Autor Data 19 de Setembro de 1986 Secção Detective [9] Competição 1ª Supertaça Policiária -
Cidade de Almada Problema nº 5 Publicação Jornal de Almada |
MORTE NA VARANDA Rui Kid A
quinta dos três mosqueteiros era conhecida em toda a região devido à sua
antiguidade e ao facto de acerca dela se contarem muitas lendas. Há
dez anos atrás o seu dono dividiu a quinta em quatro imensos lotes que
posteriormente vendeu a algumas pessoas da cidade. Actualmente,
quem por ali passar, depara com quatro grandes casas, entre as quais se destaca
a do Dr. Pena de Almeida, um autêntico palacete. Depois, e nos três lotes
situados à direita da propriedade do Dr. Pena de Almeida, situa-se, primeiro
a casa do Eng. Cruz, ao lado, a casa do Eng. Tomás e por fim, no extremo da antiga quinta, a bela
Vivenda do Prof. Henriques. O acesso às casas é feito por quatro estradas alcatroadas
(com alguns buracos devido ao mau tempo) com cerca de 3 metros de largura e
que começam numa rotunda situada à saída da Vila, onde todos os dias um
simpático polícia sinaleiro dirige o trânsito, uma vez que a rotunda dá
acesso a três vias públicas além daquelas quatro particulares. Todos
os locatários da antiga quinta possuíam animais domésticos que durante o dia
andavam soltos. Para impedir que eles fossem para a estrada cada proprietário
colocou nas bermas da estrada que dava acesso à sua casa uma rede de buracos
largos com 1,75 metros de altura (atrás das casas não havia qualquer
obstáculo que impedisse a circulação entre os lotes). De 5 em 5 metros a rede
era presa num barrote de cimento com 1,90 metros de altura, pois poderia ser
preciso a qualquer momento elevar a rede. As estradas que davam acesso às
casas dos dois engenheiros e do professor tinham aproximadamente 600 metros
de comprimento; O Dr. Pena de Almeida não quis construir a sua casa tão longe
da Vila e assim a sua estrada tinha somente 300 metros, praticamente em linha
recta, aliás, corno sucedia com as outras três. No
entanto ergueu-a encostada ao lote mais próximo, de tal modo que só 3 metros
a separavam da estrada que conduzia a casa do vizinho. Mais ou menos na direcção da casa do doutor as estradas dos seus vizinhos
estavam separadas entre si cerca de 20 metros, pois nesta zona os lotes
afunilavam bastante. O Dr. Pena tivera um motivo para construir a sua casa naquele
local: Gostava de passar os tempos livres na varanda a ver os vizinhos
passarem de carro de casa para o emprego e vice-versa, além de outras
viagens, claro. O doutor estava reformado, passando agora a maior parte do
tempo no seu laboratório particular, onde estava por vezes dois e três dias
sem que Garcia, o seu empregado (única pessoa que vivia com ele), o visse,
pois vivia no outro extremo do palacete. Só atendia o doutor quando este o
chamava pelo telefone interno. O
Dr. Pena de Almeida tinha sido assassinado e foi mais ou menos com este
cenário que o Inspector Casquinha deparou quando iniciou
as investigações. Depois de registar todos os apontamentos dirigiu-se à Vila
para almoçar. Enquanto comia, reviu os acontecimentos desse dia 1 de Março de
1984 (dia de intensa trovoada, como sucedia desde alguns dias atrás apesar de
não chover). 9h:
Telefonema de Garcia para a polícia. 9,30h:
Chegada ao local acompanhado pelo médico legista. O corpo encontrava-se
estendido ao comprido de barriga para cima, distinguindo-se na testa um ferimento
provocado por uma bala. A cerca de 30 cm do corpo estava uma caneta de tinta
permanente e um pouco ao lado algumas folhas brancas sem nada escrito, em
cima das quais miava o gato de estimação do doutor. A varanda, onde se
encontrava o corpo, situada no 1.º andar (ao lado do laboratório) a 2m do
chão, tinha 3m de comprimento e 1m de largura, não possuindo grades (o doutor
receava que o gato caísse, segundo Garcia) mas um muro de guarda em todo o
seu comprimento e largura com cerca de 90cm de altura, estando situada no
lado direito do palacete. 10h:
Encontro da provável arma do crime (um revólver) no lote do Eng. Tomás, mas entre a sua estrada e a do Eng. Cruz e sensivelmente na direcção
da varanda. 11,30h:
Fim da análise laboratorial da arma. Não apresentou impressões digitais. O
depósito estava moderadamente brilhante, muito negro, gordo e húmido, ainda
com cheiro característico. Como reacção
característica utilizou-se a dos sulfuretos: Após a introdução de aceteto de chumbo a cor apresentou-se negra. Para
provar que o projéctil que matou o doutor (extraído
pelo médico legista) foi disparado pelo revólver encontrado, utilizou-se o
método da caixa de serradura (uso de uma caixa de 80cm de comprimento cheia
de serradura peneirada e molhada, separada em compartimentos de 15 cm por
folhas de papel que podem ser retiradas pela parte superior; disparando sobre
a serradura o projéctil correrá ao longo do
interior da caixa até se deter por perda de velocidade; depois retiram-se as
folhas a partir da boca da caixa até aparecer uma folha sem ter sido perfurada,
sabendo-se imediatamente o compartimento onde o projéctil
se deteve; por fim retira-se a serradura até encontrar o projéctil
isento de qualquer deformação). O exame foi positivo uma vez que o calibre, número
de ranhuras correspondentes às estrias, sentido de enrolamento das estrias,
inclinação, forma e peso, eram iguais ou muito idênticos (no caso dos três
últimos parâmetros) para os dois projectos. 11,45h:
Leitura do relatório do médico legista; segundo o qual e em síntese, às 9,30h
o cadáver encontrava-se completamente rígido devido à acumulação de ácido
láctico nos músculos, enquanto a ferida se encontrava rodeada de queimaduras
e tatuagens, não se verificando esfacelamento de tecidos que permaneceram nos
mesmos locais, embora queimados. 12h:
Declarações dos principais suspeitos. Todos afirmaram não ter ouvido o tiro,
decerto devido à trovoada. GARCIA:
– O doutor gostava de estar só e por vezes não o via durante 2 ou 3 dias.
Fazia a comida numa divisão do laboratório e só me chamava quando necessitava
de víveres. Hoje estranhei que ele não me chamasse, pois não o fazia desde
Domingo passado e fui ver se lhe tinha acontecido algo estranho. Quando
cheguei à varanda e deparei com o corpo e o gato a miar à sua volta, fui logo
telefonar à polícia, não tendo mexido em nada. A morte era evidente e o facto
de haver crime também. Já trabalhei na polícia e tenho experiência destas
coisas. ENG.
TOMÁS: – Tive alguns problemas com o doutor devido a uma vaca que invadia a
minha propriedade e matava as galinhas, mas não lhe queria mal. Cheguei Segunda-Feira
passada a casa, cerca das 18h e não voltei a sair por me encontrar adoentado,
até que os senhores me chamaram. Quando passei em fronte da sua casa vi o
doutor na varanda e até lhe acenei. Reparei que estava a escrevinhar qualquer
coisa. ENG.
CRUZ: – Como sucedia com o Tomás, também a vaca do doutor me trazia
problemas, pois atravessava o meu lote e danificava as hortas, além de às
vezes correr atrás dos cavalos. Claro que isso não era razão para o matar e
não tenho nada a ver com o assunto. Ontem regressei a casa cerca das 17h o
não vi o doutor à varanda como habitualmente. Tive de sair hoje às 3h da
manhã para ir resolver um problema na minha fábrica devido a avaria numa
máquina no turno da noite. Custou-me bastante sair de casa para ir à garagem buscar
o carro, pois devido à trovoada houve um corte na energia eléctrica
e estava uma noite sem luar. De modo que não se via nada na rua. PROF.
HENRIQUES: – Por vezes a vaca do doutor também vinha até à
minha propriedade, mas como eu também tenho vacas, o único prejuízo era a
ração que ela comia. Pensei em colocar uma cerca nas traseiras da casa, mas
para cercas bastam-me as da estrada e desisti da idéia.
Actualmente estou de férias e a trovoada assim como
os ameaços de chuva, tem-me retido em casa. Antes-de-ontem saí depois de
almoço, cerca das 14h, para ir à Vila, mas quando cheguei à rotunda desisti e
voltei para casa, tendo reparado que o doutor não estava à varanda. Ontem
voltei a sair à mesma hora, tomei a bica na Vila e regressei a casa, tendo
chegado cerca das 15h. Notei que o doutor não estava na varanda e até
estranhei, pois antes-de-ontem também não estava, como já disse. Pelo
que lhe era possível ver à distância, o polícia sinaleiro não se apercebeu de
nada de estranho que tivesse ocorrido junto da casa do doutor nos dias
anteriores, tendo confirmado as passagens pela rotunda dos dois engenheiros e
do professor às horas por eles referidas, excepto a
saída do Eng. Cruz às 3h da madrugada, como era
lógico, pois de noite não trabalhava. Curiosamente os dois engenheiros e o
professor viviam somente com empregados, tal como a vítima. Todos eles
confirmaram as estadias em casa, as saídas e entradas dos suspeitos às horas
por eles referidas, excepto a tal saída do Eng. Cruz às 3h. A falta de energia a esta hora foi
confirmada pelos serviços técnicos da empresa distribuidora. O
Inspector Casquinha acabou de almoçar. De repente
lembrou-se que… Sim era isso. O caso estava
resolvido! Pergunta-se:
1
– Quem matou o Dr. Pena de Almeida? 2
– Justifique, dizendo também a que dia e hora ocorreu o crime. |
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© DANIEL FALCÃO |
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