22 de Março de 1957. É publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”, orientada por Jartur – curiosamente, por lapso tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”.

Domingos Cabral, com 15 anos completados recentemente, responde ao problema naquela inserido – “O Táxi Misterioso”, transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à modalidade vinha fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do “Mundo de Aventuras”, de que era leitor há alguns anos.

Sabendo, por isso, que era habitual o uso de pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um, acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido pelo Autor (Jartur), após resolver o caso, dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”… De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho…

In Mundo dos Passatempos, 1 de Setembro de 2007

 

 

 

 

 

Correio Policial, 25 de Setembro de 2020

 

 

PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a editar)

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Iniciámos na passada semana a divulgação de extractos do livro “Primórdios da Problemística Policiária Portuguesa" – a sair em breve – que, começando por fazer abordagem à tese durante algum tempo prevalecente de que esta começara entre nós em 1945, nas páginas da revista “Detective”, suplemento da “Vida Mundial Ilustrada”, passando-se depois ao segundo capítulo deste “nascimento” com a revelação feita por João Artur Mamede (“Jartur”), que numa Feira de Velharias adquirira uns quantos exemplares da publicação denominada “Notícias” Ilustrado, edição semanal do “Diário de Notícias” na qual encontrou, na edição n.º 63, de 25 de Agosto de 1929, o número inicial da Secção “O Leitor é Sherlock Holmes?” promovendo um Torneio de Decifração que viria a contar com a participação de 150 concorrentes. E assim, de 1945 recuámos para 1929 como data do início da Problemística Policiária.

Curiosamente, porém, não iríamos ficar por aqui, como se verá a seguir...

O Dr. Joel Lima, desde há dezenas de anos ligado à literatura policial, com um invejável currículo neste campo – autor de vários contos publicados no estrangeiro, colaborador e organizador de antologias e exposições, fundador e Presidente do ex-Clube de Literatura Policiária, Director Literário durante alguns anos da prestigiada “Colecção Vampiro”, autor, entre outros títulos, de “As Vidas Paralelas de Sherlock Holmes” (editado em 2 volumes e igualmente publicado em Espanha, Canadá e Estados Unidos), também profundamente conhecedor da vida e obra de Reinaldo Ferreira (“Repórter X”) e de Sherlock Holmes – publica, em 2004, em edição de “Campo das Letras, Editores, S.A.”, um livro intitulado “O Porto do “Repórter X”, onde parte da vida deste famoso jornalista/repórter/cineasta português do século passado é pormenorizadamente historiada.

Nele nos descreve, a página 19, o seguinte: “Por meados do mês, o “Janeiro” (Jornal “Primeiro de Janeiro”) em rectângulo de primeira página, passou a anunciar o lançamento, para breve, de um formidável "Concurso de Contos Misteriosos”. E o jornal prevenia: “Não deem voltas à cabeça! Por muito que procurem, não acertam com o que será”. E aconselhava: “Um pouco de paciência! Poupem a imaginação e os nervos para quando chegar o momento de decifrar o que é o “Concurso de Contos Misteriosos” – o mais original, o mais emocionante, o mais divertido, o mais enigmático de todos os Concursos”.

Mais adiante, Joel Lima volta a transcrever “O Janeiro”:

“No número de 20 de Janeiro, o grande periódico pormenorizava finalmente o certame que ia começar nas suas páginas. Pela primeira vez era revelado ao grande público que os contos seriam expressamente escritos pelo “Repórter X”. E havê-los-ia para todos os gostos, desde os “românticos”, aos “históricos”, dos “policiaes” às “grandes proezas da “escroquerie””, do “detectivismo”, da “espionagem” do “donjuanismo”. E em cada um, um variegado elenco de personagens, a que não faltavam “heroes, sábios, artistas, generais, políticos, ingénuas, criminosos, mundanas, intriguistas, etc., etc., etc.".

E os temas girariam sempre à volta de um “acontecimento misterioso: um roubo, uma intriga, uma escamoteação, um rapto, um desaparecimento, uma proeza de espião.”

Mas, advertia a coluna-reclamo: – “cada conto será suspenso na altura em que se revelar o nome do autor desse crime, desse rapto, desse roubo, dessa intriga, dessa escamoteação, etc. O leitor terá de raciocinar, de deduzir, de decifrar ou de adivinhar, pura e simplesmente como se tratasse de uma charada, de um enigma de um quebra-cabeças – quem foi, entre os personagens do conto, o autor da proeza.” E o jornal, depois de prometer distribuir “valiosos brindes aos que decifrarem o mistério das curtíssimas novelas do concurso”, perguntava: “É ou não original o novo Concurso que o “Primeiro de Janeiro” vai encetar no dia 30 do corrente?”.

Era – comentou Joel Lima – acrescentando: Que saibamos, não existe mais antigo vestígio da chamada “problemística policiária” no nosso país.

Alguns – poucos – ainda questionaram se tal iniciativa se poderia enquadrar no conceito de Secção de Problemística Policiária. Mas que características definem estas? A publicação de problemas, enigmas, contos misteriosos (chamem-lhe o que quiserem…) que desafiem os leitores à sua decifração, a apreciação e classificação das respostas recebidas pelo responsável pela rubrica, conforme o mérito apresentado, problemas que habitualmente formam uma prova competitiva – normalmente designada por Torneio ou Campeonato, e com atribuição de prémios aos melhores concorrentes a final.

Ora a verdade é que a iniciativa do ”Janeiro” cumpria todos esses itens – apenas com a diferença de que, em vez de denominar de problemas ou enigmas os desafios propostos, os designava por “Contos Misteriosos”.

E, quanto aos “valiosos brindes” prometidos aos melhores decifradores do concurso, será curioso, pela originalidade de que os mesmos se revestiam, reproduzir aqui o que o “Janeiro” anunciou:

 

 

Mais tarde, porém, viriam a ser revelados mais, oferecidos por outros patrocinadores, tais como:

– “Uma excelente caneta de tinta permanente” CONKLIN”, garantida para toda a vida;

– Um moderníssimo fogão de cozinha, com caldeira de cobre circular, no valor de 500$00;

– Uma bela figura de Terra-Cota (...) no valor de 100$00;

– Um serviço de lavatório, em faiança inglesa (...) no valor de 250$00;

– Um saco de batatas de 45 Kg”.

* * *

Finalmente, no dia 1 de Fevereiro de 1927 o jornal deu início formal à iniciativa com a divulgação de “As Rãs Amestradas de Lídia Tadiri”, que assim consagrou a criação da problemística policial no país – e dizemos formal porque dois dias antes tinha publicado, extra concurso e a título exemplificativo, um desses chamados “contos-misteriosos”.

“Durante mais de três meses – pondo de parte uma ou outra falha, quando havia notícia de tomo, o concurso, em regra, teve honras de primeira página. O conto era acompanhado de um cupão, destinado a ser preenchido pelos concorrentes, recortado e colado numa caderneta”.

“A partir do conto n.º 33, saído em meados de Março, o ”Janeiro” anunciou que já estavam à venda, na Administração do jornal, as cadernetas em que deviam ser colados os “coupons”; o seu preço era de 1$00, e a capa, ilustrada, evocava personagens dos “contos misteriosos”. Findo o certame, o periódico, em 8 de Abril, tornou pública a sua intenção de repetir os “contos” que, pelo “engrossamento dos pedidos”, mais frequentemente eram referidos como “tendo escapado à leitura dos concorrentes”, e mais dizia que, brevemente, seria fixado o prazo para a entrega das cadernetas. Duas semanas depois (22/4), já estava instalado o serviço de recepção e, passado um mês (22/5), o “Janeiro" punha à venda os jornais com todos os “coupons”.

“O afluxo de cadernetas deve ter excedido as expectativas porque só em 1 de Outubro é que se procedeu ao sorteio. Realizou-se às 16 horas, em sessão a que presidiu Artur de Sousa, chefe de contabilidade do periódico, secretariado pelo jornalista António Sarmento e pelo concorrente António Augusto Silva. No dia seguinte, o “Janeiro” fazia descer o pano sobre o sensacional certame, relatando como decorrera a assembleia...

* * *

E assim, com a muito preciosa colaboração do Dr. Joel Lima, aqui fica a história dos Primórdios da Problemística Policiária Portuguesa – que em breve, com este título, mas de uma forma mais desenvolvida, editaremos em livro.

* * *

Entretanto, em evocação e homenagem simbólica a Reinaldo Ferreira (“Repórter X”) – que esse outro grande nome do jornalismo português que foi Artur Portela classificou como “o maior repórter da Imprensa portuguesa” – temos o prazer de anunciar que a partir do próximo número passaremos a reproduzir os referidos “50 Contos Misteriosos”, a par de vários outros textos que contribuirão para um melhor conhecimento público da sua vida e obra, que tanto agitou o jornalismo português (e não só) e que hoje se encontra muito esquecido.

Com as particularidades do primeiro número do “Ciclo” que lhe iremos dedicar coincidir praticamente com a data do seu óbito – ocorrido em 4 de Outubro de 1935 – e, também, com a entrada desta “Página” no seu 11.º ano de publicação.

 

 

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Fontes:

Secção Correio Policial, 25 de Setembro de 2020 | Domingos Cabral

 Blogue Repórter de Ocasião, 31 de Dezembro de 2023 | Luís Rodrigues

 

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