Publicação: “Público” Data: 26 de Abril de 2009 Campeonato Nacional
2008-09 Taça de Portugal 2008-09
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CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2008-09 SOLUÇÃO DA PROVA Nº 6 CRIME AO FIM DA TARDE Autor: Paulo O inspector Ivo já tinha uma
imagem daquilo que se passara. De algo ele tinha a certeza. O sócio da
vítima, Luís Vaz, mentira. Tanto quisera enfeitar o seu crime que se enredara
completamente na história que inventara. Ivo começara a suspeitar no momento em que ele referiu que
percebera que o sócio morrera do tiro que o atingira. Então ele afirmava que
não entrara no escritório do sócio, mas que tinham sido disparados dois
tiros, e referia-se de forma tão inequívoca ao tiro que matara Cid. Como
sabia ele que não fora atingido com os dois projécteis?
Que apenas um acertara? Não! A história começava a cheirar a mentira. Havia ainda a história dos cigarros. Esta fora uma grande distracção. Palavras impensadas a tentarem embelezar a
narrativa. Então os dois tinham ficado a fumar cigarros, não tinha sido feita
a limpeza do escritório e o cinzeiro estava vazio, sem qualquer vestígio de
cinza no caixote do lixo que apenas continha papel branco. Fora uma situação
inventada. Poderia existir visitante, mas a restante descrição teria que ser
falsa. Depois há o pormenor fatal. Na descrição que fizera, os
disparos teriam sido efectuados do vestíbulo,
estando os vidros da porta partidos para atestarem essa versão; mas a
observação do ferimento indicava características de disparo à queima-roupa,
com os tecidos esfacelados e as chamuscadelas pela língua de fogo da arma, só
possíveis com o disparo a ser feito muito próximo da pele. Eram estes três pontos que apontavam ao inspector
Ivo a culpabilidade de Luís Vaz. Mas como fora cometido o crime? Haveria cumplicidade? Não
lhe parecia, ou então no prédio eram todos uns grandes mentirosos conluiados.
Além de mais, aqueles que poderiam ser cúmplices individualmente, estavam com
pouca disposição para essa atitude, dado as relações pessoais serem más. O economista queria expulsar a vítima e o sócio do prédio. A
empregada de limpeza não tinha razões para querer ser cúmplice de alguém que
a humilhara em público. As pessoas que estavam no gabinete de contabilidade ou no
consultório ilibavam-se umas às outras e à partida não seria lógico que
fossem cúmplices em grupo daquele crime. O homem que saiu às 18h02 – quase de certeza o visitante do
solicitador, pois não havia mais ninguém no prédio – fê-lo antes de Cid
telefonar para a polícia. Mais um que não poderia ser cúmplice. Parecia então que o assassino actuara
sozinho. Como o teria feito? O crime tinha sido premeditado. Provavelmente vários dias à
espera de uma ocasião propícia. Ivo achava curiosa a forma como Luís se teria desembaraçado
da arma. Não estava no prédio. Não fora lançada por uma janela, pois pela
frente seria vista pelo polícia em frente da esquadra, e as traseiras estavam
inacessíveis. Alguém a levara, e depois do crime só uma pessoa saíra: Lia, a
empregada de limpeza. Fora ela que, sem saber, transportara a arma dentro do
saco do lixo. Teria sido enquanto limpava o escritório de Rui Pio ou o
Gabinete de Contabilidade, que Luís introduziu no saco do lixo, que estava no
corredor, a arma do crime. Esse acto já tinha sido preparado
quando mandou que nesse dia Lia levasse o pedaço da estátua. Assim não
notaria o aumento de peso provocado pela arma. Se não fosse possível cometer
o crime naquele dia, ainda havia mais estátua para uma segunda tentativa. E
se não fosse à segunda, haveria mais objectos
pesados. Fica assim estabelecida a hora do crime. Pouco depois das 18
horas, com o tiro fatal disparado à queima-roupa e outro propositadamente
para a parede, para concordar com a história que inventara. Claro que a arma
teria silenciador para os vizinhos não ouvirem o disparo. Quando Lia regressou para tentar limpar, Luís não atendeu.
Podia sempre desculpar-se que ela não tinha tocado na sua campainha e que não
ouvira. Depois foi só colocar as cápsulas no vestíbulo para fazer
crer que os disparos tinham sido feitos desse local. Enquanto Lia estava nas limpezas, saiu rapidamente, introduziu
a arma no saco do lixo, provavelmente embrulhada para não ser vista se Lia
olhasse para dentro do saco. Havia no entanto que deixar sair Lia do prédio antes de
denunciar o crime. Desse modo desaparecia a arma. Assim que ela saiu, facto que ele podia observar pelo óculo
da porta, no topo do corredor, usou um qualquer objecto
para partir o vidro, esperando talvez que no piso de baixo ouvissem os vidros
a cair no chão, e tentou desse modo estabelecer um diferente momento para o
crime. Mas o inspector Ivo não era fácil
de enganar. |
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©
DANIEL FALCÃO |
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