Autor Data 5 de Setembro de 2010 Secção Policiário [998] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2010 Prova nº 9 (Parte I) Publicação Público |
A MORTE DO VETERANO Rip Kirby Nos
anos 60 do séc. XX, no início da guerra em Angola, eram muitas as estações de
rádio da colónia a transmitirem discos a pedido, dedicados aos militares estacionados
na província. Os temas pedidos eram muitos, mas alguns, antecedidos por
longas listas de nomes, repetiam-se ao longo do dia. Entre eles
destacavam-se, O Imigrante pelo conjunto Maria Albertina, o Fado das
Trincheiras pelo Miúdo da Bica e O Tango dos Barbudos, por uma banda cujo
nome esqueci. Muitos ouvintes desses programas, após terminada a sua comissão
continuaram tendo predilecção por estes temas. Almerindo
Cabral, passados mais de 40 anos, ainda os continua a ouvir diariamente.
Nascido numa vila da Beira onde reside, tem 69 anos, mas o aspecto é de mais velho. Em finais de 1961 embarcou para
Angola onde a guerra rebentara no início desse ano. Dois anos depois voltou.
Ignoramos por que vicissitudes passou mas, para além da perda total dos dedos
da mão direita devido a um acidente, vinha bastante abalado. Andou
em tratamento, melhorou e imigrou para o Brasil de onde um tio abastado o
chamou. Esse tio faleceu anos mais tarde e, não tendo herdeiros mais
próximos, deixou-lhe todos os bens. É assim que Almerindo se viu na posse de
avultada fortuna. Contudo, continuou a trabalhar até que, solteiro, sem
família perto, bastante alquebrado apesar da idade
não ser muita, regressou a Portugal. E assim, numa tarde ensolarada de 1995,
desce do comboio na sua terra natal. Construiu
uma luxuosa casa e convidou, para morarem com ele, dois irmãos e três
sobrinhos. Os irmãos eram o Adelino e Antero Cabral. Adelino,
dois anos mais velho que Almerindo, passava a vida a queixar-se da sua sorte.
Achava que, por ser mais velho, deveria ter sido o herdeiro do tio. Poucos
meses depois de casado, a mulher sumiu sem deixar rasto. Antero o mais novo
dos irmãos, estudara no seminário. Metido consigo, passava os dias a ler e
escrever. Os
sobrinhos: António Cabral, 30 anos, filho de Adelino, era engenheiro, mas
explorar o tio dava menos canseira; Alberto Pereira, 29 anos, filho de uma
irmã, já falecida; formou-se em medicina e trabalhava num hospital em Lisboa;
Isabel Cabral, 26 anos, filha de Antero, era formada em economia e trabalhava
num banco no Porto. Todos
tinham aposentos em casa do tio, mas Alberto e Isabel tinham as suas
residências nas cidades onde trabalhavam. Os dois visitavam o tio com
frequência. António raramente lá ia e quando aparecia era para cravar o tio. Nascido
num dia de São Martinho Almerindo não gostava das festas tradicionais, mas
gostava de festejar o seu aniversário. Nessa data ele queria a família
reunida. A festa iniciava-se cedo com a matança de um borrego, que depois era
assado no forno com muitas batatas, tarefa que desempenhava com a ajuda do
irmão mais velho. O assado era da responsabilidade de Isabel, que chegava
cerca das oito horas. Alberto chegava um pouco mais tarde. António só
aparecia pelas 12 horas no início do almoço. Terminada a refeição, ficavam em
volta da mesa conversando e pelas 17 horas vinham as castanhas assadas e as
garrafas de água-pé. Mas
naquele dia 11 algo errado aconteceu e a comemoração do aniversário de
Almerindo foi seriamente alterada. Até perto do meio-dia tudo correu como de
costume. Na sala de jantar já todos, menos António e o pai, aguardavam a
chegada do aniversariante que estava no quarto a preparar-se para presidir à
mesa. O
relógio da sala de jantar marcava 11h40 quando no quarto de Almerindo se fez
ouvir o Tango dos Barbudos e seguidamente o Fado das Trincheiras. Ouvia-se
este tema havia uns três minutos quando entrou na sala de jantar, vindo da
cozinha, António Cabral. Censurado por ter chegado atrasado, afirmou que o
relógio da sala de jantar estava adiantado 15 minutos. Ninguém o contrariou e
Alberto dirigiu-se ao relógio e atrasou-o 15 minutos. Adelino, que depois da
matança do borrego não mais fora visto nessa manhã, entrou cerca de cinco
minutos depois. Terminado
o Fado das Trincheiras, ao contrário do usual, em vez de se passar a ouvir o
conjunto de Maria Albertina, Fernando Farinha continuou a cantar outros temas
do mesmo disco até este ficar mudo. Às
12h30, como Almerindo não chegava, Isabel decidiu ir ver o que se passava.
Bateu à porta, não obteve resposta, bateu com mais força mas o resultado foi
igual. Ganhou coragem, abriu-a um pouco e espreitou para dentro mas logo a
empurrou com violência e entrou no quarto. Almerindo estava estendido no
chão, com os braços abertos em cruz e com um ferimento de muito mau aspecto no temporal direito chamuscado e com resíduos de
pólvora. Sobre a mão direita estava uma pistola. Isabel
saiu do quarto, fechou a porta à chave e correu para a sala de jantar onde
comunicou o acontecido. De seguida foi à sala de entrada, de onde telefonou
para a polícia. Entretanto, todos correram em direcção
ao quarto de Almerindo; apenas António ficou para trás reunindo-se aos
restantes pouco mais de dois minutos depois. O
relógio da sala de jantar marcava 13h15 conferido, à sua chegada, pelo inspector Eduardo Trindade, que logo se dirigiu para o
quarto de Almerindo observando-o atentamente. No quarto não havia sinais de
luta. Das
suas perguntas o inspector apurou que todos os
familiares de Almerindo se encontravam reunidos na sala de jantar, de acordo
com a hora marcada no relógio ali existente, desde as 11h30; as excepções foram António, que chegou segundo o testemunho
dos seus familiares cerca das 11h35 entrando pela porta da cozinha, e o pai
que, envergando traje de montar, chegou pouco depois pela mesma porta.
António afirmou que não chegara mais cedo por ter estado na cavalariça
examinando um cavalo comprado recentemente. O pai disse que a pedido do irmão tinha ido visitar uma propriedade um
pouco distante. Todos
os empregados declararam não terem visto nem ouvido nada de estranho. Apenas
o empregado da cavalariça referiu ter visto António dirigir-se para a casa um
pouco antes de se começar a ouvir o Tango dos Barbudos e saindo, pouco depois
de se iniciar o Fado das Trincheiras, pela porta principal e encaminhar-se
para a porta da cozinha. Afirmou ainda que, após a matança do borrego, tinha
aparelhado um cavalo para Adelino que saiu tendo voltado às 11h50. Este mesmo
empregado afirmou que na véspera ouvira a vítima discutir com António e dizer-lhe
que deixasse de contar com o dinheiro dele. O médico legista prognosticou a
hora da morte que foi instantânea entre as 11h20 e as 12h45. Será
que com estes elementos os nossos amigos podem dar uma ajuda ao inspector? |
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© DANIEL FALCÃO |
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