Autor Data 15 de Agosto de 2009 Secção Competição Problema nº 1 Publicação O Almeirinense |
O MISTÉRIO DO PROBLEMA ROUBADO Rip Kirby O
miserável havia de me pagar. Roubou-me o problema que tanto trabalho me havia
dado a engendrar e agora queria abotoar-se com ele, mas o maldito ainda não
sabia com quem se tinha metido. Desde
muito jovem o meu sonho era ser escritor. Sonhava escrever livros de
aventuras e romances policiais que vendessem milhões de exemplares, mas
jamais consegui escrever algo de valor. Com o passar dos anos, os meus sonhos
foram-se tornando mais modestos e por fim resumiam-se apenas à satisfação de
escrever problemas policiários. Contudo, continuava a sonhar. Agora, o meu
sonho era vir a escrever um problema policiário perfeito, no qual nenhum
crítico, por mais acérrimo que fosse, pudesse encontrar a mais leve falha por
onde o atacar. Depois
de muitas tentativas falhadas, finalmente, consegui esse objectivo,
mas aquele canalha roubara-mo. Era
a minha obra-prima; melhor, era a obra-prima em matéria de problemística policiária. Até então nunca ninguém,
modéstia à parte, havia escrito um problema com tanta qualidade! E isso para
quê? Para vir um canalha e apoderar-se do meu trabalho! Mas não perde por
esperar. Lá isso não perde, não, ou eu não seja quem sou. Mas,
afinal, quem foi esse canalha miserável? Eu
tinha acabado de escrever o problema eram 14 horas e tinha-o imprimido. Como
precisava ir à cidade, fui ao meu quarto mudar de roupa, levando as folhas
comigo e colocando-as sobre a cama. Depois, saí do quarto, fechando a porta à
chave que levei comigo, meti-me no carro e abalei. Só quando voltei, cerca de
uma hora mais tarde, é que me lembrei das folhas e dei pelo desaparecimento
do meu trabalho. Na
porta do quarto não havia qualquer sinal que me chamasse a atenção, mas
também não me preocupei muito, porque tinha deixado o meu trabalho guardado
no computador. Mas, quando fui ver, até daí tinha desaparecido. O ladrão
também apagou o arquivo. Teria
sido o José, o meu mordomo? Geralmente, nesta matéria de crimes domésticos,
os culpados ou hão-de ser os mordomos ou os
sobrinhos. Mas o José não sabe lidar com o computador e não tenho sobrinhos
em casa; portanto não foram eles. Mas tenho três amigos, a quem a fortuna não
bafejou como o fez comigo. Perguntei
ao José se tinha visto os papéis, mas ele afirmou que não. Como o trabalho
era pouco, logo que eu saí, fora para o jardim da casa, onde já se encontrava
o Cornélio, e sentou-se num banco (de onde poderia ver quem chegasse ou saísse)
e ali permaneceu até ao meu regresso. Nenhuma visita viera; apenas um mendigo
andara por ali, sem se atrever a entrar. O Jesuíno também tinha saído quase
ao mesmo tempo que ele, com um livro debaixo do braço e dirigira-se para o
pinhal que havia ali perto de casa. Voltou quando o sol já estava bastante
baixo. Quando
perguntei ao Tadeu, algumas horas mais tarde, se tinha visto as folhas, ele
respondeu-me, também, que não. Aproveitara a boleia que eu lhe dera, o que
era verdade, para ir à cidade, onde ficou até tarde. O José disse-me que ele
voltou cerca das 22 horas. Tinha vindo de táxi. Antes,
já tinha perguntado ao Jesuíno, que estava mal-humorado como de costume, se
tinha visto as folhas. Respondeu-me desabridamente que não havia visto folhas
nenhumas. Além disso, saíra logo a seguir a mim; fora ler um livro sentado à
sombra de um pinheiro e voltara para casa já um pouco tarde, pelo que não
podia saber de nada. Entretanto,
já perguntara também ao Cornélio, que, como sempre, estava no jardim,
cuidando dos canteiros. Tinha uma paixão doentia pela jardinagem e não se
interessava por mais nada que não fosse essa actividade. –
Cornélio, viste as folhas que me desapareceram? –
Estou prestes a conseguir criar uma nova espécie de antúrio. –
Não é isso. Estou perguntando se viste as minhas folhas! –
Deixa estar, não te preocupes. Eu, quando acabar aqui, dou uma varredura nas
folhas. Acabei
desistindo. O Cornélio não é surdo, mas, quando está entregue à sua paixão, é
como se fosse. Quem
teria sido o miserável que me roubou o problema? Quando eu descobrir o
canalha, ele vai pagar-me caro. Ai vai, vai!!! Por
fim, já noite, acalmei-me e fui deitar-me. Na
manhã seguinte, quando me levantei, ainda com o roubo do problema no
pensamento, perguntei a mim mesmo: – Entre os meus amigos policiaristas
não existirá algum capaz de me ajudar a descobrir o cretino que me agradeceu
com ingratidão o bem que lhe tenho feito? Agradeço um relatório
circunstanciado, de maneira a que, no momento de fazer justiça, eu não vá
castigar nenhum inocente. |
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© DANIEL FALCÃO |
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