Autor Data 7 de Setembro de 2014 Secção Policiário [1205] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2014 Prova nº 8 (Parte I) Publicação Público |
O CÚMULO DA VELOCIDADE Verbatim O
Inspector Flávio Alves perguntou ao agente Dias se
ele sabia qual era o cúmulo da velocidade e, sem esperar pela resposta,
acrescentou: “É um tipo fechar uma gaveta à chave e conseguir guardar a chave
lá dentro. Quer dizer, aqui ou houve suicídio ou o homicida saiu do gabinete
e conseguiu deixar a chave lá dentro depois de a utilizar para fechar a
porta.” Dias riu-se com gosto enquanto metia dados no computador sobre o caso
que estavam a tratar. Naquela
manhã, Esteves Jonas, um dos fundadores e sócios da firma “Dreams & Dreams”, produtora
de aplicações para telefones e tablets, foi
encontrado morto no seu gabinete. A porta fora arrombada por colegas quando
verificaram que ele não atendia qualquer alerta ou chamada. Mal entraram
perceberam que a situação era grave e que Jonas, possivelmente, se suicidara.
Por mútuo entendimento recuaram, sem tocarem em coisa alguma, solicitando a
presença urgente de um médico e da polícia. Flávio
Alves pôde concluir, por cruzamento de dados, que a cena da tragédia não fora
afectada. Jonas estava caído no soalho com um
ferimento no peito, junto ao coração, característico de tiro à queima-roupa.
Mesmo ao lado, o costado almofadado de uma cadeira apresentava um rasgo
curto, ladeado por restos de sangue e de tecidos orgânicos do morto. Nas
costas da vítima notava-se o buraco por onde saíra o projéctil.
A posição do corpo e os sinais deixados na cadeira levavam a concluir que
Jonas estaria sentado quando ocorreu o disparo, tendo caído logo a seguir.
Muito perto, e também no chão, via-se uma pistola que, conforme se confirmou,
fora a que disparara a bala fatídica, a qual, por seu turno, se encontrava
encravada no soalho, mesmo atrás da cadeira, a cerca de um metro de distância
desta última. A morte, segundo o médico, teria ocorrido entre as oito e as
nove da manhã. Na mesa de trabalho de Esteves Jonas, estava a chave do
gabinete, de tipo vulgar, semelhante às que existem nas portas interiores da
maioria das casas, mormente as antigas, como era a do presente caso. Dentro
do gabinete, cuja janela de segundo andar se encontrava bem fechada, havia
mobiliário diverso e muito material de trabalho, algum bastante estranho. Face
a este quadro, o Inspector Flávio Alves colocou, em
separado, a cada uma das quatro pessoas presentes no escritório na altura da
descoberta do corpo, as seguintes questões: Acha que Jonas dava sinais de se
querer suicidar? Como é que soube que ele se encontrava no local de trabalho?
A que horas chegou aqui e a que horas terá Jonas chegado? Jonas tinha o
costume de se fechar no gabinete? Sabia que ele tinha lá dentro uma pistola?
Ouviu algum disparo? Dimas
Ló, com seis meses de casa, declarou: “Estava a fazer trabalhos para o Sr.
Jonas, que era muito exigente. Não sei por que motivo se terá suicidado, embora
me parecesse uma pessoa com problemas psicológicos. Cheguei perto das dez e
dirigi-me logo para o seu gabinete. Bati á porta e não obtive resposta.
Tentei entrar para relatar o que tratara na Tecnicap
e verifiquei que ele se fechara. Sabia, como toda a gente, que ele tinha lá
uma pistola e fiquei apreensivo. Nessa altura saiu o Sr. Leitão para o
corredor e disse-lhe que tínhamos de arrombar a porta do Sr. Jonas. Ele,
depois de confirmar que o gabinete estava fechado à chave, ligou o telemóvel,
que se ouviu muito fraquinho lá dentro. Concordou então com o arrombamento.” Samuel
Botas, com dois anos de casa, disse: “Jonas era um tipo que amava a vida e
não se iria suicidar. Tem, isto é, tinha uma pancada, às vezes genial, mas
mais nada. Entrei com ele às oito da manhã. Possuía uma pistola e andava a
estudar o som dos disparos. Não me recordo de ouvir qualquer tiro, mas se o
tivesse ouvido também não ligaria. Cada um de nós está no seu gabinete, entra
e sai quando quer e contacta os outros sobretudo pelos meios digitais. Isso
não quer dizer que não nos juntemos para discutir os projectos
ou avaliar o trabalho realizado. A exigência é muita. Encontrei o Jonas
fechado no gabinete, algumas vezes. Julgo que o fazia para não ser
interrompido e, ultimamente, por causa dos disparos.” Elsa
Lavrador, co-fundadora e sócia da firma, fez uma
declaração muito semelhante à de Samuel Botas, tendo apenas divergido quanto
a dois pontos: afirmou que chegou ao gabinete pelas oito e quarenta e cinco,
sem se ter cruzado com qualquer colega, e que Jonas, desde há uns meses,
entrara numa fase obsessiva com a segurança das patentes e a pirataria que
grassa no meio. Gomes
Leitão, também co-fundador e sócio, afirmou: “Jonas
andava muito ansioso e desconfiado, pensando que lhe roubavam ideias.
Arranjou uma pistola e passou a fechar-se mais vezes no gabinete, onde chegou
a treinar tiro sobre um alvo com sacos de areia atrás. Eram ensaios
destinados a um jogo a introduzir numa aplicação e talvez um treino, admito-o
eu, para defesa própria. A morte dele é uma grande perda. Não sei se a nossa
D&D vai sobreviver. De manhã, quando no rés-do-chão puxei o elevador,
ainda ouvi, em cima, as vozes do Jonas e do Botas, no momento em que entravam
para o escritório. Aí pelas nove horas comecei a notar que o Jonas não
atendia. Às dez saí do gabinete para o procurar, quando encontrei o Ló que,
muito aflito, me deu conta da necessidade de arrombar a porta. Verifiquei que
o telemóvel tocava lá dentro, o que me confirmou que ele ainda lá estaria.
Devo dizer que aqui fechamos os gabinetes quando saímos só para não deixar
expostas maquetes sobre as quais estamos a trabalhar. O importante está
guardado em memórias de acesso muito complicado. Ah! De facto pareceu-me ter
ouvido um disparo pouco depois das oito e pensei, naturalmente, que era o
Jonas a atirar ao alvo.” Suicídio
ou homicídio? Como se terão passado as coisas? |
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© DANIEL FALCÃO |
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