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22 de Março de 1957. É
publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”,
orientada por Jartur – curiosamente, por lapso
tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”. Domingos Cabral, com 15 anos completados
recentemente, responde ao problema naquela inserido
– “O Táxi Misterioso”, transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à
modalidade vinha fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do
“Mundo de Aventuras”, de que era leitor há alguns anos. Sabendo, por isso, que era habitual o uso de
pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um,
acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector
Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido
pelo Autor (Jartur), após resolver o caso,
dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que
ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante
começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”…
De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho… In Mundo dos
Passatempos, 1 de Setembro de 2007 Correio Policial, 4 de Dezembro de 2020 |
PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA
POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a
editar) 12 CICLO REINALDO FERREIRA “REPÓRTER
X” CONCURSO DOS CONTOS
MISTERIOSOS Nº 10 FUGIU O LEOPARDO
Deram
o alarme… Expulsaram os visitantes… Fecharam as portas do parque… Chamou-se
pelo telefone um pelotão da Municipal - e eis o Jardim da Palhavã
transformado em selva africana, palco de caçadas emocionantes… Houve
tiroteio: as garras do bicho rabiscaram de sangue a carne dum soldado – e
acabou por ser morto por outro, que sabiamente se empoleirara numa árvore.
Encheram-se colunas e colunas nas gazetas – mas no fim de uma semana já
ninguém se lembrava do «caso do leopardo». Só eu não o esquecia nem
esquecerei, em cem anos que viva… Porquê? Porque eu sabia que a fuga do leopardo,
atribuída ao acaso, ao descuido, à distracção,à
fatalidade – tinha sido obra consciente de um malvado. Eu lhe conto… De
verão e de inverno eu passo um bom par de horas, todos os dias, a pavonear
pelo Jardim Zoológico. Vivi vinte anos uma vida de aventureiro pelo interior
de Angola – e durante todo esse tempo a minha única distracção
eram os animais: os que domesticava e levava comigo em todas as viagens – e
os que eu matava, em caçadas que organizava… De regresso à Europa encontrei,
nesses passeios por entre as alas marginadas de grades e povoadas de bichos
de jardim, a forma de aguar um pouco a nostalgia dos tempos coloniaes. Não
é, pois, para admirar que eu fixasse e conhecesse todos os outros habitues do
Jardim. Nos princípios daquele verão de 1905, começou a aparecer por lá uma
dama, mui nova ainda e loira como nunca vira outra, nem entre as miss de Cap Town. Durante todas as suas visitas a colecção
que mais lhe chamava a curiosidade era das féras –
o leopardo, sobretudo, atraía-a magneticamente. Havia, nessa predilecção, um mixto de terror
e de volupia doentia. Esgazeava os seus lindos
olhos claros, empalidecia; enclavinhava as mãozinhas alvíssimas na barra de
ferro e recuava o busto, como se quisera fugir e alguem
a prendesse, a obrigasse a ficar. E o leopardo conhecia-a já. Quando a via
ali, a tentar-lhe a gula, imobilizava-se, espreitando por entre as grades.
Depois, os olhos a fogo fatuarem,
encolhia-se, pulava, lançando-se em saltos elásticos contra os ferros, como
se os não visse, como se não o separassem daquele corpo que parecia
oferecer-se-lhe… Uma
tarde apareceram no jardim dois índios, um ainda novo, outro já com os fios
de prata a alvejarem nos cabelos lisos e espelhantes. O mais novo trajava com
modestia e sobraçava uns livros; o mais velho, apinocava-se, ridiculamente; trazia os dedos a sangrarem
pedras vermelhas e apoiava-se numa bengala, de castão de ouro, e tão fina que
parecia um florête. Notaram os dois orientaes a extravagante contempladora do leopardo e os
seus olhos, tiveram, por minutos, o mesmo brilho de avidez, dos da féra. Surrateiramente
aproximaram-se da dama e começaram a cochichar-lhe galanteios ao ouvido. Ela,
despertando do seu extasi, franziu o sobrolho e
fitou-os com severidade. Mas eles não desistiram, e teimaram até que ela,
encolhendo os ombros, reviravolteou-se e partiu, desabrida e enfadada. Mas
no dia seguinte lá estava outra vez, frente à jaula, excitando a gula do
leopardo, e pouco depois flanquevam-na os dois
índios da véspera, o novo sobraçando os mesmos livros, o velho, apoiando-se á
bengala. Novos galanteios – e a dama loira partiu, mais aborrecida ainda. E o
episodio repetiu-se durante um mez. A
dama trocou as horas da visita; e os seus perseguidores adivinhavam-na e
vinham a tempo de a incomodar. E por fim já não se lhe apresentavam
sorridentes e bajojos. Havia nas expressões dos
seus rostos bronzeados um ar de ameaça. E eu, que sou comodista e que me
divertia com o episódio, não intervinha, entre outras razões porque pensava
que a dama podia evitar, quando quisesse, aqueles importunos. Mas
uma manhã a amadora das féras não veio só…
Acompanhava-a um galã de monoculo e plastron, que
se dependurava no seu braço e para quem toda ela se derretia. Desta vez não
parou em frente á jaula; caminhou, distraída, em direcção
a um quiosque todo forrado de verdura. E eu, que estava sentado próximo à colecção de féras, vi que os
dois enamorados eram seguidos pelos dois índios. Outra
semana se desbobinou para o abismo dos tempos. A dama passára
a frequentar o jardim, sempre pelo braço do seu galã; e os dois índios
assistiam, impávidos, ao derriço. Mas já não os seguiam. Os seus passeios
eram limitados agora á zona das féras… Ladeavam a
jaula do leopardo, dando-lhes voltas e mais voltas… Algumas vezes paravam
para contemplar o bicho e murmuravam, entre eles, monosílabos
misteriosos. Um
dia, acabava de chegar ao jardim quando ouvi um guarda bradar: - Saiam do
Jardim! Saiam do Jardim! O leopardo fugiu da jaula». Você visiona facilmente
o pânico que se estabeleceu. Gente que, na cegueira do mêdo,
não dava com a porta… Petizes a berrarem… Damas que desmaiavam… Vim,
de roldão, para a rua e fiquei, abrigado numa lojeca visinha,
a presenciar o espectáculo… E bastante tempo depois
de entrarem os soldados da Municipal, saía, em braços do seu galã, a dama
loira… – Escapou por um milagre - murmurou um outro guarda, ao passar por
mim. Estava tão derriçada com o namorado que não deu por coisa alguma… E o
leopardo parecia farejá-la como os cães farejam os gatos». –
Ainda está algum visitante lá dentro? – indaguei: –
Dizem que está um índio que entrou para lá muito cedinho; mas não há forma de
se dar com ele. –
Devem ser dois… – retorqui. –
Não são… De facto, costumam vir dois - mas hoje veio um só. Interroguei-o
ainda sobre a idade desse índio. Não me soube responder. Do jardim chegava
até nós o som do tiroteio; e aquele guarda, que me conhecia, abriu-se comigo: A
culpa não é nossa… Veem para aí brincar com os bichos… Olhe… Havia quatro
dias que alguém conseguira tirar da jaula, por entre as grades, a refeição do
leopardo…A féra estava cheiinha de fome… E hoje, o
Manecas, o pequeno, o filho do chefe, viu que andavam a picar o animal, a
excitá-lo mais ainda… E o animalzinho, cheio de fome e espicaçado,
enfureceu-se e fugiu… Ergueu-se,
nítida, dentro do meu espírito a suspeita. Fôra um
dos índios – aquele a quem a dama loira despertára
maior paixão – que provocára a fuga do leopardo.
Mas qual dos dois? O novo ou o velho? Um deles só seria, porque só um entrára, naquela manhã, no jardim… Este
enigma preocupou-me semanas inteiras – mas por fim, matei a charada. O único
que podia tirar a comida da jaula e espicaçar o animal, era o mais… Raciocinem,
releiam as linhas em itálico e encham o cupon”. MANUEL CONSTANTINO
FALECEU HÁ UM ANO Fez
no passado dia 30 de Novembro um ano que o Policiário perdeu um dos seus mais
lídimos cultores de sempre. Mestre
Constantino – como nos últimos anos era tratado pelos seus confrades pelo
elevado mérito da numerosa obra que nos legou – deixou-nos fisicamente, mas
deixou, também, o seu nome indelevelmente inscrito na história do policiário
português.
Fontes: Secção
Correio Policial, 4 de Dezembro de 2020 | Domingos Cabral Blogue Repórter de
Ocasião, 31 de Maio de 2024 | Luís Rodrigues |
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© DANIEL FALCÃO |
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