aguardaram alguns minutos,
na esperança de que surgisse alguém que se prontificasse a ficar ali com o
desconhecido ou que fosse procurar a ajuda precisa, mas ninguém apareceu.
Portanto, a solução foi irem os dois. Verónica ainda sugeriu ao marido que se
fossem embora e não se preocupassem mais com o estranho, mas o marido recusou
tal sugestão e lá foram. Encontraram um polícia que
se preparava para tomar o pequeno-almoço, num café que tinha acabado de
abrir, e comunicaram-lhe o seu estranho achado. O agente Ricardo Teixeira,
como se podia ler no crachá preso no blusão do uniforme, sugeriu que não se
preocupassem com o bêbado, mas, perante a insistência de Venâncio, que
teimava em afirmar que não se tratava de um alcoólico, acabou abandonando a
sua torrada e o galão e, acompanhado pelo casal, dirigiu-se ao local. Uma vez
ali chegado, tomou o pulso do homem inanimado e imediatamente se apercebeu de
que estava morto. Através do rádio informou a esquadra e recebeu ordem para
não mexer em nada e manter os curiosos afastados do local; iam mandar
imediatamente reforços, o que efectivamente
aconteceu. O comissário João Saramago
chegou pouco depois das 6 horas, acompanhado, como habitualmente, por todos
os seus auxiliares especializados nas diversas áreas de investigação. Vinha
mal-humorado e esse mau humor logo se fez sentir sobre o agente Ricardo,
quando, tendo-lhe feito uma pergunta, este, deitando um olhar em redor, não
lhe soube responder. Finalmente, mais calmo, dirigiu-se para o corpo e
deteve-se, alguns instantes, a observá-lo. O cadáver encontrava-se
estendido ao comprido, de peito para baixo, tendo a cabeça encostada a um
velho saco de viagem que estava meio vazio e junto do qual se via um pequeno
bloco de apontamentos e uma esferográfica. O resto do seu conteúdo
encontrava-se espalhado no chão em redor - eram diversas bugigangas. Tinha o
braço esquerdo estranhamente dobrado sob o corpo e a mão direita, fechada,
estava apoiada no saco, tendo o dedo indicador espetado apontando para Sul,
como que a indicar algo dentro daquele quadrante. Talvez o monumento erigido
algumas dezenas de metros mais abaixo. O rosto encontrava-se muito
inchado e, nas partes do corpo que estavam visíveis, viam-se muitas e
extensas escoriações. Saramago encarregou os seus
homens de algumas diligências e ficou observando o médico legista que, naquele
momento, dava por findo o seu trabalho e se dirigia para junto dele. “Então?” Perguntou o
comissário. O médico franziu o nariz, coçou a calva, olhou para o relógio e,
por fim, respondeu: “O tipo apanhou uma valente
sova. São agora oito horas; deve estar morto há pelo menos quatro. Mais do
que isto só depois da autópsia.” E afastou-se. O comissário ainda ficou
alguns minutos mais, observando os seus homens que faziam as últimas fotos e
buscas antes de o corpo ser levado. Alguns dias depois, talvez
uma semana, sentado à sua secretária, João Saramago lia os relatórios dos
seus subordinados que o seu secretário havia condensado. O morto, segundo documentos
encontrados com ele, era Joaquim Fonseca. Tinha 30 anos e havia sido um
brilhante estudante, mas não chegara a formar-se. A sua homossexualidade
primeiro, as más companhias depois e a droga por fim afastaram-no dos
estudos, quando lhe faltavam alguns meses apenas para se formar em História.
Agora, para sobreviver, vendia bugigangas e também droga, que recebia de
outros para revenda. Segundo as informações colhidas pelos agentes, havia
quatro indivíduos que, já por diversas vezes, tinham ameaçado o Joaquim, mas
que ainda não fora possível localizar. O relatório da autópsia,
passando por cima dos pormenores técnicos, dizia que o infeliz sofrera várias
fracturas, entre as quais as do crânio e de duas
costelas que lhe perfuraram os pulmões, daí advindo a sua morte que não havia
sido instantânea, embora não tivesse demorado muito. Após a leitura, João
Saramago convocou os seus auxiliares e disse-lhes que queria ali,
rapidamente, todos os suspeitos, sob pena de os colocar a todos eles,
auxiliares, fazendo patrulhas nas ruas da cidade. Acicatados pela ameaça do
chefe, os agentes redobraram os esforços e ainda nessa tarde lhe apresentaram
o primeiro suspeito. Tratava-se de Alberto Queirós, antigo agente da PSP, de
onde fora expulso devido a excessos cometidos, especialmente, sobre
homossexuais. Era um indivíduo corpulento, talvez 1,90m de altura e 100 kg de
peso. Ganhava a vida como porteiro num dos bares nocturnos
do Cais do Sodré, actividade onde já por diversas
vezes usara a sua corpulência, o que lhe acarretara alguns dissabores com as
autoridades. Tendo-lhe sido perguntado
por onde andara e o que fizera na noite de 28 para 29 de Novembro, respondeu
que não se lembrava, mas que devia ter estado em casa, na margem sul, até
cerca das 20h. Quando saiu, foi para se dirigir para o trabalho, onde
permaneceu até ao encerramento do bar, cerca das 5 horas da madrugada. Logo que
saiu, foi apanhar o barco para voltar para casa. No dia seguinte, quando o
Comissário chegou ao serviço, estava à sua espera o Francisco Torres, outro
dos suspeitos, conhecido por “Fininho”. Esta alcunha condizia com o seu aspecto físico, pelo que me dispenso de o descrever.
Constava que negociava com droga, mas nunca tinha sido apanhado. Já por
diversas vezes estivera prestes a cair nas redes que as autoridades lhe
lançaram, mas tinha sempre conseguido passar por entre as suas malhas. Andava sempre rodeado por
quatro guarda-costas que tinham a habilidade de nunca estarem à vista dos
seus inimigos, mas estarem sempre ao alcance da sua voz. Não constava que
alguma vez se tivesse servido dos seus guardiões para resolver as suas
pendências, o que geralmente fazia ameaçando os seus devedores num tom de voz
frio e cortante que os aterrorizava. Às perguntas do comissário
respondeu: “Como me vou lembrar disso?
Já passaram tantos dias… Eu nem me lembro do que jantei a noite passada!”
Dizendo isto, largou uma gargalhada, mas, perante o olhar severo de João
Saramago, logo se conteve e disse: “Desculpe, senhor
comissário. De facto, não me lembro do que fiz nessa noite, mas possivelmente
teria andado a tratar dos meus negócios, ali para a zona do Cais do Sodré e
Bairro Alto; é o que geralmente faço à noite, já que de dia descanso. Talvez
algum dos seus homens me tenha visto por lá nessa noite.” António Sebastião
apresentou-se nesse mesmo dia cerca das 11h. Era um antigo pugilista, de
corpulência parecida à de Alberto Queirós. A sua actividade,
segundo ele afirmava, era a de cobrador de dívidas. Na noite referida pelo
comissário, tinha estado, tratando de negócios, até cerca das 2h30 da
madrugada, num bar nas proximidades do Cais do Sodré. Depois, saíra com uma
garota e já não voltara; havia passado o resto da noite com a garota
referida. Não se aproximara, em momento algum, da zona do Marquês. Às 17 horas, chegou Valdir
Pereira, o último dos suspeitos. Brasileiro naturalizado português, jogador
de futebol com algum valor, respondeu da seguinte forma: “Lembro-me perfeitamente do
que fiz, porque a minha esposa fez anos nesse dia. Fomos jantar a Cascais com
alguns amigos e, depois, fomos a um espectáculo no
Casino. A seguir, vagueámos de bar em bar e só regressámos a casa perto das 6
horas, mais ou menos. Por causa disso, o clube aplicou-me uma multa, mas não
me arrependo.” No dia seguinte, João
Saramago convocou os agentes que na noite do crime haviam feito serviço na
zona do Cais do Sodré e pediu-lhes informações sobre o que eles,
eventualmente, saberiam sobre os suspeitos. Um dos interrogados disse que se
lembrava de ter visto, de facto, o Sebastião a sair de um bar com uma mulher,
cerca das duas horas ou pouco mais e não o voltara a ver. Dos outros
suspeitos, embora os tivesse visto, nada sabia que os tivesse tornado notados
nessa noite. O comissário mandou um dos
seus homens procurar a moça com quem Sebastião havia saído e perguntar-lhe
até que horas estivera com o suspeito. O agente voltou com a
seguinte história que a moça lhe contou: Não sabia se o Sebastião
estivera com ela toda a noite e nem sabia tão pouco por que motivo o maldito
a convidara para casa dele. Afinal, quando lá chegou, deu-lhe qualquer coisa
a beber que a colocou a dormir, acordando só pela manhã, com uma terrível dor
de cabeça e o Sebastião ressonando-lhe aos ouvidos. Será que, com estes
elementos, os meus amigos serão capazes de elaborar um relatório que facilite
o trabalho do comissário João Saramago? Desse relatório, devem
constar as seguintes informações: Que pergunta teria o
Comissário feito ao agente Ricardo, a que este não soube responder? Quem teria sido o autor da
sova da qual resultou a morte de Joaquim Fonseca? O dedo indicador da mão
direita apontando para Sul terá algum significado? Todas as afirmações devem
ser pormenorizadamente justificadas. |
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© DANIEL FALCÃO |
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