Autor Data 6 de Janeiro de 2012 Secção Correio Policial [14] Publicação Correio do Ribatejo |
O LIVRO ABERTO Sanctus Um
pouco antes das seis horas da manhã o inspector
Castro, da Brigada de Homicídios, esboçou uma atitude de alívio ao ver entrar
no palacete o homem que esperava. –
Ora ainda bem que veio, meu caro Tony Cooper. Esta
manhã acordei com uma enxaqueca dos diabos e tenho a paciência a zero graus.
Venha daí. Por
entre um cordão de polícias o inspector encaminhou
Tony Cooper para o local do delito. O “Enxaquecas”,
como mais tarde o jovem Cooper o cognominaria,
informou-o também de que não houvera roubo e de que o presumível autor do
crime teria sido uma das três pessoas encontradas na casa. A
vítima, o doutor Ernesto Sommel, de 55 anos, actualmente presidente honorário do Instituto Geral de
Astronomia e grande impulsionador da astrofísica no país, jazia deitado na
sua cama, com um pequeno punhal cravado mortalmente no peito. Numa das mãos,
cujo braço caía inerte para fora do leito, apertava um livro aberto.
Tratava-se de uma obra intitulada “No Mundo da Prostituição”, sem gravuras,
no entanto… –
Aí está um facto estranhou – atalhou Cooper. –
Conheci muito bem este homem e não o concebo a perder tempo com este género
de literatura. Era um homem íntegro, austero nos seus princípios, na verdade
um tanto ou quanto antiquados. –
Tem razão, o livro não lhe pertence. Veja isto, meu caro: Com
efeito, na primeira página branca do livro, estava escrita a esferográfica
esta incompleta dedicatória: “Ao
caro flaviense, Doutor…” O
restante estava ilegível. O
crime foi perpetrado cerca das quatro horas da madrugada de hoje, Tony, e só
existem neste caso três pessoas suspeitas. O melhor será ir ouvir o que têm
para nos dizer. Passaram
a uma grande sala. O inspector pediu que cada
pessoa se identificasse e justificasse a sua presença no palacete. Principiou
por falar a governante da casa: –
Chamo-me Justina e trabalho nesta casa há cerca de vinte anos. Ontem, como
estava com gripe, passei o dia na cama. Talvez por isso, ainda estava
acordada quando me pareceu que o senhor doutor me chamava. Vi luz no seu
quarto e dirigi-me para lá. Então, quando cheguei à porta, tive de fugir,
horrorizada, pois logo vi que o senhor doutor estava a esvair-se em sangue e
tinha qualquer coisa cravada no peito. Julgo que gritei bastante antes de
desmaiar. Depois, só me lembro de estar aqui. E aqui tenho estado. De
seguida adiantou-se um homem de meia idade: –
Chamo-me Leopoldo Duque, parente afastado do doutor Sommel.
Sou advogado. Cheguei ontem à tarde de Chaves, onde resido, para, a pedido do
doutor, elaborar o seu primeiro testamento. Dialogámos até cerca das duas da
manhã e depois o doutor indicou-me o quarto. Acordei mais tarde, aos gritos
da governante, e corri a inteirar-me do que se passava. Ajudei a trazer a
senhora para esta sala e, de seguida, telefonei para a Polícia. Por
último, o mais jovem dos presentes, declarou: –
Chamo-me Flávio Sommel, sobrinho do doutor Sommel. Sou professor liceal e cheguei ontem à noite de
Lisboa, porque meu tio pretendia falar comigo. Como era já tarde quando
cheguei, o meu tio indicou-me o quarto e adiou a nossa conversa para o dia de
hoje. Acordei também com os gritos da senhora Justina e ajudei o doutor
Leopoldo a trazê-la para esta sala. Mais
uma vez, o inspector dirigiu-se à governante: –
Minha senhora, como está nesta casa há tantos anos, pode informar-nos se,
ultimamente, notou no doutor Ernesto gosto pelo género de literatura que
estava a ler? –
Nunca, senhor inspector! Esses vergonhosos livros
nunca entraram cá em casa. O senhor doutor era uma pessoa séria. Visivelmente
perturbado, Flávio Sommel interrompeu: –
Não vejo, inspector, que relação possa ter esse
livro… Mas,
com ar grave, também o doutor Leopoldo decidiu intervir: –
Esse livro, inspector, veio ontem para esta casa e
posso dizer-lhe quem o trouxe… –
Antes de mais – cortou o inspector – agradeço que
nos diga se o testamento foi ontem elaborado. –
Bem… não! Falámos bastante sobre o assunto, mas seria hoje que se faria o
documento. Após
estas palavras, o silêncio reinou durante alguns minutos. Tony Cooper, que aparentemente estivera todo o tempo
distraído, ignorou o olhar de censura do inspector
e bateu-lhe amigavelmente nos ombros, dizendo-lhe com uma voz ainda
sonolenta: –
Vou aliviar-lhe a dor de cabeça, meu caro; o livro já nos indicou o
assassino… Pede-se:
Com base no que ficou dito, dê-nos a sua opinião quanto à identidade do
possível assassino, explicando como é que o livro pode ter indicado a
identidade daquela a Tony Cooper. |
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© DANIEL FALCÃO |
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