Autor

Rodoviário

 

Data

17 de Outubro de 2010

 

Secção

Policiário [1004]

 

Competição

Campeonato Nacional e Taça de Portugal – 2010

Prova nº 10 (Parte II)

 

Publicação

Público

 

 

MORTES NA ESTRADA

Rodoviário

 

Aquela última semana de Outubro estava a ser particularmente penosa para todos os que tinham por obrigação andar na estrada, quer rumo aos seus empregos, quer levando os filhos às escolas, por culpa dos temporais que se abateram sobre a região.

O automóvel rasgou a escuridão, deu uma reviravolta e precipitou-se na ribanceira que se abria à sua direita.

Logo se gritou, nos jornais de segunda-feira, a existência de mais umas vítimas do mau tempo, esse criminoso de costas largas, onde cabem todas as barbaridades de condutores idiotas, incapazes de fazerem as viaturas andarem ao sabor das condições climatéricas e outras.

Com o caso quase encerrado, um pequeno orifício em cheio no relógio da viatura, despertou a atenção do agente, que confirmou ser de um projéctil, que imobilizou os ponteiros do relógio analógico, à 1h44. No outro lado da estrada a polícia recuperou 4 cápsulas de munições 6.35 mm.

O relógio da condutora, estilhaçado em muitos pedaços, assinalava 1h45.

Coincidência, ou talvez não, nas revoluções que a viatura deu, todos os vidros ficaram estilhaçados e as três ocupantes ficaram irremediavelmente condenadas à triste estatística de vítimas mortais. Não chegaram a embarcar no avião das 4h50 para que tinham bilhetes. Poucos minutos antes, a condutora fizera uma chamada telefónica para casa, dizendo à mãe que já iam a caminho do aeroporto, onde 3 horas depois embarcariam para umas férias.

Nos dias seguintes, os resultados das autópsias revelaram as causas das mortes: múltiplos traumatismos, ferimentos vários causados pelas reviravoltas da viatura, mas nenhum facto anómalo que pudesse conduzir a uma acção criminosa. Mas o nosso agente continuava com o pequeno orifício causado pelo projéctil e as cápsulas encontradas, às voltas…

Alguns dias depois, o agente estava embrenhado em outros casos quando o seu colega espreitou pela fresta aberta da porta e lhe comunicou que estava um sujeito na recepção a pedir para falar com ele.

Era um homem de pequena estatura, com algum peso a mais e algo desengonçado, que o agente depois veio a saber que era por causa de uma deficiência que tinha numa perna, sendo obrigado a usar uma prótese.

– Em que posso servi-lo? – Perguntou o agente.

– Senhor agente, quero confessar um crime!

– Um crime? Que crime foi esse?

– Eu sei que foi o senhor que esteve no despiste de um carro em que morreram três pessoas… Fui eu o culpado, não queria que acontecesse, mas aconteceu…

– Como é que se chama?

– Ambrósio, senhor.

– Então conte lá…

– Ora, senhor agente, sabe como é, eu ainda sou do tempo das célebres “febres” e como é a única noite que tenho livre, vou beber uns copitos, mas não diga nada à minha mulher, que era um sarilho. Digo-lhe sempre que vou trabalhar para ganhar mais uns cobres… Naquela noite estive a beber uns copos no Super Bar e já estava um bocado tocado quando resolvi ir dar uma volta, para respirar ar fresco.

– Esse Super Bar é aquele que fica na curva do pinheiro, é isso?

– Sim, senhor.

– Ainda fica longe do local do despiste. Como é que foi para lá?

– A pé, senhor, quando vou beber uns copos, ando sempre a pé.

– Com o seu problema nessa perna, não é muito fácil fazer uma distância tão grande. Demorou quanto tempo?

– Ó senhor agente, não sei bem, para aí uma hora, compreende, já estava um pouco turvo…

– Está bem, mas o que é que fez?

– Ao chegar ao local de despiste, deu-me para fazer pontaria às árvores, com a minha pistola. Dei alguns disparos e não dei conta da aproximação de um carro, que passou na minha frente. Juro que não dei conta e não queria fazer nada daquilo, eu nem conhecia nenhuma das pessoas que lá iam, juro! Quando dei o tiro é que vi o carro a passar à minha frente e logo depois sair da estrada…

– Não prestou auxílio às vítimas?

– Nem pensei nisso, desatei a fugir, nem sei por onde andei, mas agora não podia mais com os remorsos.

– O que fez à arma?

– Não sei, senhor agente, não me recordo, não sei mesmo. Mas tenho licença dela, está aqui…

O agente pegou no documento que referia uma pistola de calibre compatível com o tal orifício que encontrou no relógio da viatura e com as cápsulas. Em cima da mesa caiu uma factura que o Ambrósio tentou arrecadar de novo, mas que o agente, mais lesto, pegou. Era uma factura processada por computador, do Super Bar, com um consumo elevado de cervejas, datado do dia do despiste e com indicação da hora: 1h40.

O agente retirou-se por uns momentos, reviu mentalmente os factos, antes de reentrar no compartimento.

 

A – O homem não podia ter nada a ver com o assunto.

B – O homem esteve naquele local à hora do desastre, mas nunca poderia ter feito os disparos.

C – O homem nunca poderia estar naquele local, àquela hora, mas foi o autor dos disparos.

D – O homem podia estar a relatar a verdade.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO