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22 de Março de 1957. É
publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”,
orientada por Jartur – curiosamente, por lapso
tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”. Domingos Cabral, com 15 anos completados
recentemente, responde ao problema naquela inserido
– “O Táxi Misterioso”, transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à
modalidade vinha fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do
“Mundo de Aventuras”, de que era leitor há alguns anos. Sabendo, por isso, que era habitual o uso de
pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um,
acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector
Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido
pelo Autor (Jartur), após resolver o caso,
dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que
ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante
começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”…
De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho… In Mundo dos
Passatempos, 1 de Setembro de 2007 Correio Policial, 15 de Janeiro de 2021 |
PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA
POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a
editar) 18 CICLO REINALDO FERREIRA “REPÓRTER
X” CONCURSO DOS CONTOS
MISTERIOSOS Nº 16 O COLAR DAS TREZENTAS PÉROLAS A
fantasia está para o nosso equilíbrio espiritual como a lagosta para o
estômago do dispectivo. E a maior das agruras que a
fantasia, quando estala o seu envolucro, derrama
sobre a nossa alma, é, sem dúvida, a do desengano. O modelo mais acabado das
desilusões que a fantasia nos proporciona a diário baseia-se na grafia mental
dos entes, cuja existência e cujo nome nos invadem a imaginação. Há quanto
tempo ouvia eu falar de S. Tomás S…, das suas aventuras galantes, do seu
harém cosmopolita, do seu talento de bem trajar, de bem parecer, da sua
ditadura na elegância e nas frases de espírito? E fantasiava-o um pouco Eça,
um pouco Brulé, com mistério e atitudes de “Vencido
da Vida” e guarda-roupa importado de Regent Street. Mas
ontem conheci-o… Que desengano! Um sobretudo, modesto, umas
polainas de cor indefinida, um
chapéu mole que já não se
usa; uma dentadura postiça, abalada ao sopro de cada palavra; um monóculo de
aro e fitilho negro; uma calva sem disfarce, desnudando-se a cada
cumprimento; e para cúmulo, o desmazelo de uma barba branca de dois dias. Quem
m’o indicou, adivinhando, através da careta que me crispára o rosto, a desilusão sofrida, apressou-se a
dizer-me: –
Não julgues tu que o Tomaz, quando andava na actividade
elegante e brincava com os corações das bailarinas de S. Carlos, como os jongleurs brincam com os archotes incendiados, era assim,
como tu acabas de o ver. Não! Este amolecimento, esta abdicação, este
desprezo evidente por si próprio data de há pouco tempo. De 1919, se não
estou em erro… A causa? Tens interesse em ouvir uma história em que a tua
fantasia pode meter á vontade uns bruxedos ou feitiçarias? Então escuta: “Lembras-te
de Wanda Kasensko, a
bailarina russa que ia fazendo aos D. Juans de
Lisboa o que Nero fez às casas de Roma? Wanda Kasensko veio até cá, como primeira figura de uma troupe celebre de bailados, chefiada pelo príncipe R… O seu
físico acumulava tão inverosímeis perfeições de beleza que entontecia. Alta,
majestosa; o corpo de Venus, com ambos os braços –
e que braços; um triângulo facial que parecia feito de regua;
uns olhos negros, indianos, umas pestanas doiradas, uma boca que era um
comprimido de beijos; e para mais, inteligente,
artista por inspiração divina; e aureolada por todas as lendas… Que tinha
arruinado o rei das caixas de fósforos, nos Estados Unidos; que o kronpriz se quizera suicidar
por sua causa; que um monarca asiatico lhe
oferecera um fauteuil, na primeira fila, do seu palácio real… Enfim, o
bastante para excitar a vaidade de todos os “portuguesinhos valentes”. “Ao
princípio a sua corte foi numerosa. O camarim de S. Carlos estava sempre ao “grand complet”… Mas a frieza
com que eram acolhidos provocou a deserção em massa dos seus admiradores. Nas
últimas semanas da sua estadia em Portugal apenas isto dos pretendentes se
conservavam, heroicamente firmas no seu posto: o rico fazendeiro de Cabo
Verde, Marcial de Abreu, avelhacado e silencioso; o poeta, futurista e
esfomeado, Albano Real, que corava na presença de Wanda,
incapaz de dar á sua tenacidade o vigor de uma iniciativa e que passava todo
o tempo a esconder os punhos sujíssimos da camisa; e o Tomaz, que tu acabas
de conhecer… “Dos
trez, o que tinha uma decidida vantagem sobre os rivaes, era Tomaz. Dotado de uma viveza de espírito
superior ao poeta Albano; menos rico, mas muito menos sovina do que o roceiro
Marcial – ele podia fazer capitular a alma-tanque da russa, insinuando-se,
com a finura da sua inteligência e com a sedução dos seus presentes. “Porém,
contra todas as profetisações, contra a manifesta
fraqueza que Wanda exibia ante o seu assalto – a
vitória retardava. Tomaz impacientava-se. Naquele bacarat
amoroso arriscara a vaidade, a fama, e até um sentimento inédito de ternura.
E um belo dia quis fazer a parada suprema. Vendeu uma quinta que possuía lá
para o Douro e encomendou ao seu joalheiro de Paris um colar que, sendo digno
da imperatriz das Russias – o fosse também da
bailarina. Calcula tu o que seriam umas trezentas pérolas, das melhores que o
Japão exporta, numa enfiada de quasi dois metros…
Quarenta mil libras, creio que custou a jóia… “O
colar teve honras de segredo de Estado. Veio de Paris a Lisboa, guardado por
dois detectives. Restava agora teatralizar a
entrega – e esta foi solenemente realizada, no camarim de Wanda,
na presença de Marcial, de Albano e do Boris Kasensko,
irmão, secretário e talvez explorador das venturas financeiras da bailarina.
Quando o colar surgiu sobre a seda azul do estojo, como uma constelação de
estrelas no céu límpido de Nice – Wanda cambaleou;
os rivaes de Tomaz empalideceram e Boris corou até
ao rubro. “O
coração de Tomaz fez vários looping-the-llop” dentro do peito. Ante-gosava
já a vitoria. E á saída, perguntou ao ouvido da
bailarina: –
“Cede finalmente á ceia que eu lhe esmolo em vão, há tantos mezes? –
E ela, perturbada, como uma noiva, segredou-lhe: –
Hoje, não! Amanhã… –
Jura? –
Juro! Como podia eu mentir a um homem como você? “Tomaz
não dormiu aquela noite! Parecia um colegial a preparar-se para uma matinée
do Coliseu… E quando, às oito horas, se burrufava
com os últimos perfumes, o creado trouxe-lhe um
embrulho e uma carta que o chassuer do Hotel de
Inglaterra acabava de deixar. Rasgou o envelope e, aparvalhado, leu pouco
mais ou menos o seguinte texto: “Tudo posso perdoar a um homem, menos o
insulto de uma troça. Você acabaria talvez por conquistar-me, sem presentes.
Mas a pretenção de me burlar, de me vexar com uma
esperteza ridícula, afasta-o para sempre da minha vida. O colar que me
ofereceu, dizendo que fôra preparado especialmente
para mim, no melhor joalheiro da Rue de La Paix é uma falsificação grosseira. Deve ter custado, na
sucursal do Krept em Lisboa, algumas dezenas de
escudos apenas. Adeus para sempre da… - Wanda Kasensko.” “Tomaz
deixou de pensar, de comer durante 24 horas e deixaria também de respirar se
fosse possível a asfixia, por esquecimento. Essa apatia foi-lhe fatal. Quando
despertou e quis reagir, já era tarde. Wanda abandonára a troupe sem dizer água-vai ao director e partira no Sud, para
ponto desconhecido… Atontado, temendo enlouquecer, telegrafou para Paris;
encarregou os amigos de processar os joalheiros. Os joalheiros provaram
facilmente que o colar saíra perfeito das suas oficinas. Os detectives que tinham sido seus portadores estavam fora
de toda a suspeita. Dirigiu-se então ao Lemos da Silva, o perito que
apreciara o colar à sua chegada a Lisboa. –
Não há dúvida! afirmou o Lemos. Este colar é uma
imitação grosseira! –
Mas tu garantiste-me o seu valor quando eu t’o trouxe aqui, há semanas. –
Garanti – porque esse era… verdadeiro. –
Nesse caso existem dois colares? –
Absolutamente… «Era
caso para perturbar o cérebro mais sólido. E Tomaz quis fazer averiguações
por sua conta. Foi ao hotel de Wanda e subornou os
empregados: no dia seguinte à oferta do colar a bailarina tinha sido
visitada, nos seus aposentos, pelo roceiro Marcial, pelo irmão Bories e pelo poeta Albano. Tomaz começou a acreditar que
houvera escamoteação e troca de colares nos próprios aposentos de Wanda, no dia da carta. Mas quem seria o escamoteador? O objectivo parecia-lhe claro. O objectivo
fôra o roubo… “Mas
este convencimento durou pouco. Uma manhã, o correio trouxe-lhe uma encomenda
postal, registada. Abriu-a e ante os seus olhos pasmados surgiu um colar de
pérolas. Nenhuma explicação o acompanhava. Correu com o estojo ao Lemos da
Silva. Ele examinou as pérolas, limpou-as, mordeu-as: –
Este colar é verdadeiro! - afirmou. Este colar é o
primeiro que tu me mostraste. “O
mistério complicou-se, adensou-se, tornou-se opaco. Provara-se que o móbil da
troca dos colares não fôra o roubo – que móbil
inspirara o escamoteador? E quem seria esse escamoteador? Tomaz só o soube um
ano depois, quando a “Comedia” deu a conhecer a notícia do casamento de Wanda…
–
Com o escamoteador do colar. –
E quem era o escamoteador do colar? –
Era ________. Raciocinem,
releiam as linhas em itálico, vejam a quem podia interessar a escamoteação do
colar e encham o coupon. FALANDO DE REINALDO FERREIRA “Mais do que “Repórter”, foi Reinaldo
Ferreira um admirável novelista de ficção como se nele se reunissem um Jack
London, com todo o ímpeto das suas aventuras, e um Edgard
Wallace com toda a técnica do surpreendente. As necessidades do dia a dia obrigavam o novelista – tão bom como os melhores
do mundo - a envergar o “colete de forças do “repórter”. A nossa indústria editorial era demasiado
estreita para que nela coubesse e se expandisse livremente um escritor da sua
envergadura. No entanto, sempre que podia, o novelista
dissimulado em repórter punha de parte o seu “travesti” e dava-nos novelas
encantadoras como Mataram, o Duque, Preto e Branco, Cinco Mil Francos por
Mês, em que, a par do imaginoso, brilhava o observador muito humano e até
moralista. O seu forte, porém, eram os temas policiais e de aventuras. Um
Edgar Wallace, um Van Dine, um Mayn Reid não
desdenhariam assinar algumas das suas novelas. Se tivesse vivido em
Inglaterra ou nos Estados Unidos teria morrido milionário (...) para nos dar
(...) obras de maior equilíbrio e fôlego, para as quais não lhe faltavam
recursos de inteligência.” (Extracto do prefácio de Mário Domingues publicado no
livro “As Memórias Extraordinárias do Major Calafaia,
de Reinaldo Ferreira, editado em 1945 pela “Vida Mundial Editora, Lda.).
Fontes: Secção
Correio Policial, 15 de Janeiro de 2021 | Domingos Cabral Blogue Repórter de
Ocasião, 31 de Agosto de 2024 | Luís Rodrigues |
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© DANIEL FALCÃO |
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