Autor

Sete de Espadas

 

Data

Novembro de 1976

 

Secção

Enigma Policiário [8]

 

Competição

Torneio de Abertura

4º Problema

 

Publicação

Passatempo [30]

 

 

 

 

 

 

 

Solução de:

ELE, NÃO ATIRARA PARA MATAR!…

Sete de Espadas

Solução (parcial) de Jomape

1 – Se fosse encarregado de investigar o caso, não teria quaisquer dúvidas em soltar Jorge Reis, pois a sua posição em relação à vítima é incompatível com a trajectória da bala que provocou a morte instantânea.

Incompatibilidade posicional dupla, como vamos demonstrar:

a) – Jorge Reis, na porta de saída do átrio do «Café Chave d’Ouro», contando com o degrau para o passeio e com o próprio passeio, não poderia encontrar-se mesmo numa posição de ataque-defesa, em nível inferior ao da base do crâneo da vítima, condição indispensável para que a bala, por aí entrando, se alojasse no cérebro do assassinado.

b) – Por outro lado, o disparo de Jorge Reis, seguindo-se ao da vítima, como se prova na reconstituição do tiroteio, mais à frente, não poderia encontrar a base do crâneo de quem estava, muito naturalmente, a olhar de frente para aquela arma.

Para além desta dupla incongruência, também o pormenor do vidro estilhaçado da janela do alto primeiro andar do prédio em frente não deixa de ser importante, na medida em que, não se vislumbrando qualquer outra explicação, se terá de admitir que esses estilhaços foram provocados pela bala disparada por Jorge Reis.

2 – Na reconstituição da cena do tiroteio consideramos fundamental a análise da gradação dos estampidos dos disparos, descrita por quem se encontra mentalmente na porta de saída do «Café Chave d’Ouro»: Jorge Reis «num repente, fez dois gestos bruscos»; «leva a mão esquerdo à altura da aba do chapéu», certamente num gesto instintivo de defesa, ao ver disparar contra si e ao ouvir o zunido da bala passando ao lado ou por cima, e saca da sua pistola, tudo isto «enquanto soa bem nítido um tiro», aquele que foi disparado pela vítima, sem dúvida alguma, comparando o seu estampido com os seguintes, além de ser o único que poderia entrar pela porta do Café, fazer ricochete na armação metálica do elevador, indo levantar o estuque da parede à esquerda da escada. Recordemos que a posição do carro, em frente da porta, e a chuva violentíssima que caía, formando aquela autêntica cortina translúcida, eliminam, só por si, quaisquer outras hipóteses.

E, ouve-se «o estampido violentíssimo de um segundo (tiro) logo em cima (de seguida)», correspondendo este tiro ao disparo ali mesmo por Jorge Reis. Esta bala irá passar por cima do carro e estilhaçar o vidro da janela do primeiro andar em frente, facto não muito surpreendente em quem não está habituado ao manejo duma pistola (recorde-se que Jorge Reis havia pedido aquele a um amigo) e não pode avaliar, portanto, as alterações de direcção provocadas pela tomada duma posição de ataque-defesa, e, também, em quem confessa «que não atirara para matar», sem que algo venha pôr um dúvida essa afirmação.

Note-se que a descrição das conclusões do exame pericial no que se refere aos furos detectados nos dois vidros das portas da frente do carro (que estavam subidos), apenas nos assegura a existência de dois furos, pois a afirmação de que encontravam «a igual distância dos bordos de borracha onde encaixavam dez centímetros (este pormenor pode explicar, entretanto, o não estilhaçamento dos vidros); o da esquerda a contar de baixo e o da direita a contar de cima» é perfeitamente inócua para o caso, na medida em que é compatível com inúmeras posições dos furos dos vidros.

De resto, se o primeiro tiro foi disparado de dentro do carro, está explicado o furo do vidro do lado esquerdo; se a bala disparada por Jorge Reis vai partir o vidro da janela do alto primeiro andar do prédio em frente, não poderia, numa rua tão estreita. Ter atravessado o carro, além de que teria provocado segundo furo no vidro do lado esquerdo.

Mas, continuemos com a análise do estampido dos disparos: «e depois um terceiro (tiro), menos barulhento, mas percebendo-se bem que fora um tiro». Donde foi disparado este tiro? Recordemos, a propósito, que ainda não encontramos a explicação para a bala assassina, nem para a existência do furo do vidro da janela direita do carro. No entanto, se este terceiro tiro soou menos nítido que o primeiro, disparado de dentro do carro, podemos concluir que teria sido disparado do lado de lá do carro, e, muito naturalmente, tendo em conta que os vidros fechados teriam amortecido o barulho do primeiro tiro, que esse terceiro tiro foi disparado da entrada de um dos edifícios habitacionais, ao lado do Café Nacional, por uma porta entreaberta.

Esta a única hipótese que encontramos para explicar, sucessivamente, a gradação dos estampidos, a existência do furo na janela do lado direito do carro e a trajectória duma bala que entra pela base do crâneo e se aloja no seu cérebro: a vítima estaria, não só voltada para o seu lado esquerdo, visando Jorge Reis, como também, possivelmente, com a cabeça um pouco inclinada para a frente, tudo concordante com a posição do criminoso, além de que o impacto duma bala com tal trajectória corresponder ao pormenor da cabeça da vítima ter descaído para o seu lado esquerdo, sobre as costas do banco.

Mas, sabendo-se donde foi disparado o tiro, restaria averiguar quem a disparou. Tal não é possível, sem entrarmos no campo das hipóteses.

3 – Na «pesquisa de dados e provas» terá escapado muita coisa, propositadamente, claro, pois em contrário não haveria problema.

De facto, tendo sido disparados três tiros, ninguém se preocupou em encontrar duas balas (a que fez ricochete na armação metálica do elevador e a que estilhaçou o vidro da janela em frente); ninguém se preocupou, também, em encontrar a terceira cápsula (uma estaria junto à porta do «Café Chave d’Ouro»; outra foi encontrada no tapete do carro, junto aos pés da vítima; e a terceira?); ninguém se preocupou em confirmar (o pormenor dos estampidos dos disparos é concludente) que a pistola de Jorge Reis apenas havia disparado uma bala (quanto à pistola da vítima, apenas foi encontrada uma cápsula dentro do carro), para confirmação da existência duma terceira pistola; ninguém se preocupou em confirmar, pela análise laboratorial, que o tiro mortal não havia sido disparado por qualquer das pistolas apreendidas.

© DANIEL FALCÃO