Autor Data 1 de Março de 2017 Secção Competição Prova nº 2 Publicação Audiência GP Grande Porto |
TRANCADO NA CASA DE BANHO Verbatim Os bombeiros chegaram às
18:30. Não se fizeram demorar. Eram dois sapadores e duas especialistas em
primeiros socorros, mais um polícia que os acompanhava. Alguém tinha ficado
fechado na casa de banho e não dava acordo de si, informara José Mata, no que
foi corroborado pela mulher Maria do Céu Dores Mata. Temiam que lá se
encontrasse Jacinto Dores, pai da Maria do Céu, que, segundo declararam,
viram pela última vez cerca de seis horas antes, quando o deixaram sozinho em
casa, pois ele não os quisera acompanhar nem ao restaurante nem no passeio
daquele sábado. Disseram, ainda, que o ancião não atendera o telefone às
quatro, o que não os admirou porque a maior parte das vezes não trazia o
telemóvel consigo. O aparelho estava na sala de jantar e, desde as 12:45
desse dia, registava apenas o telefonema atrás referido. O casal explicou que, para
além da maçaneta que permitia abrir e fechar a porta da casa de banho por
ambos os lados, havia uma pequena tranca interna, de aço inox, com o eixo
fixado na porta, a cerca de um metro e sessenta de altura, e que rodava para
se apoiar num batente com a forma de um u estreito, que se encontrava
aparafusado na ombreira. O acesso pela pequena janela que dava para o
exterior da casa de banho exigiria uma grande escada extensível ou a
suspensão de uma cabine a partir do telhado. Os bombeiros verificaram
que os ressaltos de encosto da porta, laterais e superior, não permitiam que,
de fora, se levantasse a tranca interna com um arame ou uma peça semelhante a
um cartão de crédito. A frincha inferior, bastante estreita, também não
facilitava as manobras. Nestas circunstâncias, socorreram-se de uma lâmina
flexível, pouco mais espessa do que uma película de filme que, depois de
algum esforço e muito jeito, lhes permitiu levantar a tranca e, de seguida,
abrir a porta com a maçaneta. O agente da polícia
explicou aos dois membros do casal que, de imediato, não podiam ver o que se
passava no interior da casa de banho. Foram então chamadas, com urgência,
equipas da polícia de investigação e de medicina legal. Só meia hora depois,
Maria do Céu e José, os donos daquela habitação, onde viviam com Jacinto
Dores e um outro casal de hóspedes, souberam que o ancião fora encontrado já
morto. Durante 48 horas, nada mais lhes disseram sobre o que as equipas da
polícia e dos bombeiros observaram na casa de banho, embora esta tivesse
ficado livre às vinte e uma horas daquele sábado. O reconhecimento do corpo
foi feito em local diferente e apenas com o rosto do morto destapado. Os bombeiros e o agente da
polícia, depois de aberta a porta da casa de banho, que não ofereceu
resistência, deram com Jacinto Dores estendido de costas no chão, com os pés
debaixo do lavatório, à esquerda de quem entrava, e cabeça entre o topo da
banheira, situada à direita, e a parede em frente da porta, na qual se
encontrava a janela, na altura semiaberta. Perto do ombro direito de Jacinto
Dores estava uma pistola e a têmpora do mesmo lado do ancião apresentava um
orifício chamuscado de entrada de um projétil. Dentro do bidé, montado contra
a parede da janela, a não mais do que vinte centímetros do corpo, estava uma
cápsula. Escorrera algum sangue para o pescoço e para a camisa de Jacinto
Dores, não se vendo sangue em qualquer outra parte da casa de banho. O chão
estava limpo, mau grado os bordos do lavatório se encontrarem bastante
molhados. O Inspetor Flávio Alves pôde confirmar estas observações e
verificar, com a equipa médica, que o projétil estaria alojado no corpo de
Jacinto Dores e que a morte teria ocorrido entre as 15:30 e as 17:00 daquele
dia. Olhando a porta pelo lado de dentro, o Inspetor observou os cabides nela aparafusados e a tranca. Notou algumas manchas na
madeira envernizada, que seriam devidas à humidade. Encontrou um pedacinho de
fita-cola circular, à altura mediana dos ombros de um adulto, na zona de
circulação da haste da tranca. Pensou, no momento, que poderia ser a fita de
selar alguma embalagem, pespegada ali por alguém que não mais se lembrou de a
retirar. Havia também, no terço inferior da porta, salpicos de algo parecido
com um creme corporal. Os hóspedes, Maria da Paz e
Inocêncio Guerra, apareceram às nove e meia da noite, quando já só estavam
Flávio Alves e o agente Dias das equipas policiais e de socorro. Ela dirigiu-se logo a Maria
do Céu, perguntando se tinha acontecido alguma coisa ao Sr. Dores. A viúva,
em novo assomo de lágrimas, explicou-lhe o sucedido. – Pobre senhor, já andava
deprimido com a história do cancro e não deve ter resistido a cometer uma
loucura – comentou Maria da Paz. – Olhe que não, ele até
andava muito animado com a perspetiva do vosso negócio dos lixos – atalhou
José Mata. – Desconfio que aquilo terá sido um ataque do coração. – Ataque do coração?! – exclamou Inocêncio Guerra muito espantado. O Inspetor Flávio Alves,
que assistiu à conversa, apresentou-se então aos recém-chegados pedindo que
aguardassem na sala, e em separado dos donos da casa, até que ele e o agente
Dias concluíssem as tarefas que os tinham trazido ali. Enquanto o seu ajudante
procedia à identificação do casal Guerra, o Inspetor entrou em contacto com
um colega informando-o de que já tinha uma ideia do modo como tudo se
passara. Havia, segundo disse, muita coisa a confirmar, todavia não esperava
que a sua conjetura, aliás sustentada por indícios bastante claros, viesse a
ser alterada. O que terá concluído o
Inspetor Flávio Alves? Quais os fundamentos da sua conjetura? Quais as
principais diligências a levar a efeito para a confirmar ou negar? |
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© DANIEL FALCÃO |
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