Autor

Sete de Espadas

 

Data

21 de Janeiro de 2021

 

Secção

Policiário [55]

 

Publicação

Sábado [873]

 

 

TRÊS ARMAS DISPARARAM…

Sete de Espadas

 

Dois vultos recostavam-se no alpendre da característica TAVERNA NEGRA, agora fortemente iluminado. Ela, esplêndida de beleza e juventude, cabelos louros soltos ao vento, sorria maliciosamente. Ele, de porte correto, olhava-a num misto de carinho e admiração.

Diziam as más-línguas, que Divonne, a linda esposa do embaixador da Sinésia, mantinha um romance de amor com o jovem escritor Phillip Carr – cujos romances eram disputados por multidões.

Para lá do alpendre, na fita negra da estrada, fortemente batida pelo vento e pelos aguaceiros daquela extemporânea trovoada dos fins de Agosto, esperava-os o potente e bem delineado “torpedo” do escritor.

Minutos antes, lançado como um bólide pela estrada que sai de Bordeaux e passa junto à TAVERNA NEGRA, indiferente à intempérie, seguia um potente carro negro e nele, de sobrecenho carregado, maxilas cerradas e mãos enclavinhadas no volante, o conhecido e distinto capitão-tenente Gilbert Rouhen, a quem o país devia o estranho invento do “submarino aquático-terrestre…”. E Gilbert pensava naquele estranho telefonema… E diziam também as más-línguas, que Gilbert, odiava, com um ódio de morte, o romancista Phillip Carr… As altas esferas, por sua vez, temiam o evidente contacto que existia entre Rouhen e essa sereia estonteante e perturbadora, que era a esposa do Embaixador estrangeiro…

Quando a noite já há muito tinha caído e com ela a enervante tempestade de Verão, um carro escuro seguia a pouca velocidade, pelo desvio da estrada que a poucas centenas de metros cruza com a estrada de Bordeaux, para além da TAVERNA NEGRA… Ao volante desse carro, preocupado com estranhos pensamentos, o Embaixador de uma potência estrangeira – que é, às vezes, um espião autorizado…

A poucos quilómetros da TAVERNA NEGRA e a caminho de Bordeaux, numa curva caprichosa da estrada, Phillip nota com assombro que à sua frente está parado um carro, ligeiramente atravessado na estrada, a meio da curva, e com os farolins apagados. Solícito, Phillip para o seu carro, sai e avança pela estrada para prestar auxílio…

De repente, numa sucessão estranha e terrível, os relâmpagos aliam-se a fortes trovões; os raios descem para a terra em ziguezagues estonteantes, como se tudo aquilo estivesse possuído de terrível magia e fosse uma horripilante visão do inferno… 

Depois silêncio… um silêncio que fazia calafrios, no intervalo duma tempestade de verão – presságio de morte, cortado violentamente pelo escape aberto dum carro que se afasta a toda a velocidade, a caminho de Bordeaux, farolins apagados…            

Na fita negra da estrada – agora iluminada pelos faróis de dois carros… - estendido de bruços, o corpo do romancista Phillip Carr

À volta deste complicado caso, todos os “repórteres do crime” especularam aos seus jornais, com títulos a toda a largura das páginas.

Um dizia: “Uma bala perdida no interior dum carro?”, referindo-se ao carro de Phillip, que no lado direito do pára-brisas tinha um furo de bala, a 38 cm da porta, cujo vidro estava descido. Por mais que se procurasse no interior do carro, não foram encontrados vestígios de penetração ou impacto.

Um outro, em três edições sucessivas, dizia: “Três armas, cujas linhas de fogo intercetavam o mesmo alvo…”; “Fogo cruzado… numa curva!”; “Três conhecidas personagens, fazem fogo “sincronizado” com a tempestade…!” Transcrevia as declarações de todos eles, onde cada um afirmava que disparara a sua arma, nada mais acrescentando quanto à direção do tiro.

Um terceiro, talvez humorista, dizia: “Um carro com dois orifícios feitos por balas… mas só uma aparece”. Este repórter, seguindo a pista do carro fugitivo, veio a fornecer valiosos elementos para o processo, porquanto, foi ele que descobriu o carro de Rouhen e verificou um furo de bala no vidro da porta do lado esquerdo, junto ao volante e no banco de trás, a penetração de uma bala, junto ao suporte do braço do lado esquerdo, a qual se foi alojar do lado oposto, junto à extremidade do outro suporte. 

O quarto, fazia a seguinte pergunta: “De onde partiu o tiro que vitimou Phillip Carr?” Depois espraiava-se em comentários acompanhados por um grande croquis de curva, com três carros, o corpo do romancista e as possíveis trajetórias das balas – uma das quais também tinha atravessado o pára-brisas do carro do embaixador – assegurando com toda a convicção que sabia, como e para quem tinham atirado cada um dos suspeitos – deixando antever nas entrelinhas, a posição da arma assassina. 

Do relatório de um perito, constava o seguinte:

– A vítima foi atingida por duas balas, uma das quais provocou morte imediata, atravessando-lhe o cérebro e a outra raspou transversalmente o braço esquerdo, passando entre este e o corpo a 5 cm acima do cotovelo, fazendo dois furos no casaco e um esgaçamento no tecido da camisa.

Por mim, resta-me dizer-lhes meus caros Colegas, que o nosso conhecido “detective particular” Alexis Smith, de passagem por França, escrevia numa das suas cartas: – “Com os dados que te envio – eu juro que os transcrevi todos – poderás fazer uma solução absolutamente correta e responderes com segurança às seguintes perguntas” – que eu também transcrevo na íntegra:

1ª – RECONSTITUI A CENA DO CRIME.

2ª – INDICA-ME A TRAJETÓRIA DAS BALAS E QUAL O OBJETIVO DE CADA UM DOS QUE DISPAROU.

3ª – FINALMENTE, INDICA-ME O CRIMINOSO.  

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO