|
||||||
22 de Março de 1957. É
publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”,
orientada por Jartur – curiosamente, por lapso
tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”. Domingos Cabral, com 15 anos completados
recentemente, responde ao problema naquela inserido
– “O Táxi Misterioso”, transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à
modalidade vinha fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do
“Mundo de Aventuras”, de que era leitor há alguns anos. Sabendo, por isso, que era habitual o uso de
pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um,
acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector
Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido
pelo Autor (Jartur), após resolver o caso,
dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que
ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante
começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”…
De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho… In Mundo dos
Passatempos, 1 de Setembro de 2007 Correio Policial, 1 de Janeiro de 2021 |
PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA
POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a
editar) 16 CICLO REINALDO FERREIRA “REPÓRTER
X” CONCURSO DOS CONTOS
MISTERIOSOS Nº 14 O SEGREDO DO “LOIRO” À
volta de Gastão de Moraes teceu-se a fama de uma falsa originalidade, com
arrepios excêntricos, explorada com a sciencia de
um reclamista Yankee para a conquista do êxito dos seus livros e das suas
peças de teatro. Mas eu, que o tratei nos bastidores da existência, na
intimidade do seu laboratório literário, posso desmentir essa lenda. A
invulgaridade de Gastão não era superficial foi calculada. Viera assim ao
mundo – como podia nascer manco ou estrábico… Satisfazia os seus caprichos
estranhos, criando um ambiente extravagante e fazendo uma vida ímpar e
diferente de todos os outros mortaes, como podia
picar-se com morfina os aspirar o fumo do ópio. Quando
ele se instalou naquele chalet do Estoril, encimado
de antenas que o ligavam aos concertos de Londres e às conferências
científicas de Berlim, não pretendeu apenas a criação de uma residência digna
das suas excentricidades; pretendeu também a fundação de um novo planeta. Na
carta em que me convidava a visitá-lo, escrevia ele que o seu “astro” de S.
João do Estoril estava tão separado da terra, como o podia estar Marte ou a
Lua... O
seu gabinete de trabalho, decorado como uma scenografia
do Chatelet era uma amálgama de museu, de arquivo,
de ferro-velho e de atelier. Enjauladas nas estanterias havia bonecas de todos os paízes
– e sobre as mapples, nitidamente cinematográficas,
erguiam-se pirâmides de livros. Via-se uma frasqueira completa dentro de um aquarium seco, vis-à-vis com um gramofone e um Pathé-Baby. Sobre a mesa onde ele escrevia
enfileiravam-se doze canetas de tinta permanente – de uma tinta amarela,
única no mundo, destinada a cobrir as folhas negras onde Gastão redigia as
suas novelas e as suas comédias. Mas,
o que sobretudo me irritou, naquela originalidade desequilibrava e berrante,
foi o papagaio que se empoleirava num candieiro de
pé, junto à sua secretária. Era um papagaio caduco, de bico rombo, com a
carne a aparecer, nua e vermelha, por entre a penugem esfiada e descolorida.
Gastão adivinhou o sentimento de repulsa que o bicho me provocara e
sorrindo-se, disse: –
Tu és como os outros… Tu não gostas do pobre “Fantomas”…
E afinal são os teus nervos que te enganam. O que sentes por ele não é
antipatia: é o pressentimento do seu mistério secular. Olhei,
de revez, o papagaio. E o papagaio, inclinando a
cabeça, olhou-me, vesgo e atento, com uma expressão de ironia, quasi humana. Depois, roufenho falou, como se se
dirigisse a mim: –
Para que é que voltaste atraz? Esqueceste-te da
espada? Ah! Assassino! Aqui d´El-Rei! Assassino! E
mais roufenho ainda, repetiu, com prolongamentos
aflitivos: –
Assassino! Assassino! Um
arrepio de morte me arranhou o dorso. Soergui-me da cadeira; e se não fosse Gastão
chocalhar uma gargalhada teria cometido o ridículo de fugir dali a sete pés. –
Que significa esta macabra lenga-lenga que tu
ensinaste ao papagaio? –
Eu? Enganas-te, meu velho. O papagaio, quando veio parar às minhas mãos já a
sabia há um século… * E
Gastão de Moraes contou-me a história do seu “Fantomas”: –
Como tu sabes, minha mulher descende, em linha recta,
do Coutinho da Silveira, que acompanhou D. João VI ao Brazil
e que foi o autor de umas ingénuas memórias, que nunca chegaram a passar do manuscrito,
sobre a vida do monarca portuguez nos seus domínios
d´Além Atlântico. Coutinho da Silveira estava arruinado e perseguido pelos
ódios da rainha Carlota Joaquina – e resolveu abandonar o seu senhor e
dedicar-se ao comércio. O comércio, nessa altura, significava deitar-se à
sombra da milagrosa árvore das patacas. Lá casou e lá morreu, deixando aos
filhos uma arca a transbordar ouro. O meu sogro, bisneto do velho Coutinho da
Silveira, liquidou a casa que possuía no Rio, e veio, em 1914, viver para a
Europa com armas e bagagens… Misturado com os bahús,
com as pratas e com os boiões de goiabada, trouxe este papagaio, que eu
herdei, baptisando-o então de “Fantomas”…
A
história que provocava bocejos a meu sogro,
interessou-me como me interessam todos os enigmas. Comecei a vasculhar os
arquivos, até que encontrei, nas taes memórias
manuscritas do velho Coutinho da Silveira referências, não ao papagaio mas a Aldelini. Aldelini, uma veneziana de encantar, fora
para o Brazil, acompanhando um holandez
de aventura… Dizia-se actriz – mas poucas vezes
exibiu os seus talentos. O holandez morreu de
febres e ela, pouco depois, protegida pelos ricaços da época, abria salões
faustuosos na capital da colónia. Cortesã sem escrúpulos nem pudor, mas hábil
e ambiciosa, a sua existência deslizou suavemente. Mas um dia deu-lhe para se
apaixonar por um jovem fidalgo portuguez,
despertando os ciúmes de uma mulher mui poderosa e altamente colocada, de
quem o autor não diz o nome mas que não é difícil adivinhá-lo… Essa mulher
tinha o hábito de se desembaraçar das rivaes – e Aldalini foi assassinada por mandato dessa fêmea ciumenta
e poderosa. Na
noite do crime ela recebeu secretamente quatro visitas de íntimos seus. D.
Eurico da Cunha, sátiro em decadência, que se apoiava a duas muletas; o
tenente Rosa, um oficial plebeu e pobretão; António Coelho, rico fazendeiro,
que, como Mr. Jourdain,
pagava generosamente a companhia dos fidalgos; e D. Pedro de Noronha,
estudante, que andava em derriço romântico com a cortezã.
Partiram os quatro um pouco antes da meia-noite – e na manhã seguinte Aldelini aparecia numa poça de sangue, com o peito
trespassado. A
justiça da época tomou conta do caso… Os creados
denunciaram os nomes dos quatro visitantes da véspera. Tinham saído juntos –
e a honradez de um deles não permitia supor que o crime houvesse sido
cometido de colaboração entre os quatro… Um só teria sido o assassino… Os creados garantiram que não tinha entrado ninguém mais,
após a saída do grupo. E a influência da mandatária da proeza fez com que o
silêncio cobrisse o crime, como a terra tinha coberto o cadáver de Aldelini. “Dessa
tragédia e desse enigma restou apenas uma testemunha: o papagaio. E o
papagaio, com a sua extraordinária memória mecânica, de disco gramofónico, que vem, um século depois, elucidar-nos
sobre um detalhe: que o assassino, sob um pretexto qualquer, voltou à sala
onde estava Aldelini e a matou… E eu à força de
ouvir o “Fantomas” familiarisei-me
numa tal intimidade com esse mistério que, dentro do meu espírito, empreendi
uma platónica averiguação detectivesca. E afinal, não era difícil. O
assassino de Aldelini foi...” Raciocinem;
releiam as linhas ponteadas e encham o coupon: A PROPÓSITO DOS “PRIMÓRDIOS” E DO “REPÓRTER X” "Os
Primórdios" é um projecto já com vários anos
destinado a, em livro, o "nascimento" entre nós da problemística policiária – que durante bastante
tempo foi situado no ano de 1945, na revista "Detective",
suplemento da Vida Mundial Ilustrada, marco temporal que, entretanto,
regrediu graças à acção de pesquisa desenvolvida,
especialmente, por dois grandes nomes do policiário: Dr. Joel Lima e João
Artur Mamede (“Jartur"). De facto, este detectou, entretanto, uma Secção Policial publicada no
periódico “Notícias Ilustrado”, em 1929, dirigida por L. Figueiredo, e o Dr.
Joel Lima (estudioso da vida e obra de Reinaldo Ferreira) no seu livro “O
Porto do Repórter X” divulgou que de Reinaldo Ferreira o “Primeiro de
Janeiro” publicara, em 1927, os chamados “50 Contos Misteriosos” (na verdade
51, porque um foi considerado de “espécime”). Alguns
– poucos – questionaram se tal se podia integrar no conceito da “Problemística Policiária”, por serem designados por
“contos”, a sua divulgação não ser feita através de uma secção assumida como
tal, etc., mas rapidamente esses pruridos se desvaneceram, porque se tratava
realmente de problemística policiária: enigmas de temática policial submetidos à decifração dos leitores,
com as respostas a serem submetidas a pontuação e atribuição de prémios. Por
circunstâncias várias, a publicação dos “Primórdios” em livro tem sendo vindo
a ser protelada - embora se vá concretizar em breve. Entretanto, surgiu a
hipótese de, embora com algumas adaptações, a sua publicação se processar
também nesta “Página” - o que actualmente acontece. Mas,
alguns esclarecimentos haverá, a propósito, que fazer. Assim: 1. Soluções Alguns
leitores têm manifestado estranheza por, publicados os “contos/enigmas”, não
divulgarmos as respectivas soluções. Não o fazemos
porquanto as mesmas, completas, também não o foram pelo “Janeiro” – apenas
umas brevíssimas indicações de uma/duas linhas esclarecendo que o “culpado
foi...”, sem qualquer fundamentação. E, embora tal missão pudesse ser agora
por nós efectuada (até porque a maioria dos enigmas
são de resolução muito simples...) entendemos não o dever fazer porque tal
seria interferir na fidelidade que queremos manter na reprodução deste
trabalho de Reinaldo Ferreira. 2. Ortografia Fidelidade
que também objetivámos com a manutenção da ortografia da época (1927), que,
todavia, nos levantou várias dificuldades. É que Reinaldo Ferreira entregava
na Redação do “Janeiro” os textos, manuscritos, dos “Contos, e como, na
altura, estes ainda eram compostos, letra a letra, com caracteres de chumbo,
e nem sempre pelos mesmos compositores, acontecia com frequência
verificarem-se dúvidas de interpretação e saírem palavras grafadas de forma
diversa, ausência de acentuações ou feitas de forma errada, etc... (Aliás,
foi assim que surgiu o pseudónimo de “Repórter X”, resultante de um rabisco
por si feito e interpretado daquela maneira pelo tipógrafo”). 3. O porquê da publicação aqui dos “50 Contos”... ...e
não apenas dois ou três, para assinalar a data da sua divulgação inicial. Bom,
primeiro por que os “Contos” representam um marco importante na história da problemística policiária: o seu nascimento. Depois, por
que foram escritos por um dos mais carismáticos nomes do jornalismo português
de sempre – muito versátil: jornalista, repórter, cineasta, dramaturgo, etc.
- o qual nunca será demais prestar manifestação do nosso apreço. D.C.
Fontes: Secção
Correio Policial, 1 de Janeiro de 2021 | Domingos Cabral Blogue Repórter de
Ocasião, 31 de Julho de 2024 | Luís Rodrigues |
|||||
© DANIEL FALCÃO |
||||||
|
|