Autor Data Agosto de 1976 Secção Competição 2º Problema Publicação Passatempo [27] |
Solução de: NO DIA DO ECLIPSE Zé Maria Apresentada por
Inspector Moisés I PARTE – Introito Para
se obter a solução de qualquer problema policial, há que atentar nos
seguintes factores: a) – elementos espalhados na exposição ou narrativa, e b) – idem, através de gráficos, desenhos ou fotos que o
acompanhem. É
factor secundário, mas que nem por isso se deve
desprezar, conhecer também a técnica empregada pelo autor (o que é facilitado
pelo estudo do maior número de casos possível). Para
bem apreciar os factores a) e b) acima
apontados, são necessários, sobretudo, muitos conhecimentos de ordem geral,
bom poder de análise e espírito de raciocínio. Para o outro, porém, tudo isto
não basta por si só, visto requerer mais ainda – e naturalmente – uma grande
prática, quer a solucionar, quer a produzir este género
de passatempo. No
que diz respeito à busca dos elementos indicados nas alíneas a) e b), é óptimo realizá-la por duas, ou
mesmo três, formas diversas, independentes umas das outras, mas que, no
final, se hão-se conjugar perfeitamente (se a solução estiver certa, como é
evidente…); essas formas podem denominar-se assim: 1
– De fora para dentro. 2
– De dentro para fora. 3
– Por eliminatórias. Na
primeira, procuram-se todas as contradições, mentiras ou impossíveis que porventura
existam entre factos e estados, situações e depoimentos, lidos ou vistos no
problema. Isto é: estuda-se o caso «de fora para dentro». Na segunda,
dar-se-á o inverso, quer dizer: colocamo-nos na «pele» de cada suspeito, de per si, e procuramos descobrir, por
aquilo que se sabe de cada um deles (carácter, grau de cultura, hábitos,
etc., etc.) e ante as reacções e atitudes
descritas, se correspondem mais às de um culpado se às de um inocente. O problema
é visto, assim, «de dentro para fora». Na terceira, por fim, – e que serve maravilhosamente
sempre que os suspeitos são mais que dois… – vamos eliminando,
sucessivamente, por «a+b», todos os incriminados –
até ficarmos com aquele (ou aqueles) que iremos apontar. Vamos,
pois, realizar o estudo do problema «No
Dia do Eclipse» de harmonia com as ideias mestras acima expostas, as
quais, aliás, já tive ocasião de explanar há uns bons anos atrás, mas que me
parece ser pelo menos interessante divulgar, agora, uma vez mais. II PARTE – O problema visto «de fora
para dentro» O
elemento principal do problema que temos em análise é, sem sombra de dúvida,
o facto de se passar na noite seguinte ao dia que se registou um eclipse
quase total do Sol, o que nos leva a concluir que, nessa noite. NÃO HAVIA
LUAR, pois tal eclipse só é possível quando a Lua está na sua fase de NOVA
(como, aliás, o eclipse da Lua só é viável quando ela está na fase de CHEIA) –
veja-se a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. 9, página 396.
Ora, perante este facto e as declarações prestadas por um dos suspeitos (o
VIÚVO), que afirmou «...e o luar
tornava a noite bonita», já se pode concluir que ele não falou verdade,
isto é: que não esteve «sentado na
soleira da minha porta», nem ouviu os rouxinóis, nem viu que não havia
luar… Aliás,
de outra parte do texto do problema é possível extrair idêntica conclusão (de
que ele não esteve à porta), pois o solteiro afirmou ter visto o infeliz vizinho
fumar um cigarro (o que é confirmado pela ponta encontrada misturada com o
sangue) mas não diz ter visto o outro naturalmente porque ele não estivera
lá! Para
além de outras curiosidades, este caso tem ainda o interessante pormenor de o
«suspeito que mente» dizer também que «ouviam-se os rouxinóis», frase esta
que, habilmente introduzida no texto, como está, é muito bem capaz de levar
alguns concorrentes a basear a sua acusação na hipotética impossibilidade de
os rouxinóis cantarem à noite, vendo assim a sua atenção desviada do
verdadeiro fulcro do problema, que é o
eclipse e o luar… Com efeito. Os rouxinóis cantam mesmo, de noite, como
diz a canção da Tonicha e do João Perry («Pareles, Paroles…»), na parte
que se cita: «…mas podes bem dizê-las a quem oiça os rouxinóis à noite no
jardim…» e como diz também aquele provérbio popular que reza mais ou menos
assim: «O rouxinol canta à noite; de manhã a cotovia, e os outros todo o
dia»!... Finalmente,
o achado da machada (que parece ter sido a arma do crime) com vestígios do
sangue do pobre divorciado, e que se encontrava em casa do viúvo, mais o vem
comprometer, mas isso é história a ver mais adiante. III PARTE – O problema visto «de dentro
para fora» Se
analizarmos, agora os TRÊS suspeitos, que vemos? a)
– Primeiro, um visitante que embora pudesse ser o autor do crime, não foi a
ele que o Zé Maria quiz pôr em cheque. As suas
declarações são coerentes, claras, comprovadas. De resto, o autor até o
«iliba» pura e simplesmente, com a
primeira pergunta que dirige aos decifradores do problema. b)
– A seguir, temos o solteiro, também com um depoimento sem falsidade,
ajustando-se perfeitamente ao ambiente, no espaço e no tempo. Eu próprio
aguardei pela última LUA NOVA para me certificar se o céu se apresentava ou não
estrelado, nessa fase (como ele afirmou). E apresentava! Nada há, pois, que
se lhe possa apontar!... c)
– Em último lugar, o viúvo, cujas afirmações são falsas e por isso o apontam
como principal suspeito. Claro que, na prática, isto não seria o suficiente
para o acusar e declarar autor da morte do vizinho, mas, sem dúvida que era o
princípio, a ponta do fio indispensável para puxar até obter dele a confissão
do crime premeditado, como se pode concluir pelo facto de ele ter levado a
machado, àquela hora da noite… Ele lá sabia o que queria!... IV PARTE – A técnica do produtor Não
é um «novato» e os seus problemas são já bastantes, mas, para além das boas
qualidades que lhe são reconhecidas, e já aqui apontadas (e às quais ainda
desejo acrescentar outra), não posso deixar de citar, no entanto, uma certa
falha no seu final, e que é o seguinte: «O Inspector
encarregado do caso, pensou e apontando um dos três
deu-lhe voz de prisão. Pergunta-se: quem foi o vizinho detido?» É
evidente que, depois de ser «ver» o Inspector
apontar um dos TRÊS, sente-se uma certa frustração ao ler a pergunta que,
automaticamente, reduz a DOIS os até aí três suspeitos, já que se põe fora desse
grupo aquele que não é vizinho… Há
ainda um outro ponto do problema que não me parece muito claro; quando se diz
«foi encontrada uma machada ainda com restos de sangue, que se verificou
pertencer ao morto», não se explica bem se é o sangue, se a machada, se ambas
as coisas, que pertenciam ao morto… Eu próprio, de início, cheguei a pensar
que era também a machada, mas, agora, estou convencido de que só o sangue era
do morto. A
outra qualidade em que desejava fazer falar, refere-se ela ao facto de em 2
ou 3 pormenores o Zé Maria ter sabido enquadrar perfeitamente a acção, no local próprio e nas personagens próprias. Na verdade,
um homicídio premeditado, cometido com uma machada que quase decepa a cabeça
da vítima, só em aldeola perdida na serra e entre gente boçal e rude; e um
assassino que leva a arma do crime para casa e a guarda no palheiro sem
sequer ter o cuidado da limpar dos restos de sangue da vítima, só de pessoas
muito ignorantes, de mente muito atrasada, próprio, portanto, de quem vive no
«mais recôndito da serra» – para além, claro está, da natural falta de
iluminação que não lhe terá possibilitado observar que a machada estava suja. Finalmente,
não quero terminar sem apontar uma curiosidade: o problema foi publicado na
revista que foi distribuída e posta à venda, precisamente dois ou três dias
depois de se ter verificado, entre nós, um eclipse de Sol!... |
© DANIEL FALCÃO |
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