Publicação: “Público”

Data: 1 de Março de 2009

 

 

Campeonato Nacional 2008-09

Taça de Portugal 2008-09

 

 

 

 

CAMPEONATO NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2008-09

 

SOLUÇÃO DA PROVA Nº 4

 

A CATÁSTROFE

Autor: Carla Colchete

 

O destinatário da missiva, aliás identificado na carta de Eça de Queiroz a Ramalho Ortigão datada de 10 de Novembro de 1878 (Cartas e Outros Escritos, Livros do Brasil, Lisboa, s/d, pp. 47-53, mas agora também em Eça de Queiroz – Correspondência, Vol. I, Org. & Notas de A. Campos Matos, Caminho, Lisboa, 2008, p. 212), era, seguramente, João Monteiro Pinto da Fonseca Vaz, capitão-tenente da armada real e attaché em Londres. Mas saber isto, que é um “plus”, não releva directamente para a solução do problema suscitado, excepto na medida em que aumenta o efeito de "realidade" da narrativa (Cfr. também a carta seguinte – a 98 – daquela mais recente edição). O distanciamento de um relato pretensamente fáctico há-de estar alhures.

A Catástrofe, publicada em conjunto com O Conde de Abranhos, faria “parte de um plano para uma obra mais vasta e importante denominada A Batalha do Caia” (Campos Matos et al., Dicionário de Eça de Queiroz, Caminho, Lisboa, 1988, p. 140), mas não lhe corresponde. O plano/argumento (também referido na primeira carta acima mencionada), que anteriormente lera ao dito Vaz, desapareceu (João Gaspar Simões, Vida e Obra de Eça de Queirós, 3ª ed., Livraria Bertrand, Lisboa, 1980, p. 452).

 A assinatura de Eça na sua correspondência variava: até para os mesmos destinatários se encontram um apelido, dois apelidos, dois nomes próprios – ou só as suas iniciais — e, até, só um nome próprio: chegar a Eça associando “José Maria”/consulado português em Newcastle era fácil. Por outro lado, um filatelista profissional é – ou era –, na normalidade dos casos, um intelectual: não surpreende que conhecesse o episódio do manuscrito perdido e o seu título.

A dobra do pano narrativo que revela a irrealidade da história – e dobra deliberada – reside nisto: o único envelope com timbre, o único em toda a correspondência do Vaz-do-conto que lhe associa uma missiva de Eça com as características requeridas (até pela dimensão requerida para conter o maço de folhas a que, já se percebeu, a carta se referia), tinha apenas dois selos D. Luís, carmim (20 reis). Não adiantaria enveredar por uma linha de investigação quanto à tarifa necessária para expedir esse “maço de folhas” e a sua conformidade com os 40 reis (2 selos) pagos pela franquia do envelope (as regras da decifração interditam a hipótese da descolagem de selos no ínterim), porque a data e lugar da missiva de acompanhamento (e, de resto, também a biografia de Eça) demonstram que naquela altura estava em Newcastle. Ora, estando o capitão-tenente em Londres, e sendo-lhe a correspondência dirigida, os únicos selos que permitiriam o inerente trânsito postal eram, evidentemente, ingleses.

© DANIEL FALCÃO