Autor Data 6 de Novembro de 1948 Secção Publicação O Século Ilustrado – nº 566 |
UM CASO SIMPLES Roussado Pinto Lee
Still e inspector Lorrimer saltaram do carro ainda em andamento e correram
para a entrada do palacete. Encontraram
a porta aberta e o sumptuoso «hall» abandonado. Mas o ruido de passos e vozes
no andar superior chamou-lhes a atenção, obrigando-os a subir as escadas em
quatro ou cinco pulos. Deparou-se-lhes
um enorme corredor, em linha recta, com seis portas laterais – três de cada
lado e uma no fundo. No
interior da primeira do lado esquerdo borbulhava a agitação característica
que rodeia qualquer acidente. Foram recebidos por uma rapariga, decerto
criada, que perguntou com modos pouco delicados: -
Quem são os senhores? Que desejam? O
inspector declarou a identidade e a jovem deu um grito: -
A Polícia! Logo
todas as cabeças se fixaram nos recém-chegados. Uma se movimentou, atravessou
o grupo e apresentou-se sobre um corpo franzino, novo, com evidentes estragos
de uma vida depravada. -
São da Polícia? – perguntou. – Chamo-me Winaus. Sou sobrinho de Keeler e…
infelizmente, seu único herdeiro, o que me colocaria na lista dos suspeitos,
se não se tratasse dum suicídio… O
inspector e o jornalista não retorquiram, limitando-se o primeiro a pedir: -
Por favor, mr. Winaus, recebemos o seu telefonema e queríamos observar o
cadáver e o local onde decorreu a tragédia. Como
se tivesse sentido um choque eléctrico, o corpo franzino teve um
estremecimento profundo, vacilou, acabando por acabando por seguir através
dos criados, arrastando os dois amigos na sua esteira. Atravessaram
a diminuta ante sala e penetraram numa ampla biblioteca. A luz do dia
iluminava o vasto interior por três majestosas varandas, mostrando paredes
cobertas de livros, três retratos a óleo – um de mulher, dois de homem – e um
grande candelabro. Uma carpete de pêlo alto, alguns «maples» e duas mesas
rotativas. Dois copos – um vazio, outro meio de líquido – e uma garrafa de
conhaque. A meio da sala estava um corpo estendido, de costas voltadas,
indicando que caíra directamente do «maple» onde se sentara. Tudo
isto foi observado de relance pelos dois homens. Still avançou e foi
encostar-se a uma das estantes; quanto ao inspector, dirigiu-se à varanda
principal que comunicava com a entrada do palacete e gritou para o motorista: -
Eh! Tom! Diz ao doutor que suba! Deu
costas à varanda e encaminhou-se na direcção de Winaus, fazendo a pergunta
sacramental: -
Conte-me como se passaram os acontecimentos! -
Pouco lhes posso dizer dentro dos factos, mas muito dentro da teoria. –
começou o sobrinho da vítima. -
O meu tio, cinco vezes milionário, sofria como qualquer mortal desde que
perdeu a mulher e a filha num desastre de automóvel, como deviam de ter lido
nos jornais. Tornou-se sorumbático e raras vezes saía de casa. Fechava-se
nesta biblioteca a beber e a olhar os retratos ali expostos que representam a
irmã, o pai, o avô, todos suicidas. E foi, talvez, sob a nefasta influência
das pinturas que resolveu seguir o mesmo caminho… Neste
ponto, Winaus foi interrompido pela chegada do médico, que se aproximou do
cadáver. Lee
Still, que viera examinar os retratos, verificou que o primeiro era mais
pequeno do que os outros, estando rodeado por um quadrado de poeira. -
Hoje, pela manhã – continuou Winaus – meu tio pediu-me que não saísse de
tarde, pois queria falar-me. Eram umas quatro horas, entrámos para aqui. Vi-o
pegar numa garrafa de conhaque que o criado trouxera, encher dois copos,
entregar-me um, dirigir-se com o outro para a frente dos retratos, levantar o
braço e exclamar: «Acabou-se o meu sofrimento!». Beber de um trago parte do
líquido, pousar o copo nessa mesinha, onde ainda está, dar alguns passos e
cair. Corri a socorrê-lo, mas depressa verifiquei que estava morto. Só me
faltava avisar a Polícia… O
inspector ia a retorquir, mas foi interrompido pelo médico legista. -
Pronto, Lorrimer. O velho ingeriu, junto com o conhaque, uma boa dose de
veneno indiano. -
Uma pergunta, doutor. – exclamou Lee Still – Os efeitos dessa droga são
instantâneos? -
Nem mais nem menos, caro amigo. Assim que entra no organismo, os seus efeitos
são tão rápidos como o raio. -
Obrigado, doutor. O
jornalista avançou, sob o olhar apavorado de Winaus, e examinou a carpete, no
sítio onde repousava o braço direito da vítima. Lá encontrou restos de
líquido, numa nódoa forte, muito recente. -
Inspector. – pediu. – Gostava de fazer algumas perguntas ao criado que trouxe
o conhaque. Segundos
depois, entrava um rapaz novo, impecável na libré verde- escuro, com uma
expressão parada, muda, verdadeira expressão de criado. Still
fixou-o com persistência e pertguntou: -
Mr. Winaus pediu-lhe hoje, durante a manhã, uma garrafa de conhaque? Responda
só: sim ou não. -
Sim. -
Pediu-lhe também que trouxesse este retrato para a biblioteca (e apontava o
quadro mais pequeno) e levasse o anterior? -
Sim. -
Quando entrou para a biblioteca, avisou que não queria ser incomodado? -
Sim. -
Pode retirar-se. O
criado curvou-se levemente e desapareceu pelos umbrais da porta. -
Inspector, o milionário Keeler não se suicidou, foi… -
Não diga mais, Still. – interrompeu Lorrimer com boa disposição. – Mr. Keller
foi assassinado e o criminoso está na nossa frente: Winaus. Desta vez o caso
foi simples! PERGUNTAS: Em
que se fundamentou a acusação dos dois investigadores? É
capaz de fazer a reconstituição do crime? |
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© DANIEL FALCÃO |
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