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22 de Março de 1957. É
publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”,
orientada por Jartur – curiosamente, por lapso
tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”. Domingos Cabral, com 15 anos completados
recentemente, responde ao problema naquela inserido
– “O Táxi Misterioso”, transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à
modalidade vinha fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do
“Mundo de Aventuras”, de que era leitor há alguns anos. Sabendo, por isso, que era habitual o uso de
pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um,
acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector
Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido
pelo Autor (Jartur), após resolver o caso,
dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que
ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante
começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”…
De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho… In Mundo dos
Passatempos, 1 de Setembro de 2007 Correio Policial, 27 de Novembro de 2020 |
PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA
POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a
editar) 11 CICLO REINALDO FERREIRA “REPÓRTER
X” CONCURSO DOS CONTOS
MISTERIOSOS Nº 9 O DIA DE SAMORIN DE CALICUT (Episodio
histórico da primeira viajem de Vasco da Gama à Índia) O
“forte capitão”, junto ao leme, passeava, ávido, orgulhoso, a sua pupila
clara pelo casario recortado de Calicut. As
labaredas do sol indico faziam lantejoilar as frontarias policromas. Os
braços das palmeiras pareciam reverberar de esmeraldas. Mas,
Alvaro Velho veio cortar aquela dôce
e descuidada acalmia de uns minutos apenas com que Vasco da Gama se pagava
das angustias e das incertezas de muitos meses de
viajem. -
O degredado que foi a terra acaba de regressar. O
embaixador do rei de Portugal quis ouvir da boca do degredado as impressões
do primeiro contacto com a população indu. A
sua passagem pelas ruas – contou – provoca o pasmo das gentes. E um mouro
abordara-o carrancudo e hostil, para lhe dizer, num castelhano bárbaro: –
«Al diablo que te doy! Quien te trujo aqui? Não
era lisonjeira a expressão – e devia simbolisar os
sentimentos de uma grande parte dos habitantes de Calicut. –Já vos preveni, capitão – segredou-lhe Alvaro Velho. Os arabes,
senhores do comércio do Oriente, não poderão vêr
com olhos de bem a vossa magnífica proeza. A moirama tecerá aleivosias e intrigas
para combater todos os outros estrangeiros que ousem vir a esta terra! * Foram
longos, para a impaciência de Gama, os preliminares da audiência solicitada
ao Samorim. Mandara avisar ao rajah
de Calicut que era portador de duas cartas
de El-Rei D. Manuel: uma escrita na sua linguagem, outra em mourisco. «Que se
entendesse com os seus ministros – respondeu-lhe o rajah». «Que não» - retorquira Gama. – Era ele
portador de uma embaixada, de cartas de credência e que só a El-Rei as
entregaria». Samorim
cedeu. Foram traduzidas as cartas pelos mouros que ele escolhera para
interpretes, na presença do capitão-mór portuguez. E ficou contente o rajah. E quis saber que mercadorias lhe oferecia o
rei de Portugal e que mercadorias queriam os portuguezes
levar da India. Estavam
lançadas as sementes para o tratado de comercio. Era
este o remate triunfal da proeza do navegador. E Gama dispunha-se já a
saborear, na intimidade do seu orgulho, a vitoria
diplomática da sua missão quando Alvaro Velho,
desconfiado e matreiro, lhe segredou: –
Prudência, capitão. Observastes bem o que se lia nas expressões dos mouros,
que não podiam ocultar o despeito que lhes ardia n’alma? Ainda é cedo, para
nos alegrarmos… Todas as cautelas são poucas para vos defenderdes das ciladas
dos arabes… * Faltava
apenas a prova documental do triunfo das negociações. Faltava a resposta do
Samorim para que o capitão-embaixador a entregasse a El-Rei. Prometida estava
há dias – e sempre uma evasiva a retardava. E naquela manhã, um emissário de rajah, portador da ola do seu soberano foi recebido pelo
Gama, na camara da nau. Contra
todos os protocolos não vinha fechada a ola – e não a sabia ler o capitão-mór. E o emissário,
gesticulou como um mudo, para fazer compreender que com ele vinham
intérpretes. Desceram
os intérpretes à câmara. Eram três – e pela variedade dos seus tipos dir-se-hia que os haviam escolhido a capricho. Um era
alto, agigantado, de perfil fino e cutis clara –
mas estrábico, dum estrabismo invergente, que
impressionava; o outro, bronzeado e de pele brilhante que parecia untada; o
terceiro era um pigmeu corcunda de pouco mais de um metro de alto – um gnomo
tão pencudo que o extremo do nariz parecia roçar pelo queixo. Foi
traduzida a ola em castelhano. Dizia Samorim que aceitava o tratado de
amizade e comercio e que de Calicut podia levar
muita canela, cravo, gengibre, pimenta e pedras preciosas – a troco de ouro,
prata, coral e escarlata que El-Rei D. Manuel lhe enviasse. Conteve
o forte capitão os ímpetos da sua alegria. Buscou um tubo de metal, dentro do
qual guardou a ola, fechando o tubo com a tampa onde se via desenhada a Cruz
de Cristo. Vieram os portuguezes palestrar com os
intérpretes mouros e com o comissário do rajah. E
Gama, de pé, apoiara a mão espalmada no tubo metálico que estava vincado no
topo da meza. Demoram-se
os mouros em conversas balofas – e só abandonaram a câmara uma hora depois. Gama
quedou-se só com Alvaro Velho. –
Ainda duvidaes do nosso triunfo? Indagou o capitão. –
Até que as nossas naus singrem de novo para Portugal, estarei na dúvida. Temo
esses árabes, traiçoeiros e capazes de todas as vilanias para que não possaes cumprir a vossa missão… –
Nada há de que arrecear Alvaro Velho. A ola do rajah está aqui! Desapoiou
o tubo metálico do tampo da meza e abrindo, introduziu
dois dedos para retirar a carta. Se o tivessem pintado de cal, mais branco
não ficaria o rosto do navegador. A carta tinha desaparecido! *
–
Vejo agora claro, como se tivesse sido testemunha! - exclamou
Gama, apertando a barba loira. Aproveitando a cheia de gente que me invadiu a
câmara, o ladrão ocultou-se sob a meza. Não era
difícil calcular onde eu pousara o cilindro que tinha, de pé, sob a palma da
minha mão. A madeira não é grossa. A lâmina perfurou o tampo da meza e abriu o espaço suficiente no fundo do tubo para,
com o auxílio da mesma lâmina, puxar a ola e roubá-la… Dobrou-se
para debaixo da mesa. –
Ali está ainda a serradura, prova de que não me equivoquei. Habilidoso deve
ser o malandrim, para ter operado sem o menor ruído… Mas, o que mais me faz
pensar é como ele conseguiu ocultar-se num espaço tão pequeno, como é este
que vai da tampa da mesa ao chão. Reflectiu um instante e ordenou: –
Depressa, Alvaro… Corre… Que não deixem sair da nau
os mouros… –
Prudência! – repetiu Alvaro
Velho… Lembrai-vos da gravidade de uma acusação mal baseada! –
A minha acusação vai ser firme. Só um dos três mouros podia ocultar-se sob a meza para praticar tal façanha. Esse mouro foi… Releiam
as linhas em itálico, vejam qual dos tres mouros
podia ter-se ocultado sob a meza e encham o coupon. Nota:
Esta transcrição respeita a publicação original.
Fontes: Secção
Correio Policial, 27 de Novembro de 2020 | Domingos Cabral Blogue Repórter de
Ocasião, 15 de Maio de 2024 | Luís Rodrigues |
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© DANIEL FALCÃO |
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