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22 de Março de 1957. É
publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”,
orientada por Jartur – curiosamente, por lapso
tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”. Domingos Cabral, com 15 anos completados
recentemente, responde ao problema naquela inserido
– “O Táxi Misterioso”, transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à
modalidade vinha fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do
“Mundo de Aventuras”, de que era leitor há alguns anos. Sabendo, por isso, que era habitual o uso de
pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um,
acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector
Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido
pelo Autor (Jartur), após resolver o caso,
dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que
ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante
começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”…
De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho… In Mundo dos
Passatempos, 1 de Setembro de 2007 Correio Policial, 11 de Dezembro de 2020 |
PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA
POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a
editar) 13 CICLO REINALDO FERREIRA “REPÓRTER
X” CONCURSO DOS CONTOS
MISTERIOSOS Nº 11 O RUSSO DE 19 DE OUTUBRO Conheci
Hipólito Zereen numa tarde que esperava, nas salas
da delegação russa, de Berlim, que os espias da Guepeau
terminassem a análise químico-policial ao meu passaporte. Hipólito Zereen, com essa prodigiosa maleabilidade poliglota dos
moscovitas falava o portuguez, sem a menor
arranhadela estrangeira. –
Você é de Lisboa? – indagára
ele. – Que deliciosa terra! Todos os encantos de cor e de paisagem duma
região tropical! – sem as ardências do sol nem as
ciladas do clima. Passei lá uns dias… Uma missão secreta do meu governo… Mas…
não fantasie romances! Nada de espionagem… Fui lá saber apenas se era
oportuno propôr a Portugal a reabertura de negociações
comerciaes… Bem simples e inofensiva era a missão…
Mas isso não evitou que eu estivesse para lá deixar a pele… Foi um equívoco
que me ia saindo a preço de ouro. Interessa-se pela história? É pena não ter
tempo para lh´a contar. Mas deixe estar… Eu faço o meu diário em francez… Envio-lhe as páginas que se referem a esse
episódio. Em que hotel está? No «Selezia»? Já sei… Frederik Strasse 96… Amanhã tem
lá o diário... O
russo cumpriu como um inglês a promessa que fizera ao repórter lusitano. No
dia seguinte tinha no meu hotel umas folhas dactilografadas. O que se segue
foi apenas traduzido dessas folhas. * Lisboa, 15 de Outubro de 1921. Hospedei-me
no Avenida Palace… Tinham-me dito que o Avenida Palace era o melhor hotel de Lisboa… O que serão os outros!
Escadas por alcatifar e um hall que de hall só tem o nome, visto que é pouco
maior que o cubículo do porteiro do «Central» ou do «Splanade»
de Berlim. «Ordenava
a mais elementar prudência que não pusesse no livro dos registos Hipólito Zereen,
funcionário do Comissariado do Povo para os Negócios Estrangeiros da
Federação das Repúblicas Soviéticas Russas. Inscrevi-me de acordo com os
dizeres do meu passaporte: Yvan Borieff, chefe de exportação da casa Muller & Cª de
Hamburgo; entre parêntesis, o seguinte diploma de confiança: ex-capitão das Guardas Imperiais Russas. «No
Avenida Palace poucos portuguezes
encontro. As suas salas povoam-se quasi
exclusivamente de uma multidão cosmopolita… Abundam os sul-americanos, os inglezes e os francezes.
Procuro, após o primeiro jantar, o contacto das palestras das pessoas que
estavam familiarizadas com o paiz e que me podiam
orientar sobre a política nacional. Às onze horas já tinha três
conhecimentos: John Clevand, fabricante partidário
de novelas insonsas para os magazines ingleses: o Conde T., jovem monárquico,
partidário de um vago príncipe que vive na Europa Central e que queima a
mocidade num ódio rancoroso ao regime que governa Portugal; e Asta Wieth, uma bela dinamarqueza de
olhos que parecem mudar de côr, a todo o instante,
como o camaleão, e que passa por bailarina russa, o que ela não sabe muito
bem o que vem a ser. São os três muito conservadores em política e a minha
mentira de exilado adulou facilmente a sua simpatia e confiança. Sobre a
situação local só me souberam dizer que há mais de dois anos que não havia
revoltas em Portugal e que não devia tardar a próxima… * 16 de Outubro: Recebo a primeira carta do
nosso delegado secreto em Madrid. Vem registada. Por acaso estava no hall do hotel quando chegou o correio.
É um homem trintão, de guedelha tão comprida como a dos nossos nihilistas na época romântica das primeiras conjuras.
Dou-lhe uma nota de gorgeta – e o homem
contorciona-se em salamaleques. * 17 de Outubro: É fantástica a forma como
funciona a T.S.F. dos boatos neste país. É fantástica, sobretudo, a faina com
que esta T.S.F. engrandece até ao exagero caricatural os factos mais
insignificantes. Das conversas que tive com o novelista inglez,
com o conde luzitano e com a bailarina Asta, surgiu
o boato que eu era um organisador da reacção internacional contra o bolchevismo. Esta manhã um
redactor do “Diário” quis entrevistar-me sobre o
assunto. Três reporters
fotográficos fuzilaram-me com os seus Kodaks… Cá no
hotel olham-me com admiração; já me chamaram Monsieur le colonel…
Sinto-me nimbado com o ridículo do Burguez-Fidalgo de Moliére. No Rocio, ao passar em frente a um café
chamado a «Brasileira», apontaram-me de indicador espetado e vi as miradas
torvas que me lançaram… Ah! Se eles soubessem quem eu era e qual o papel que
represento… À tarde tive outra carta registada de Madrid. O correio era o
mesmo da véspera. Repeti a gorgeta e ele, como que
para se tornar digno da próxima, segredou-me que devia rebentar uma revolução
por estes dias. * 18 de Outubro: Não me enganou o carteiro. Caí
em plena rebeldia militar contra o governo. Bonita oportunidade para tratar
dos meus assuntos! * 19 de Outubro: Manhã trágica. Mataram o
presidente do governo e não sei quem mais. Estava no salão quando um chausseur me
veio pedir que descesse ao hall.
Desci. No vestíbulo estavam cinco pessoas. O novelista inglêz,
a Asta, o Conde de T…, o conciérge, e o carteiro. Atravez
dos vidros via passar em frente ao hotel um homem de laço à Lavallière e de carabina a tiracolo. Perguntei
ao carteiro se era carta registada. Que não! Um simples postal. Admirei-me
que ele quisesse entregar-me de mão própria um simples postal; admirei-me por
ver esse postal estampilhado com sêlo portuguez; admirei-me sobretudo dos seus dizeres a lápis
azul, feitos sobre o seu conteúdo redigido a tinta: Tenha cuidado. Julgam-no um enviado estrangeiro
contra os revolucionários e querem assassiná-lo. Não saia à rua. Estão a
vigiá-lo. Quando
levantei os olhos do postal, buscando o carteiro para o interromper, já ele
atravessava o grupo onde estavam Asta, o
novelista e o conde e saíra para a rua. Estive uns minutos – uns cinco,
talvez – reflectindo naquele mistério, e resolvi,
por fim, seguir os conselhos do desconhecido protector.
Mas, no momento em que pisava o primeiro degrau da escadaria ouvi que me
chamavam… Voltei-me rápido. Era o carteiro que regressava ao hall. –
Tinha outra carta para o senhor e esquecia-me de lh´a entregar… Rasguei
o envelope, já na intenção de um novo imprevisto e li: «Não manifeste a menor surpresa, senão está
perdido. Não suba pelas escadas. No primeiro patamar está alguém oculto para
o matar, logo que passe ao seu alcance. Dê uma corrida para o ascensor e vá
até ao último andar.» Desta
vez, confesso, fiquei atontado. Que queria aquilo dizer? Quem quer que fosse
que me prevenia devia estar no hall….
Mas quem? Quem? Se eu não vira o carteiro conversar com nenhuma das pessoas
presentes! Pelo
sim, pelo não, resolvi seguir à risca as indicações que me ofereciam. Dei uma
corrida para o ascensor e premi o botão do quarto andar. Espreitando pelos
vidros do ascensor vi, no primeiro andar, um indivíduo de extravagante porte,
com cartuchame à cinta e a mão direita no bolso do sobretudo. Estava meio
oculto, muito colado à parede e espreitava para a escada como se estivesse
esperando alguém. Esse alguém devia ser eu que já estava marinhando pelas
alturas do Avenida Palace! * 22 de Outubro: Irra! Até que enfim! Há dois
dias que estou com o enigma dos avisos anónimos sobre as brazas
dos miolos a ver se frigem uma solução… E ei-la… A única pessoa que podia ter
escrito aqueles postaes e sobretudo aquela carta
era… Releiam
as linhas em itálico, raciocinem e encham o coupon. = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = EFEMÉRIDE Foi
a 9 de Dezembro de 2012 que faleceu o Homem que maior influência exerceu na
divulgação da Problemística Policiária: "SETE
DE ESPADAS", pseudónimo de Manuel José Tharuga
Lattas - ribatejano natural da Chamusca que, tendo
estudado no então Liceu de Santarém, prosseguiu depois a sua vida em Lisboa.
Nos seus 67 anos de intensa actividade policiária
foi decifrador, produtor, fundador do Clube de Literatura Policiária, criador
da revista "Xyz - Magazine", etc, mas foi principalmente como responsável pela
publicação de inúmeras Secções Policiais - nomeadamente em revistas juvenis
como "Mundo de Aventuras", "Cavaleiro Andante",
"Camarada" e variados outros órgãos que desenvolveu uma tão
marcante actividade que lhe conferiu, para sempre,
um dos lugares mais destacados na história da Problemística
Policiária Portuguesa. Brevemente a Secção Policiária da revista
"Sábado" vai promover um importante Torneio de homenagem póstuma a
"Sete de Espadas", que está a gerar grande expectativa.
Fontes: Secção
Correio Policial, 11 de Dezembro de 2020 | Domingos Cabral Blogue Repórter de
Ocasião, 15 de Junho de 2024 | Luís Rodrigues |
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© DANIEL FALCÃO |
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