Autor

Rip Kirby

 

Data

15 de Agosto de 2009

 

Secção

Mundo dos Passatempos [84]

 

Competição

Torneio A. Raposo

Problema nº 1

 

Publicação

O Almeirinense

 

 

O MISTÉRIO DO PROBLEMA ROUBADO

Rip Kirby

 

O miserável havia de me pagar. Roubou-me o problema que tanto trabalho me havia dado a engendrar e agora queria abotoar-se com ele, mas o maldito ainda não sabia com quem se tinha metido.

Desde muito jovem o meu sonho era ser escritor. Sonhava escrever livros de aventuras e romances policiais que vendessem milhões de exemplares, mas jamais consegui escrever algo de valor. Com o passar dos anos, os meus sonhos foram-se tornando mais modestos e por fim resumiam-se apenas à satisfação de escrever problemas policiários. Contudo, continuava a sonhar. Agora, o meu sonho era vir a escrever um problema policiário perfeito, no qual nenhum crítico, por mais acérrimo que fosse, pudesse encontrar a mais leve falha por onde o atacar.

Depois de muitas tentativas falhadas, finalmente, consegui esse objectivo, mas aquele canalha roubara-mo.

Era a minha obra-prima; melhor, era a obra-prima em matéria de problemística policiária. Até então nunca ninguém, modéstia à parte, havia escrito um problema com tanta qualidade! E isso para quê? Para vir um canalha e apoderar-se do meu trabalho! Mas não perde por esperar. Lá isso não perde, não, ou eu não seja quem sou.

Mas, afinal, quem foi esse canalha miserável?

Eu tinha acabado de escrever o problema eram 14 horas e tinha-o imprimido. Como precisava ir à cidade, fui ao meu quarto mudar de roupa, levando as folhas comigo e colocando-as sobre a cama. Depois, saí do quarto, fechando a porta à chave que levei comigo, meti-me no carro e abalei. Só quando voltei, cerca de uma hora mais tarde, é que me lembrei das folhas e dei pelo desaparecimento do meu trabalho.

Na porta do quarto não havia qualquer sinal que me chamasse a atenção, mas também não me preocupei muito, porque tinha deixado o meu trabalho guardado no computador. Mas, quando fui ver, até daí tinha desaparecido. O ladrão também apagou o arquivo.

Teria sido o José, o meu mordomo? Geralmente, nesta matéria de crimes domésticos, os culpados ou hão-de ser os mordomos ou os sobrinhos. Mas o José não sabe lidar com o computador e não tenho sobrinhos em casa; portanto não foram eles. Mas tenho três amigos, a quem a fortuna não bafejou como o fez comigo.

Perguntei ao José se tinha visto os papéis, mas ele afirmou que não. Como o trabalho era pouco, logo que eu saí, fora para o jardim da casa, onde já se encontrava o Cornélio, e sentou-se num banco (de onde poderia ver quem chegasse ou saísse) e ali permaneceu até ao meu regresso. Nenhuma visita viera; apenas um mendigo andara por ali, sem se atrever a entrar. O Jesuíno também tinha saído quase ao mesmo tempo que ele, com um livro debaixo do braço e dirigira-se para o pinhal que havia ali perto de casa. Voltou quando o sol já estava bastante baixo.

Quando perguntei ao Tadeu, algumas horas mais tarde, se tinha visto as folhas, ele respondeu-me, também, que não. Aproveitara a boleia que eu lhe dera, o que era verdade, para ir à cidade, onde ficou até tarde. O José disse-me que ele voltou cerca das 22 horas. Tinha vindo de táxi.

Antes, já tinha perguntado ao Jesuíno, que estava mal-humorado como de costume, se tinha visto as folhas. Respondeu-me desabridamente que não havia visto folhas nenhumas. Além disso, saíra logo a seguir a mim; fora ler um livro sentado à sombra de um pinheiro e voltara para casa já um pouco tarde, pelo que não podia saber de nada.

Entretanto, já perguntara também ao Cornélio, que, como sempre, estava no jardim, cuidando dos canteiros. Tinha uma paixão doentia pela jardinagem e não se interessava por mais nada que não fosse essa actividade.

– Cornélio, viste as folhas que me desapareceram?

– Estou prestes a conseguir criar uma nova espécie de antúrio.

– Não é isso. Estou perguntando se viste as minhas folhas!

– Deixa estar, não te preocupes. Eu, quando acabar aqui, dou uma varredura nas folhas.

Acabei desistindo. O Cornélio não é surdo, mas, quando está entregue à sua paixão, é como se fosse.

Quem teria sido o miserável que me roubou o problema? Quando eu descobrir o canalha, ele vai pagar-me caro. Ai vai, vai!!!

Por fim, já noite, acalmei-me e fui deitar-me.

Na manhã seguinte, quando me levantei, ainda com o roubo do problema no pensamento, perguntei a mim mesmo: – Entre os meus amigos policiaristas não existirá algum capaz de me ajudar a descobrir o cretino que me agradeceu com ingratidão o bem que lhe tenho feito? Agradeço um relatório circunstanciado, de maneira a que, no momento de fazer justiça, eu não vá castigar nenhum inocente.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO