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22 de Março de 1957. É
publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”,
orientada por Jartur – curiosamente, por lapso
tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”. Domingos Cabral, com 15 anos completados
recentemente, responde ao problema naquela inserido
– “O Táxi Misterioso”, transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à
modalidade vinha fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do
“Mundo de Aventuras”, de que era leitor há alguns anos. Sabendo, por isso, que era habitual o uso de
pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um,
acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector
Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido
pelo Autor (Jartur), após resolver o caso,
dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que
ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante
começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”…
De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho… In Mundo dos
Passatempos, 1 de Setembro de 2007 Correio Policial, 8 de Janeiro de 2021 |
PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA
POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a
editar) 17 CICLO REINALDO FERREIRA “REPÓRTER
X” CONCURSO DOS CONTOS
MISTERIOSOS Nº 15 “PUDING” DE CEBOLA Este
episódio, antes de vir metalizar-se aqui no chumbo das linotypes, sofreu um
ensaio de apuro na vida real. Quer dizer, em suma, que a minha fantasia não
teve de fatigar-se para o engendrar. …E
não foi há muito tempo: não foi preciso navegar pelos mares tenebrosos dos
arquivos e da Torre do Tombo. Data apenas de há dois anos e meio… Onde?
Quem o heroifica? Nestes detalhes, sim, intervem a
imaginação. Suponhamos que esta anedota teve, como palco, um palácio – um
palácio na Avenue du Bois
- em Paris. Pois bem… no verão de 1825. * No
verão de 1825, uma família de apelido Piñol,
numerosa e ridícula, desembarca em Cherbourg e vem,
de olhos escancarados, instalar-se em Paris. Compõe-se a tribo de papá, mamã,
cinco descendentes directos – um do sexo masculino,
com prosápias no vestuário e no porte. À Willim Farnum e muito convencido que a Dama das Camélias se
apaixonará por ele, logo que o saiba em França, e quatro do outro sexo, todas
pretensiosas, ruidosas, olheirentas, prendadas à lá maniére
espagnole, muito lidas em romances traduzidos e tão
orgulhosas do dote prometido pelo pai, tão ambiciosas de luxo e de pompa, que
trazem o plano de se aparafusarem, como eixo único, à vida elegante e
aristocrática de Paris. O
velho Piñol, há quarenta
anos, descera de blusa e alpercatas ao porão de um transporte de emigrantes…
O Chile, o Peru e por fim a Venezuela escancaram-lhe as portas diamantinas da
Fortuna. Muitas vezes milionário e sem energia para controlar os caprichos da
prole, resolveu ir para França e pagar, por qualquer preço, a realisação dos sonhos e ambições do menino e das meninas. No
primeiro mês instalaram-se no Claridge Hotel e instalaram-se
no Claridge porque lhes disseram que era o mais
caro da capital. Mas logo na semana da chegada manivelaram todas as agências
parisienses para que lhes buscassem um palácio – quanto mais histórico
melhor. Por
fim encontraram aquele casarão na Avenida du Bois.
Quatro andares, jardim, um pateo interior maior que
uma praça pública, oito salas, um salão de festas do tamanho da Ópera de
Caracas e uma cozinha que poderia servir de laboratório gastronómico para
toda a população da Venezuela. Em
dois meses o velho Piñol gastou dois milhões de
francos. Dubreck, Joileaux,
Marsac forneceram-lhe os móveis e as tapeçarias… Catullon, as pratas; Fillier,
as louças; Jacob pintou em dois dias os retratos de todos os antepassados de Piñol até a um grave capitão barbudo, que acompanhara Cristovam Colombo à América. Paquin
e Regnier vestiram as damas; “New London” forneceu as casacas ao papá e ao
herdeiro. Montada
a peça de grande espectáculo – faltavam os
espectadores… E eis o Piñol a gatafunhar à pressa
os cheques sobre o Banco Rio de la Plata, subornando os elegantes pobres da
sociedade parisiense, os petrónios aventureiros, os béguins profissionaes dos salões – para estabelecer o contacto
entre os neófitos e o Tout-Paris, tão ambicionados
pelas señoritas Piñol. * Chegou
o grande dia – um dia de apoteose da família Piñol.
Vão dar o primeiro banquete. A ele assistirão dramaturgos afamados, cronistas
mundanos, marquezas da velha roche
– e de todas as roches; diplomatas, generaes de vários uniformes, artistas em moda - e
possivelmente o ministro dos Estrangeiros quem, um dos aliciadores convenceu
que Piñol, mais dia, menos dia, seria eleito
presidente da República da Venezuela. A
dona de casa sobre quem pesava uma tremenda responsabilidade – a de servir de
regisseur da festança, limitava os seus
conhecimentos em francez a três frases: oui, monsieur, non madame; ah! que chaleur! Para dirigir os
guisados aquele vocabulário era insuficiente. Tinham trazido de Caracas algum
pessoal; Nañela, uma mulata especializada em paella; Rondon, índio mestiço,
bacharelado em almondegas e petiscos nacionaes, e
Paço, que aprendera com os deuses a alquimia dos doces divinos. O jantar
deveria ser cozinhado por estes três “azes” da glutonaria venezuelana – e
para que os curiosos não o estranhassem foram prevenidos por Piñol que o menu oferecia a surpreza
de um absoluto regionalismo transatlântico. Para
ajudar os três cozinheiros importados da Venezuela vieram dois moços da
cozinha do Claridge, Jean e Luquec,
aparvalhados cidadãos de Auvergnne; e o próprio
Max, porteiro que há mais de vinte anos servia o palácio, cedido a Piñol juntamente com a casa, foi destacado para o serviço
de picados e temperos. Max
era um resmungão e antipatizava com os novos amos. E aproveitando a
ignorância dos cozinheiros de Piñol, satisfazia-se
insultando-os, em francez. –
“Sales types”! Nouveaux riches”! “Tanta comida estragada”! –
Só com um desses pratos alimentava-me eu e os meus quatro netos durante um
mês inteiro. Também
os amos não gostavam de Max. Mas Max era útil. Max sabia todos os recantos do
palácio. * O
jantar estava anunciado para as sete e meia. Às sete chegaram os convidados;
e desde então os Piñol não falavam de outra coisa
que não fosse a originalidade do menu, à maneira da Venezuela. E sem notarem
os risos que os convidados dificilmente abafavam, insistiam no elogio à volta
de um tal puding de cebolas, um mimo da guloseima
venezuelana, objecto dos maiores cuidados dos
alquimistas da cozinha. Ao ouvirem falar de puding
de cebolas, os convivas entreolharam-se assustados. E os Piñol
explicaram: –
Leva cebola e chocolate e hervas de…
É uma verdadeira delícia! É o clou do nosso jantar
– o prato substancial… É doce e alimentício ao mesmo tempo. Come-se desde
aperitivo até ao café… Pode e deve-se esfarelá-lo na sopa – e molhá-lo no
café. Entretanto
na cozinha era grande a barafunda. Todo o pessoal sob as ordens do mestiço Rondon, confeccionava
o puding de cebola. O aspecto
era tentador. Dir-se-ia um castelo coberto de carvão… Mas Rondon
dava ordens e ninguém o entendia. Jean, quando ele pedia assucar, trazia-lhe
pimenta; Luque perdia-se no labirinto da casa; a
mulata Nanêla descompunha os francezes
e chamava-lhes selvagens; e Max, o velho Max, anti-burgez,
esquecia-se, por momentos, dos netos, para rir-se a bom rir. Às
sete horas o puding saiu do forno para esfriar, e
foi guardado por Max num armário forrado de zinco. * Sete
e meia! Oito horas! Oito e meia! Madame Piñol, repetia vinte vezes o Oh! Que chaleur!
Mas o jantar não era servido. Havia gestos de impaciência entre os convivas.
Tocou-se a campainha – e a mulata Nanêla, muito
enfiada, veio segredar aos amos: –
O puding de cebola desapareceu!
Era
evidente. O roubo tinha sido feito por alguém que estava na cozinha. Mas qual
dos seis funcionários dessa secção do palácio era o ladrão? A
família Piñol nunca o descobriu; e contudo se ela
estivesse estado na cozinha durante a confecção da
guloseima, se tivesse escutado as conversas que lá se trocaram, não hesitaria
em acusar (……..) como autor da proeza. Quem furtou o puding? REINALDO FERREIRA A HISTÓRIA DE UM PSEUDÓNIMO... "A celebridade jornalística de Reinaldo
Ferreira fez-se em Portugal a expensas de uma "gralha", como em gíria
de Imprensa costumamos chamar aos erros tipográficos. Passando, um dia, a
vista pelo jornal A Tarde, do saudoso Jorge de Abreu, ficou ele muito
surpreendido por ver assinado com o pseudónimo Repórter X um artigo que tinha
firmado com o seu nome: Reinaldo Ferreira. Averiguou no dia seguinte que o tipógrafo lera
Repórter onde estava Reinaldo e X onde traçara, num arabesco fugidio e
apressado, o seu apelido Ferreira. Achou graça ao engano e adoptou-o. Por sorte, era aquele o primeiro de uma série
de artigos sensacionais que o Reinaldo se propusera escrever - e escreveu -
acerca da ditadura de Primo de Rivera, em Espanha.
E o pseudónimo, intrigando o público, aumentava-lhes o interesse. Perguntava-se
nos "cafés", mesmo entre os oficiais do mesmo ofício, quem seria
aquele misterioso Repórter X tão profundamente versado na política do país
vizinho. Quando tempos depois se difundiu a notícia de que Repórter X e
Reinaldo Ferreira eram uma e a mesma pessoa, já A Tarde tinha quadruplicado a
sua tiragem e o verdadeiro nome do articulista perdera interesse.” (Extracto do prefácio de Mário Domingues publicado no
livro "As Memórias Extraordinárias do Major Calafaia",
de Reinaldo Ferreira, "Repórter X", editado em 1945 pela "Vida
Mundial Editora, Lda.).
Fontes: Secção
Correio Policial, 8 de Janeiro de 2021 | Domingos Cabral Blogue Repórter de
Ocasião, 8 de Agosto de 2024 | Luís Rodrigues |
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© DANIEL FALCÃO |
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