Autor Data 13 de Março de 2016 Secção Policiário [1284] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2016 Prova nº 2 (Parte II) Publicação Público |
A MORTE DA DONA CIDÁLIA Selma Quando os agentes arrombaram
a porta já estavam mais ou menos a contar com o que iam encontrar e por isso
não deixaram ninguém aproximar-se, mantendo a vizinhança no piso de baixo. Tudo começou quando uma
vizinha estranhou que a D. Cidália, uma velha inquilina de várias décadas,
não desse sinal de vida, apesar de ela bater insistentemente à porta: – Pensei que lhe tinha dado
alguma coisa, nós ouvimos tantas histórias de pessoas que morrem sozinhas em
casa com ataques do coração e outras coisas, que até ficamos logo a pensar… Afinal, como a polícia
verificou, não foi um ataque cardíaco, mas sim um ataque violento que vitimou
a idosa, trespassada por golpe certeiro desferido com uma faca de lâmina bem
afiada, cravada nas costas. Confirmaram que nada havia a fazer pela pobre senhora
e aguardaram serenamente pela chegada do inspector
da Judiciária e dos membros da equipa técnica que ia efectuar
a recolha de provas. Uma busca ao local revelou
desde logo que a casa não tinha grandes condições de habitabilidade, as
paredes estavam degradadas pela humidade e as duas únicas janelas, uma que
dava para um pátio interior e outra que dava para a rua, estavam ambas
trancadas por dentro, o que tornava a casa bastante bafienta, pela falta de
circulação de ar. Não havia sinais de luta. A
senhora fora certamente apanhada de surpresa e trespassada com um único
golpe, caindo de bruços. Não havia sinais de ter sido arrastada ou movida da
posição em que caiu. A porta foi arrombada pelos polícias, já que estava
fechada, não apenas no trinco, mas com duas voltas. A chave não estava metida
na fechadura, mas sim depositada em cima de um aparador, perto da mala da
vítima, onde estavam diversos objectos pessoais e
uma carteira com algum dinheiro, já que recebera na véspera a sua pensão. Rapidamente o inspector chegou a três pessoas que poderiam ter motivos
ou que estiveram com a vítima nas horas anteriores ao desfecho, que foi
ouvir, em separado, na casa da vizinha do rés-do-chão, a D. Eleutéria, que
foi quem deu o alarme à polícia e que afirmou no seu depoimento: – Senhor inspector, eu era amiga da Cidália e costumávamos ir as
duas ao mercado, à mercearia, à missa, eramos amigas e como não temos mais
ninguém, apoiávamo-nos uma à outra, sabe como é… Ontem à noite estivemos na
casa dela a ver televisão, bebemos chá e comemos uns bolitos, mas quando vim
embora já o senhor Castro, que mora aqui em cima estava a reclamar à porta
que estávamos a fazer muito barulho! Veja lá, o homem estava sempre a
reclamar do barulho que a Cidália fazia, uma mulher que vivia sozinha que
barulho podia fazer, diga-me cá? Barulho faz ele, que eu apanho cá em baixo,
só a ressonar parece uma trovoada! A Cidália só fechava a porta à chave à
noite e deixava a chave na fechadura, para poder abrir a porta e fugir se
houvesse alguma coisa, um incêndio ou coisa assim. Na noite passada, ela
ficou nas escadas à espera que eu chegasse à minha
casa, como fazia sempre e quando eu cheguei disse-lhe que estava tudo bem e
ouvi-a a fechar a porta. Só hoje de manhã estranhei não aparecer e foi então
que chamei a polícia. Não entrei em casa, não me deixaram, só me disseram que
estava morta, coitada. Deu-lhe alguma coisa… já não somos novos… O vizinho Castro, não foi
nada meigo no depoimento que fez: – Coitada dela, mas era
muito impossível no trato. Não se conseguia aturar e a mania de fazer barulho
a qualquer hora deixava-me desesperado. Às vezes dava-me uma gana de ir lá
acima e dizer-lhe das boas, mas enfim, já lá está, não é? A última vez que a
vi foi ontem à tarde, mas ainda a ouvi à noite, quando veio despedir-se da
amiga às escadas. Ouvi-as a trocarem despedidas e cada uma delas fechou a sua
porta, isso, eu ouvi porque fizeram um barulhão dos diabos. O senhor inspector desculpe, mas não tenho pena nenhuma e pode ser
que agora eu tenha descanso… Nunca entrei em casa dela, era só o que faltava,
queixava-me do barulho quando ela passava à minha
porta. Já não a podia aturar… Ela fechava sempre a porta à chave, eu ouvia-a
a rodar na fechadura, disso tenho a certeza… O senhorio, que morava no
prédio ao lado, mostrou-se abalado com a notícia… – Não esperava isto… Já
muitas vezes tinha dito à D. Cidália que não devia ter aquelas facas na
cozinha, mas pensava sempre que pudesse acontecer algum acidente e ela
cortar-se ou coisa assim, porque já era uma pessoa de idade e a usar aquilo…
Nunca pensei que pudesse acontecer uma coisa destas, nesta casa e neste
bairro que é tão pacato. Agora é que vão ser elas para conseguir arrendar a
casa outra vez, vão todos começar com a conversa do assassínio da D. Cidália…
Não vai ser nada fácil… Sim, tenho uma chave de todas as casas, mas não sei
se os inquilinos mudam as fechaduras ou os canhões. A D. Cidália ainda tinha
a mesma, foi pena terem arrombado a porta, agora vou ter mais uma despesa… O Inspector
releu os seus apontamentos e já tinha a ideia de quem estava envolvido na
morte da senhora… 1 – D. Eleutéria; 2 – Sr. Castro; 3 – Senhorio; 4 – Alguém vindo de fora. |
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© DANIEL FALCÃO |
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