Autor

Autor não identificado

 

Data

Junho de 1981

 

Secção

XYZ-Policiário [9]

 

Competição

I Campeonato Nacional de Problemas Policiários

Problema nº 6

Etapa de Famalicão

 

Publicação

XYZ-Magazine [13]

 

 

UM CASO ESCURO…

Autor não identificado

 

Domingo, 23 de Outubro de 1979. Onze e quarenta e cinco da noite. O inspector Mendonça já se encontra no seu maravilhoso «mundo dos sonhos», que é, segundo ele, uma das maiores maravilhas da natureza humana. No entanto, esse seu insubstituível lazer, depressa seria interrompido pelo impertinente tocar do telefone, que (quem diria!), o próprio inspector mandou instalar bem perto do seu leito (!…), alegando – segundo se sabe – a possibilidade de uma chamada urgente, que na vida de um inspector acontece com frequência… Na realidade, como adiante observaremos, tratava-se de mais um desses casos…

– Estou!

– …

– Sim, o próprio…

– …

– Que diz? Um assassínio?

– …

– Donde fala?

– …

– Claro, claro. Sigo de imediato para aí.

Que raio – murmurava – mais um caso de assassínio. Bom… mas que se há-de fazer? Tenho que investigar, é o que me compete…

Apressadamente se vestiu, e do mesmo modo, se dirigiu no seu «Datsun 1200», para o local do crime (um pouco a custo, diga-se de passagem, pois que só tinha um farol em acção, e por coincidência, a noite estava «escura como breu»… no entanto, lá chegou sem problemas…). Passados uns bons 13 quilómetros:

– Caramba! – exclamou – até que enfim! Bom, acho que é aqui a direcção… Mas, se não me engano… Tão deserto… Sim claro! Não há dúvida, aqui é a habitação do sr. Guedes da Silva, o famoso industrial. Bom, vamos lá ver então do que se trata…

E, um pouco relutante – acrescente--se – o inspector Mendonça tocou a campainha do portão do jardim (inerente a uma mansão daquelas. Três andares!… Em suma, um edifício a considerar…) até que, por fim, surgiu um homem pequeno e balofo (quem sabe, diabético…), aí de uns 50 e poucos anos, na porta da vivenda. Deu uns bons dez passos e acercou-se do portão, abrindo-o, e simultaneamente indagando:

– O senhor será, presumo, o inspector Mendonça, não é verdade?

– Sim! – respondeu. – É verdade, o inspector em pessoa.

– Bom, então, acompanhe-me, por favor.

Após uns segundos de silêncio, para «entabelar» conversa e ainda recordando o caso do seu farol sem luz, o inspector disse:

– Estão fornecidos de uma boa iluminação, na verdade…

– Sim, confesso… Mas só nesta parte frontal da casa, nos outros sítios, como é lógico, não é necessário iluminação… Na cidade, ainda vá lá…

Já entrando em casa, o inspector indagou:

– Então sr.…

– Luís Gonzaga – elucidou o criado da casa.

– …sr. Gonzaga – continuou o inspector de que se trata?

– Sr. Inspector – disse vagarosamente – de um caso lastimável e totalmente irreparável: mataram o nosso bom e querido patrão, o sr. Guedes. Nem posso acreditar – acrescentou com um gesto de inconformidade. Meu Deus!…

– E em que circunstâncias? – perguntou o inspector, após ter lamentado.

– Como vai poder confirmar, em circunstâncias verdadeiramente impressionantes… É já aqui, no seu próprio quarto… Espere, tenho que acender a luz… Entre…

– Vejamos então –disse o inspector entrando no quarto. – Mas, onde se encontra o corpo? – inquiriu.

– Ali – apontou. – Na varanda que dá para trás da casa.

Ali, de facto, se encontrava o cadáver do sr. Guedes da Silva, numa posição verdadeiramente acrobática: o tronco e os braços pendentes para a parte de fora da varanda, sustentados pelo gradeamento da mesma, e os membros inferiores na parte de dentro. Somente em roupa interior e descalço…

Numa observação de fugida o inspector reparou também na cara da vítima: praticamente irreconhecível… O sangue pingava, melancólico…

– Que acha, inspector? – arriscou o Luís. – Na minha opinião o tiro veio de fora. Pela posição…

– Sim, talvez… – respondeu pensativamente. – Quem sabe.

Após reconhecer a inexistência de algo mais a assinalar, o inspector indagou:

– Não tocaram em nada, não é verdade?

– Não, não! Claro que não!

– Fizeram bem, não há dúvida. Olhe, já agora, ajude-me a remover o corpo para dentro, por favor.

Já dentro do quarto, os olhos perscrutadores do inspector continuavam a observar: um luxuoso compartimento, no 3º andar da mansão, com uma mobília de estilo antigo e, claro, inerente a uma sala daquela envergadura. Na mesinha de cabeceira um livro aberto «Os Três Mosqueteiros»… Um clássico… Junto a este, um copo meio de água, umas aspirinas…

No lado esquerdo da grande cama, distanciada desta uns 3 metros, a porta com acesso à varanda; à direita, o guarda-roupa e encostado a este duas novas muletas (esquisito…); logo encostado a estas, uns chinelos de homem. Em frente à cama um psyché, com os respectivos tamboretes. Ao fundo do quarto, um grande quadro representando a pintura a óleo, a falecida esposa do sr. Guedes. Ao longo da parede, imediatamente, à esquerda da porta de entrada, uma grande estante, sustentando uma enorme quantidade de bons livros. Um cenário impecável para o desenlace de um crime… No entanto, aquela ausência total de pistas irritava sobremaneira.

 

Após mais detalhadas investigações, o inspector apurou a existência de mais 3 pessoas que naquela noite poderiam ter cometido o crime: o sobrinho da vítima, o sr. Francisco Silva; o sócio da vítima, o sr. Vilas-Boas, e a criada, a mulher do sr. Luís, a srª Orquídea.

Mais informações vieram pela chamada do dr. Américo Pires, amigo do inspector, e médico legista, que afirmara o seguinte:

a) A morte ocorrera entre as 22.30 e as 23.30 horas…

b) A morte fora instantânea…

c) A morte fora causada pela profunda lesão no cérebro causada pela penetração de dois projécteis…

Após a recepção destas informações, o inspector, separadamente, obteve as declarações dos suspeitos já indicados, em resposta às seguintes questões:

– O que fez, e onde esteve entre as 22.30 e as 23.30 horas?…

– Quando foi a última vez que viu o sr. Guedes?…

– Não ouviu nada de especial entre esse espaço de tempo?…

O primeiro a responder a estas questões foi o já conhecido sr. Luís Gonzaga:

– Bom, entre as 22.30 e as 23.30 horas, eu encontrava-me na cozinha com a Orquídea, minha mulher, a conversar. Nada de especial aconteceu, até que às 23.25 passou pela cozinha, no r/c, o sr. Francisco, que saiu pela porta das traseiras, e que após uns 20 s. apareceu desnorteado, a correr e a gritar, dizendo que o sr. Guedes estava morto.

Primeiro, corremos todos lá fora e realmente, como já verificou, desviado à esquerda da porta, uns 6 metros, apalpando-se sentia-se o sangue, ainda humedecido, no pedaço de cimento, perto da grande nogueira. Fui, então, rapidamente, buscar a lanterna, apontei para a varanda, e, na verdade, lá estava o corpo do sr. Guedes.

Depois, deliberadamente, corremos pelo jardim, à procura de algo, ou de alguém, e na verdade lá encontrámos, atrás de uns arbustos, perto do caminho de cimento, duas piriscas de cigarro. Ora, cá em casa, ninguém fuma, nem sequer o sr. Vilas, o sócio do meu patrão…

Foi então que, após a descoberta, subimos ao quarto do sr. Guedes e deparámos com aquela monstruosidade. Inclusive, a minha mulher até desmaiou perante aquela cena, pelo que até a levámos para o quarto contíguo, para reanimar. Depois eu ia já a pegar no cadáver, mas o sr. Francisco não deixou, pois alegou que num caso destes nunca se devia mexer em algo até à chegada de urna pessoa apropriada.

Foi por isso que ligou para o sr. Mendonça. Logo após, eu fui para a beira da Orquídea e o sr. Francisco para o seu quarto.

Na verdade, eu e a minha mulher não tínhamos o mínimo motivo para o matar. Claro que éramos mal pagos, e havia muito trabalho… Mas isso não pesava tanto ao ponto de… A última vez que o vi foi quando lhe servimos o jantar, às dez e um quarto, a ele e ao sr. Vilas, que também cá jantou.

Não, não ouvi nada de especial…

– Muito obrigado – agradeceu o inspector. – Se o sr. Vilas já tiver chegado, mande-mo entrar, por favor.

– Sim, já chegou. Sr. Vilas! – chamou – pode entrar.

Logo após, apareceu um homenzinho de aspecto interessante, talvez na casa dos cinquenta…

Depois dos cordiais cumprimentos, o sr. Vilas respondeu prontamente:

– Bom, eu cheguei, como o Luís pode confirmar, às 21.15 para jantar, e relatar tudo o que se passou ontem de manhã (de tarde não trabalhamos) na nossa fábrica, ao Guedes (visto que a este, desde aquele fatal acidente, que lhe inutilizara a sua perna, era-lhe impossí…).

– Ah! Não sabia! – interrompeu um pouco estupefacto o inspector. – Então o sr. Guedes tinha partido uma perna num desastre! –  exclamou novamente.

– Sim, senhor inspector, é verdade. Até veio nos jornais de 10-10-79, foi um violento acidente. Inclusivamente o Lopes, o motorista, morreu…

– Não, não sabia… Na verdade, nem reparei nesse pormenor… Ninguém, agora, nem antes, mo disse, também…

– Bom, mas como ia dizendo – continuou –, vim para jantar, o que aconteceu uma hora após a minha chegada. Depois, aí por volta das 11.09, parti para casa no 32, estava um pouco demorado e… finalmente, aí há meia-hora atrás, recebi o telefonema e aqui estou…

 Não, não ouvi nada de especial. Mas também todo o tempo que eu aqui estive passei-o junto dele e nada, garanto que nada, de estranho se passou à nossa volta. Depois, quem sabe… A última vez que o vi foi às 11.00 quando o acompanhei ao quarto e me despedi.

Mas eu jamais mataria o Silva, apesar de agora vir a usufruir de 75% do lucro da fábrica… Mas isso nunca me passou pela cabeça! Nunca!

– Muito obrigado, sr. Vilas-Boas; pode retirar-se. Boa-noite.

Ah! Sim! Chame-me o sr. Francisco, por favor.

Logo de seguida, apareceu um homem forte, alto (um 1,78), pela aparência, 20 e poucos anos.

– Bom, eu estive no cinema e cheguei às 11.10 (até me encontrei com os Sousa, os vizinhos, que me perguntaram as horas). Entrei pela porta da frente, e subi ao meu quarto, no 3º andar, para ir buscar uns dinheiros, pois, de seguida, tencionava ir ao Casino.

Não, não procurei o tio. Sim, claro já podia estar morto.

Mas desci novamente à procura do pessoal, visto ter que sair e não querer deixar o tio só, pois, como já sabe, era um velho nédio, e, ainda por cima, o caso da perna…).

Fui encontrar, então, o sr. Luís e a esposa conversando desorganizadamente…

Bom, mas eu motivos não tinha praticamente nenhuns. Claro, agora recebo uns 25 % da fábrica, que já vai dando para as minhas extravagâncias. E também, eu e o velho não tínhamos pontos de vista semelhantes, de como encarar a vida, e às vezes via-me à «rasca», para pagar as minhas dívidas por causa dele, etc.…

– Mas nunca eu faria algo tão, tão abominável.

– Depois às 11.25 saí pelas traseiras e foi então que vi o tio naquela posição…

(O resto desta narração foi, por outros termos, igual à do criado).

A última vez que o vi foi ao almoço.

Enquanto na minha presença, não, não ouvi nada de especial.

– Muito obrigado, sr. Francisco. Chame-me, por favor, a srª Orquídea. Boa-noite.

Apareceu uma senhora muito magra, acusando uns 60 anos, muito estranha…

– Por favor, sr. Inspector, não me mace muito que eu detesto confusões e estou muito nervosa. De resto, tudo o que tenho a declarar já o disse o Luís, de certeza. Na verdade, hoje, com estes aborrecimentos todos, já chegou para o susto. Agora, claro, já sei que vamos ficar desempregados, pois isto tudo fica com o sr. Francisco e a nossa opinião acerca dele não é a melhor, de maneira que…

Mas, não perdemos muito, para o que nos pagavam…

Não, não ouvi nem sequer um estalo, que fará um tiro!

A última vez que o vi foi ao jantar, aí às dez e um quarto.

(Tudo o mais que declarou não passou de uma repetição integral do que disse o sr. Luís Gonzaga. Já se ia embora quando de repente):

– Olhe, sr. Inspector, se quer uma boa opinião, escute: o assassino é de fora e o sr. Guedes da Silva foi morto do jardim. Pronto, já disse tudo!

 

Após todas estas declarações, o inspector pensou um pouco, não muito, não era necessário… Era mais um caso resolvido… Então, sorridente, acercou-se dos suspeitos e desmascarou….

 

Desafio os concorrentes a responderem:

a) Quem, na sua opinião, o nosso inspector desmascarou?

b) Explique convenientemente o que afirmou, reconstituindo também a cena do crime.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO