Publicação: “Público” Data: 19 de Abril de 2009 Campeonato Nacional
2008-09 Taça de Portugal 2008-09
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CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2008-09 PROVA Nº 7 DE REGRESSO AO PASSADO… Autor: Daniel Falcão Era um fim de tarde quente de Outono. Tantas vezes tinha eu
escolhido aquela mesma mesa, no meu café preferido, para usufruir de uma magnífica
vista sobre o mar poveiro e sobre o seu imenso areal, que parecia estender-se
infinitamente. Quantas histórias vos poderia relatar dos períodos de férias
que passei naquela que foi, durante muitos anos, a minha segunda cidade. Ali
passava um doze avos da minha vida. Ali me despedia do Verão e abria os
braços ao Outono. Mas foi precisamente com a chegada de um amigo dos meus bons
velhos tempos, com quem, por razões que teria oportunidade de averiguar, há
muito tempo não falava, que a minha memória me levou até um acontecimento
ocorrido há vários anos atrás, era eu ainda um jovem inexperiente nestas
coisas de decifração de mistérios e enigmas. Espraiava-me no areal, num dos últimos dias daquele ainda
quente Verão, quando senti que uma mão me tocava muito levemente, quase
receando retirar-me da minha breve sonolência. Abri os olhos e com a visão
reduzida devido à luz do Sol não me foi possível divisar imediatamente quem
era aquela figura que interrompera o meu descanso. Mas foi coisa de poucos
segundos até reconhecer o Santos – agente da autoridade, sempre na peugada
dos criminosos. Levantei-me, cumprimentei-o e rapidamente percebi que algo
de muito sério se passara. Não precisei de perguntar nada, porque as suas palavras
foram suficientemente esclarecedoras: “Mais um homicídio!” Naqueles momentos, sabia eu que o conhecia bem, as suas
células cinzentas deviam correr céleres, a mil à hora, juntando pormenores,
avaliando tempos, imaginando situações, estudando depoimentos, à procura de
respostas. Sentamo-nos no areal, olhando o mar azul, cuja calma
contrastava com a celeridade dos pensamentos do meu amigo. Depois de alisar
um pequeno espaço de areia, começou a desenhar uns rabiscos: “Suspeitos?”, perguntei-lhe eu,
enquanto ele apontava para os rabiscos que fizera na areia. Foi então que me explicou que a vítima foi encontrada
sentada à secretária, no seu escritório situado num primeiro andar ali para
os lados da praça do peixe. A vítima fora brutalmente esfaqueada, mas ainda
parecia ter dado luta. Tudo indicava que se levantara da secretária para
abrir a porta do escritório e que, no regresso, recebera uma primeira facada
nas costas. Surpreendido e ferido, ainda deve ter lutado com o seu agressor.
Como resultado da luta, recebera mais três facadas: uma no braço esquerdo e
duas no peito. O agressor vendo-o caído no chão, inanimado, esvaindo-se em
sangue, deve ter passado ao assalto. Gavetas abertas, papéis revolvidos
atirados para o chão, pareciam mostrar que o roubo seria um dos motivos para
aquela acção violenta. Quiçá por razões de
segurança, na opinião do criminoso, o fio do telefone fora arrancado. Pelos vistos, as quatro facadas não foram imediatamente
fatais. A vítima ainda recuperou a consciência e, tal como se podia aferir do
rasto de sangue, rastejou até à secretária, subindo para a cadeira e
sentando-se. Num primeiro momento, deve ter tentado telefonar, como o
demonstrava o sangue no telefone. Impossibilitado de o fazer rabiscara uns
traços numa folha branca. “Alguns!...”,
respondeu-me. O corpo fora encontrado por dois homens, pelo menos uma hora
depois da morte, segundo o médico legista. Subiram juntos ao primeiro andar e
encontraram a porta encostada. Entraram e viram aquele cenário macabro.
Aproximaram-se, observaram o corpo da vítima e, reparando que o telefone fora
arrancado, um deles desceu para chamar a polícia, enquanto o outro ficou a
tomar conta. Não fora possível confirmar, nem refutar álibis, pois os
potenciais suspeitos cirandaram por ali naquele período da tarde: ora
conversando com amigos, ora tratando de determinados assuntos, pessoais ou
profissionais, ora vagueando junto ao mar. O principal suspeito é o Domingos “Turra”, que fora visto a
entrar no edifício do escritório, na proximidade da hora do crime. Costumava
pedir dinheiro emprestado à vítima, que demorava a devolver. Foi encontrado
numa tasca próxima, esbanjando dinheiro, pagando rodada atrás de rodada.
Quando confrontado com a situação, começou por negar ter estado no escritório
da vítima, mas depois dissera ter por lá passado, batido à porta e, como
ninguém a abrira, voltara a descer. Questionado sobre o que lá fora fazer,
afirmou que fora pagar uma dívida, pois ganhara umas massas no dia anterior.
Entretanto, o agente reparou que a sua camisola, por sinal bastante surrada,
apresentava uma mancha que parecia ser de sangue. Por isso mesmo, fora
recolhida e enviada para o laboratório. E eram todos os elementos que as autoridades possuíam até ao
momento, ou seja, o que tiveram oportunidade de observar no local do crime
mais as declarações das três pessoas que, confirmadamente, estiveram junto ao corpo: Domingos “Turra” e os dois
homens que o encontraram, Luís “Chichão”, o que
ficou junto do corpo, e Gustavo “Piloto”, o que foi chamar as autoridades. “E porque não!?...”, exclamou em
tom interrogativo o meu amigo, levantando-se abruptamente, pisando os
rabiscos que fizera, apagando-os e afastando-se: “Já voltamos a conversar…” Um murro na mesa e uma voz, ainda bastante forte, trouxe-me
de regresso à actualidade: – Como sempre, na mesa habitual, na sombra do guarda-sol… –
disse ele e continuou – …buscando os criminosos. Como foi que chegaste a essa
conclusão!?... |
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DANIEL FALCÃO |
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