Autor

 

Data

6 de Setembro de 1979

 

Secção

Mistério... Policiário [233]

 

Competição

Torneio “4 Estações 79” | Mini C - Verão 79

Problema nº 8

 

Publicação

Mundo de Aventuras [309]

 

 

CRIME NO CLUBE

 

«Os Marretas» constituíam, efectivamente, um belo conjunto, perfeitamente merecedores da fama de que disfrutavam no meio musical português. Estavam na crista da onda e cada actuação era um êxito, saldado por várias cadeiras partidas, muitos gritinhos mais ou menos histéricos e uma receita choruda no fim de cada noite de exibição no seu clube.

Aliás, os moços faziam tudo para isso, aliando um entusiasmo de amadores a uma organização altamente profissionalizada. Dois dos aspectos que mais me agradavam nas suas actuações eram a alegria que conseguiam transmitir do palco para a plateia e o maravilhoso trabalho de luminotécnia que enquadrava o «show». Os seus fatos eram todos negros, bordados com um tipo especial de lantejoulas avermelhadas que brilhavam na escuridão. E este mesmo requinte era levado aos instrumentos. Assim o instrumental era negro, tendo as violas os pontos bem marcados a tinta fosforescente vermelha e a bateria todos os metais na mesma tinta. O órgão, então, era todo ele um louco e psicadélico jogo de vermelho em negro.

Eram seis. «Os Marretas» – 5 no palco e um no controlo de luzes. O Carlos era o baterista e estava atrás da linha dos 4 da frente, bem no meio do palco e sobre um alto estrado. O Tó actuava sempre na extremidade direita do palco e era o viola-ritmo. O Luís, a seu lado, brincava com a viola-baixo. Do outro lado o Manuel solava na sua viola e o Zé, na esquerda baixa, enlouquecia as massas com os sons das teclas.

Naquela noite tudo tinha sido ainda mais espectacular. O Vítor (o luminotécnico) provocara aquele tão sensacional efeito de luz negra durante o número final e a cena tinha tido muito de «ballet». Lá no alto os círculos vermelhos dos tambores vibravam em loucura; mais abaixo, os braços das violas do Tó e do Luís quase se tocavam permanentemente, esgrimindo um duelo de ritmo marcadamente ainda mais rápido do que no resto da actuação. O Manuel apontara a viola à cabeça do Zé como se se tratasse de uma metralhadora despejando rajadas de notas agressivas a que ele respondia em solos alternados.

Tudo terminara havia meia hora quando soou um tiro abafado na zona dos camarins, zona rigorosamente interdita ao público e às «fans» por uma porta bem guardada.

Uma hora depois entrava em cena o Inspector Alves. Tivera grande dificuldade em passar a muralha humana que se aglomerava para cá da porta de acesso ao «santuário». Logo ali, soube que ninguém tinha entrado na zona dos camarins, durante toda a noite, a não ser «Os Marretas», a noiva de um deles e a noiva e dois familiares de um outro.

Entretanto, deparara com 6 portas, todas abertas, 3 de cada lado e um pequeno corredor. Todas tinham luz. Por todas havia um relativo movimento à excepção da última da esquerda, do outro lado do corredor. Era o camarim do Manuel. Lá dentro, duas figuras humanas perfeitamente imóveis – o artista, caído, em frente à porta, morto por um tiro que o atingira pelas costas no terço superior da coluna vertebral, e Ana, sua noiva, a única pessoa que estava no camarim no momento do crime.

Foi Ana, evidentemente, a primeira pessoa a depôr no interrogatório que o Inspector Alves logo organizou – «Não estávamos muito bem dispostos pois tinha havido entre nós um princípio de discussão. O Manuel tinha ciúmes porque um dos colegas me perseguia há algum tempo, propondo-me casamento e dizendo-me que o Manuel só pensava em divertir-se comigo. Não vou citar-lhe o nome, Inspector, para não o motivar para um suspeito. Porém, se não o descobrir não hesitarei em revelar-lho. Devo dizer-lhe, aliás, que essa abordagem era totalmente discreta, para evitar o desmembramento prematuro do conjunto. Não sei como o Manuel soube, mas soube.

No momento do crime era eu quem falava e ele estava de pé, em frente à porta, de costas para ela e para mim. Enquanto falava, vi a porta à minha esquerda abrir-se não mais de um palmo e por esse espaço penetrar rapidamente uma mão cujas pontas dos dedos se crispavam fortemente na coronha de uma arma. Soou o tiro e a mão desapareceu com a mesma rapidez com que entrara. Levei alguns momentos a acordar do terror que me penetrou. Corri para o meu noivo e, à vista daquele sangue, gritei, gritei, enfim, até que a voz se me calou e me vi rodeado de 4 rostos. Recordo-me que foi o Zé que pediu que chamassem a polícia e, para isso, escreveu o nome e o número de telefone de um polícia seu amigo, enquanto com o braço esquerdo me amparava a cabeça e me acalmava».

Depois o Inspector ouviu os outros 5, um dos quais já era seu amigo de há muitos anos. 3 disseram que estavam sós, tinham ouvido um ruído mas não tinham ligado, pois naqueles camarins costumavam ouvir-se os mais estranhos barulhos e todos consideravam os camarins dos outros como propriedade rigorosamente privada, onde só iam quando era de todo necessário e quase nunca no fim dos espectáculos, onde cada qual ficava no seu até que saía, para o café em frente, onde ceavam. Só perante os gritos de Ana tinham resolvido ir ver o que se passara, quase todos ao mesmo tempo. O Vítor nem sequer estava nos camarins no momento do tiro e só soubera que algo se passava quando um dos artistas abrira a porta de acesso, pedindo que chamassem a polícia. Quanto ao Carlos, foi o último a chegar, pois nesse momento festejava o seu aniversário, com a noiva e dois irmãos…

E não é preciso mais nada, caro leitor. O Inspector ainda demorou algum tempo a chegar à mesma conclusão a que o amigo já chegou. É que ele, nessa altura, sabia menos que você…

 

Diga, depois:

1 – Quem matou?

2 – Porquê? Explique convenientemente como chegou a essa conclusão.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO