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 22 de Março de 1957. É publicado, na revista
  “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”, orientada por Jartur –
  curiosamente, por lapso tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”.  Domingos Cabral, com 15 anos completados
  recentemente, responde ao problema naquela inserido – “O Táxi Misterioso”,
  transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à modalidade vinha
  fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do “Mundo de
  Aventuras”, de que era leitor há alguns anos.  Sabendo, por isso, que era habitual o uso de
  pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um,
  acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector Aranha”. É que, naquele
  problema, o investigador (Marcos Dias), concebido pelo Autor (Jartur), após
  resolver o caso, dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz,
  de facto, já que ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o
  principiante começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”… De
  qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho…  In Mundo dos
  Passatempos, 1 de Setembro de 2007 Correio Policial, 2 de Outubro de 2020 | 
 PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA
  POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a
  editar) 3 
 Como
  anunciámos na passada semana, iniciamos hoje a reprodução dos “50 CONTOS
  MISTERIOSOS” que o jornal “Primeiro de Janeiro” divulgou, com grande êxito,
  em 1927. Paralelamente
  com estes contos/Problemas inseriremos também textos de diversos autores
  reportando-se à vida e obra de Reinaldo Ferreira, assim contribuindo para um
  melhor conhecimento deste grande nome do jornalismo português do século
  passado. Aqui
  fica o primeiro, assinado pelo Dr. JOEL LIMA, profundamente conhecedor da sua
  vida e autor de livros sobre o mesmo. “OS PROBLEMAS POLICIAIS DO
  REPÓRTER X” POR JOEL LIMA A
  resolução de problemas de índole criminal – ou seja, os que, inspirados pela
  corrente dedutiva da Ficção Policial, fazem do leitor um candidato a
  detetive, desafiando-o a resolver, através dos indícios constantes da
  narrativa, o enigma colocado normalmente pelo “quem” e, por vezes, pelo
  “como” de certa atuação delituosa – constitui, desde os aos 30 do século XX,
  uma forma de entretenimento de ócios que cedo ombreou com as charadas e as
  palavras cruzadas na época pré-sudoku. Nos
  países anglófonos, é uso dizer-se que o passatempo foi criado por Lassier
  Wren e Randle McKay, proclamados originators
  of the detective problem for, quando, em 1928, The Crime Club, Inc., e a
  Doubleday, Doran & Company, Inc., de Garden City, N.Y., publicaram o
  primeiro “Baffle Book of Crimes to Solve”, por eles redigido. O livro teve
  boas vendas e, nos dois anos seguintes, houve um “2nd Baffle Book” e um “3rd
  Baffle Book”, apregoando os editores que aquele “novo e fascinante jogo”
  alcançara larga popularidade, “varrera o país de lés a lés” – como era
  reconhecido num artigo de The Vanity
  Fair – e se propagara, em simultâneo à Inglaterra e à Alemanha. “Mais
  crimes para resolver é o que pedem os fans”. Nas décadas seguintes, Harold
  Austin Ripley alcançou fama e fortuna, graças aos seus “Minute Mysteries”,
  publicados por mais de cem jornais americanos e por muitos de todo o mundo,
  coligidos em volumes da “Pocket Books” e levados à tela em treze
  curtas-metragens. Os
  Estados Unidos são useiros e vezeiros em reivindicar para os seus cidadãos
  façanhas e descobertas que, na verdade, já haviam ocorrido em outros pontos
  do globo (que o digam os irmãos Lumière, preteridos, do outro lado do
  Atlântico, por um Edison  Depois
  de uma prolongada lua de mel europeia que trouxe a este mundo uma menina, em
  Paris, e um futuro poeta, em Barcelona, Reinaldo, em 1926, fora contratado
  pelo Janeiro, assumindo-se, quase de imediato, como vedeta da redação do
  então mais lido periódico do Porto. Já levava, no ativo, dois folhetins – O Táxi nº 9297 (que, mais tarde, iria
  ser livro, filme e peça de teatro) e A
  Virgem do Bristol (que se ficou por livro), bem como a bem humorada
  reportagem de um caso amoroso que, hoje em dia, valeria a Reinaldo o labéu de
  “homófobo” (e que também pode ter inspirado, não o entrecho mas, talvez, o
  título do filme Rita ou Rito?…). Enquanto
  decorria, no Janeiro, o duelo entre
  Rita (ou Rito) e Ambrosina, outros dois acontecimentos se preparavam: um, no
  interior do jornal, a viver intensamente o grande “Concurso dos Contos
  Misteriosos”, outro, nas hostes dos saudosistas da “República Velha”, pouco
  dispostos a suportar por mais tempo uma “Revolução Nacional” que percorria,
  penosamente, o seu ano 1. No
  número de 20 de Janeiro de 1927, o grande periódico pormenorizava finalmente
  o certame que ia começar nas suas páginas, lá para o fim do mês. Pela
  primeira vez fora revelado ao grande público que os contos seriam
  “expressamente escritos” pelo “Repórter X”. E havê-los-ia para todos os
  gostos, desde os “românticos” aos “históricos”, dos “policiaes” às “grandes
  proezas dos azes da escroquerie”,
  do detectivismo, da espionagem ou do “donjuanismo”.
  Em cada um, variegado, “elenco de personagens”, a que não faltavam “heroes,
  sábios, artistas, generais, políticos, ingénuas, criminosos, mundanas,
  intriguistas, etc., etc., etc.”. E os temas girariam sempre à volta de um
  “acontecimento misterioso, um roubo, uma intriga, uma escamoteação, um rapto,
  um desaparecimento, uma proeza de espião. “Mas”
  – advertia a colina-reclamo – “cada conto será suspenso na altura em que se
  revelar o nome do autor desse crime, desse rapto, desse roubo, dessa intriga,
  dessa escamoteação, etc., etc. etc. O leitor terá de raciocinar, de deduzir,
  de decifrar ou de adivinhar, pura e simplesmente – como se se tratasse de uma
  charada, de um enigma, de um quebra-cabeças – quem foi, entre os personagens
  do conto o autor da proeza”. E o jornal, depois de prometer distribuir
  “valiosos brindes aos que decifrarem o mistério das 50 curtíssimas novelas do
  concurso”, perguntava, de peito inchado: “É ou não original o Novo Concurso
  que o “Primeiro de Janeiro” vai encetar no dia 30 do corrente?” Era.
  Que saibamos, não existe mais antigo vestígio da chamada “problemística
  policial” no nosso país. Dois anos mais tarde, L. Figueiredo, no Notícias Ilustrado, dirigira uma
  secção dedicada ao passatempo, sob a epígrafe “Problemas Policiais – O leitor
  é Sherlock Holmes?” (durou de 25/8 a 17/11, comportou dez enigmas e acabou
  quando o orientador, de partida para Nova lorque, se despediu dos
  concorrentes anunciando que, em breve, para gáudio dos leitores da gazeta,
  regeria, por correspondência, uma nova escola de “Polícia Científica”
  tendente a propiciar preciosos conhecimentos aos portugueses apaixonados pelo
  entretém).  “O
  policiarismo problemático” teve a sua idade de ouro em meados do século
  passado e, ainda hoje, dispõe de apaniguados fiéis, não obstante a pandemia
  dos passatempos ditos virtuais. Para
  que os leitores, nada habituados a passatempos do género, ficassem cientes do
  que os esperava, o Janeiro no dia
  29 apresentou um conto exemplificativo; chamava-se “Mataram Jacob!”. Jacob de
  Lemos, pugilista célebre, depois de derrotar o campeão de Cuba, escorregara
  numa casca de tangerina, batera com a cabeça na porta de ferro do seu camarim
  e ficara louco. Do manicómio fugira, um dia, para ameaçar Leopoldo Ramos, o
  seu protetor, acusando-o de haver, propositadamente, colocado a casca de
  tangerina em local estratégico para que ele escorregasse e ficasse
  inutilizado para o boxe. Jacob tinha um rival, Carvalhinho, a quem vencera,
  por três vezes, mas que era, agora, campeão de Portugal. Certa manhã, foram
  encontrá-lo na cela 16 – onde regressara, depois de Leopoldo, surpreendido
  pelo fugitivo, haver alertado a polícia – com a garganta cortada à navalha. O
  último parágrafo decorre no hall do
  manicómio, onde se reúnem quatro homens: Leopoldo, Carvalhinho, o crítico
  Anselmo e o sagaz agente Romualdo. Este último assevera a Anselmo que não era
  difícil descobrir o homicida –que, aliás, estava entre eles. “–
  Fale claro – exigiu o crítico Anselmo. – Quem julga o senhor que é o
  assassino de Jacob? “E
  o agente, sem hesitar, respondeu: – O assassino de Jacob foi…” Aqui
  acabava o conto. O Janeiro – que
  adiara o início do concurso para 1 de Fevereiro – comentava a seguir: “Viram?
  Já reflectiram quem podia ser, quem podia ter interesse na morte do boxeur Jacob? Carvalhinho ou Leopoldo?
  Amanhã diremos quem foi o assassino de Jacob. E então todos compreendem que é
  fácil decifrar os “contos misteriosos”. Basta um pouco de atenção! E se
  descobrirem os 50 contos habilitam-se a numerosos, variados e preciosos
  prémios”. Alguns destes eram a seguir referidos: uma caneta de tinta
  permanente, um fogão de cozinha, uma figura de terracota, um serviço de
  lavatório em faiança inglesa e… um saco de batatas de 45 quilos. Como
  prometido, no dia imediato, lá vinha a solução, não tão convincente como
  seria de esperar num caso que devia servir de modelo e prontuário: “– Afinal,
  quem assassinou o boxeur
  enlouquecido? O rival Carvalhinho ou o protector Leopoldo? Foi o protector
  Leopoldo. – Porquê? Vão já compreender. Sigam o nosso raciocínio. Qual dos
  dois tinha maior interesse no desaparecimento do louco? Carvalhinho via nele
  um rival perigoso, mas Leopoldo via nele o seu algoz. A ideia fixa do louco
  fazia persegui-lo, com ânsias de morte… E por isso Leopoldo andava
  “cabisbaixo, pálido, preocupado”… Era natural que mais dia menos dia Jacob
  conseguisse fugir e pôr em prática a sua vingança de louco. Havia só uma
  maneira de se libertar daquela perseguição; era matar Jacob – o seu protegido
  de véspera…” O
  certame iniciou-se na data fixada em segunda escolha: 1 de Fevereiro. Durante
  mais de três meses – pondo de parte uma ou outra falha, quando havia notícia
  de tomo – o concurso, em regra, teve honras de primeira página. Cada conto
  era acompanhado por um cupão, destinado a ser preenchido pelos concorrentes,
  recortado e colado numa caderneta. Além dos espaços reservados ao nome e à
  morada do decifrador, cada cupão colocava uma questão relacionada com o
  mistério desse dia, seguido por uma linha pontilhada em que o concorrente
  devia escrever o seu palpite. A
  revolta militar, que pôs o Porto em polvorosa em 3 de Fevereiro, suspendeu a
  publicação do jornal, pelo menos, durante um dia. Quando reapareceu, o
  acontecimento monopolizou de tal forma o espaço do Janeiro que o diário, quando, serenados os ânimos, retomou o
  certame (em 11 desse mês), repetiu o conto que publicara oito dias antes e
  que, com as tropas na rua e as balas a silvar pelos ares, poucos terão
  conseguido ler, quanto mais decifrar. O
  “Concurso dos Contos Misteriosos” tem muito de Reinaldo mas acusa,
  igualmente, influências estranhas. Em certos casos, o enigma vem, direito, da
  “Novela Popular” ou de outros fascículos de “três vinténs” que o autor lera na juventude. No conto nº 10, “Fugiu o leopardo!”, é patente a
  influência da novela “A amadora dos fenómenos” que deu título à colectânea
  que António Ferro publicara dois anos antes (“A amadora dos fenómenos”, Livraria e Empresa Civilização-Editora,
  Porto – 1925). Por
  sua vez, os pequenos enigmas serviram ao “Repórter X” como mote de várias
  narrativas que viria a escrever mais tarde. Assim, muitos dos contos que
  compõem “As memórias extraordinárias do Dr. Duque, o cartomante do
  raciocínio”, a sua sequela, intitulada “Novas Aventuras do Dr. Duque”, que o
  “Magazine Bertrand” divulgou de
  Outubro de 1929 a Fevereiro de 1930 e em Abril e Maio de 1930,
  respectivamente, (ambas recolhidas no volume “Memórias extraordinárias do Dr.
  Duque, o cartomante do raciocínio”, com prefácio e notas do autor destas
  linhas; Livros do Brasil, Lisboa – Abril de 1997), glosam alguns dos enigmas
  do “Concurso”: “O Mistério das quatro primas” repete o tema do conto nº 20,
  “Uma frase apenas…”, “A noite que durou quarenta e oito horas”, embora
  amputada de 52, é um remake do
  conto nº 36, “A noite que durou cem horas”, “A ola do samorim de Calicut”,
  que, no “Concurso, saiu com o número 9, foi o guião de “A mensagem
  escamoteada”, e o já referido “Fugiu o leopardo!” (conto nº 10), ampliado e
  robustecido, veio a converter-se em “A dama do leopardo”, exemplar único das
  “Novas Aventuras do Dr. Duque”, no Magazine
  Bertrand. Houve
  outros ulteriores aproveitamentos de ideias plasmadas no “Concurso”, bastará
  recordar mais duas: o conto nº 6, “A caixa das tintas” serviu para,
  retrospectivamente, definir a precoce vilania do conde de Avaz, cínico de
  serviço na segunda e última parte de “As Sombras do Barredo”, folhetim que o Janeiro começaria a desfiar nesse ano,
  e foi, igualmente, um dos episódios da “vida aventurosa” do segundo João de
  Portugal (Civilização, Julho de 1928 a Maio de 1929), enquanto “O marco
  postal nº 8” (conto nº 21) desceu um furo na numeração para, taxado de “O
  marco postal nº 3”, surgir como capítulo inicial de “A bailarina búlgara”
  primeira (e única) prestação dos “Contos e reportagens misteriosas pelo
  Repórter X” que, com ilustrações de Ilberino dos Santos, o “ABC” publicou de
  15 de Janeiro a 12 de Fevereiro de 1931. A
  partir do nº 33, saído em meados de Março, o Janeiro anunciou que já estavam à venda, na Administração do
  jornal, as cadernetas em que deviam ser colados os coupons; o seu preço era de 1$00 e a capa, ilustrada, evocava
  personagens dos “contos misteriosos”. Findo o certame, o periódico, em 8 de
  Abril, tornou pública a sua intenção de repetir os “contos” que, “pelo engrossamento
  dos pedidos”, mais frequentemente eram referidos como tendo “escapado à
  leitura dos colecionadores”, e mais dizia que, brevemente, seria fixado o
  prazo para a entrega das cadernetas. Duas semanas depois (22/4), já estava
  instalado o serviço de recepção e, passado um mês (22/5), o Janeiro punha à venda “os jornais com
  todos os coupons”.  O
  afluxo de cadernetas deve ter excedido as expectativas porque só em 1 de
  Outubro é que se procedeu ao sorteio. Realizou-se às 16 horas, em sessão a
  que presidiu Artur de Sousa, chefe de contabilidade da administração do
  periódico, secretariado pelo jornalista António Sarmento e pelo concorrente
  António Augusto Silva. No dia seguinte, o Janeiro fazia descer o pano sobre o
  sensacional certame, relatando como decorrera a assembleia final e divulgando
  a “relação dos números premiados” (42 para “cadernetas simples” e 6 para
  “cadernetas duplas”). Joel Lima (Inclui
  textos extraídos de dois livros: “A Três Vinténs – 100 Anos de Fascículos de
  Aventuras em Portugal”, ebook disponível na livraria online da Biblioteca
  Nacional: Lisboa, 2018; O Porto do Repórter X, Campo das Letras, Coleção
  Descobrir o Porto: Porto, 2004.)  * * * E
  passemos, então, a reproduzir o que o Primeiro de Janeiro publicou no já
  longínquo dia 1 de Fevereiro de 1927, mantendo a ortografia em vigor à época
  – com vários vocábulos grafados de maneira diferente da atualmente utilizada. * * * CONTOS MISTERIOSOS Nº
  1 “AS RÃS ADESTRADAS DE LIDIA TADINI” Nos
  fins de 1927 estava eu em Barcelona. Tinha sido um ano exaustivo… Trabalhára
  até a imaginação se negar ao credito do mais insignificante argumento de
  romance. Resolvi
  repousar. Aconselharam-me Tarragona – a duas horas da capital catalã. Fui e
  instalei-me no Hotel Falcón, na avenida central da cidade. Na primeira noite,
  após o jantar, subi ao quarto e predispus-me a dormitar, quando o retinir,
  estridente, de uma campainha, me despertou da sonolência, obrigando-me a
  abeirar da janela. Constatei então que, frente ao hotel, havia dois teatros:
  o Novelty e o Apolo. O Novelty,
  incendiado de globos eléctricos, anunciava o seu espectáculo alfinetando-nos
  os ouvidos com a sua diabólica campainha. Uma
  densa multidão se abichava junto às bilheteiras… A frontaria do vizinho Apolo estava completamente apagada. Volvida
  a moleza que me ia derrubando para o leito, resolvo sair. E saindo do hotel
  notei que num “tripé” encostado ao teatro Apolo,
  ao teatro fechado, havia um cartaz berrante, onde tinham litografado uma
  dama, dum loiro oxigenado, empunhando uma espécie de batuta, e ao lado, sobre
  uma meza pintada de vermelho, uma dúzia de rãs subiam uma minúscula escada. O
  reclame era encimado pelos seguintes dizeres: Lidia Tadini – Rãs Adestradas. Estreno el projimo sábado. Rãs
  adestradas? Lidia Tadini? Mas, eu conheci-a. Dois anos antes, um jornalista
  italiano apresentára-ma no palco do Olimpia,
  em Paris. Era uma milanesa a roçar pelos quarenta, de cabelo pintado,
  veterano dos “music-hall” que, quasi no final de uma carreira mais que
  modesta, descobrira o grande filão… De regresso duma tournée pela Ásia,
  trouxera aquelas rãs, alcunhadas de “eternas” pelos fanáticos vizinhos do
  Lago Sagrado de Tun-Hin – enormes, de um palmo de comprido e refulgentes como
  esmeraldas – com as quaes, à força de paciência e de “trucs” ela conseguira
  dar a ilusão de inesperadas habilidades. Era um bom número para enriquecer os
  empresários. Lidia
  Tadini chegou no dia seguinte – e veio hospedar-se no meu hotel.
  Reconheceu-me. Falou-me numa algaraviada em que três ou quatro idiomas eram
  igualmente maltratados e apresentou-me ao seu marido, muito mais novo do que
  ela e com feições e pele de cigano. Findo o jantar, um novo personagem: era
  Soling, o empresário do Apolo. Mal
  podia ocultar, na sua velhacaria de negociante, prudente, o entusiasmo
  optimista que lhe dava aquele número que ele conseguira contactar. –
  Morano – o director da Novelty –
  disse-nos ele, anda a telegrafar a todos os seus agentes para vêr se consegue
  um artista que a suplante… Pobre imitador! Para ser empresário é preciso ter
  faro… muito faro – como eu. Ele só
  ganha dinheiro quando eu quero. À
  noite alguém me levou a um cabaret pomposamente intitulado “Bar Taciano”. Da
  rua, ouvia-se o tilintar das fichas de jogo. Ladiei, sem interesse, as mezas
  da roleta. Quasi oculto por uma dama agigantada, estava o jovem marido de
  Lidia. Mordia, nervoso, um charuto apagado – e perdia dinheiro sem cessar,
  teimando no zero. –
  Joga! Joga! – disse para comigo. As rãs é que te pagam os vícios. Pobre
  Lidia. Quem te mandaria casar nas proximidades da velhice? Como
  o Apolo só abrisse no dia seguinte,
  resolvi assistir à última parte do programa do Novelty. Morano, o director, sabendo-me jornalista, não me deixou
  pagar o bilhete. E findo o espectáculo quis que eu, que conhecia os meandros
  de Paris, visitasse as suas
  instalações, que eram as mais modernas da Europa. Fui ao palco – era um
  palco como outro qualquer. –
  Podia ser maior – confessou-me Morano – mas este meu vizinho, que tem a mania
  de me prejudicar, comprou o terreno que está atraz do meu palco. E,
  abrindo uma janela, acrescentou: – Como vê, não o utiliza… Fez dele um pateo
  para o qual abre uma janela do palco dele. Parece que quer espreitar o que se
  passa cá em casa. E
  eu vi-me por dentro das divergências dos dois empresários. * * * Na
  noite da estreia fui visitar Lidia ao teatro. Bati à porta do camarim. “Um minuto… yo estoy terminando d’abilhar”…
  A toilette da artista devia ser completa, sobretudo no que dizia respeito à
  maquilhagem. Esperei, passeando pelo palco… E passeando, surpreendi a
  conversa dos irmãos “Felix”, ilusionistas da velha escola. Cortavam
  classicamente na casaca dos camaradas. Um deles, pequenino, com uma grande
  cicatriz na face e olhos turvos; dizia para o outro: –
  Esta Lidia parece perseguir-nos… Se não fosse ela, seriamos as “estrelas” da
  troupe… Já em Bilbao sucedeu o mesmo… E como ela pede uma fortuna –
  reduzem-nos, a nós, a uma miséria. E tudo porquê? Porque intruja o público
  com as malditas rãs. E
  eu ri-me da rivalidade dos artistas. * * * Lidia
  teve um êxito ruidoso. Eu, da janela do meu quarto, assistia todas as noites
  ao resultado desse êxito. A campainha da Novelty,
  atraente na semana anterior, retinia agora cada vez mais estridente, sem
  conseguir agrupar, frente à bilheteira, duas dúzias de espectadores. Em
  compensação, muito antes das nove, já o vestíbulo do Apolo transbordava de populaça. Nas
  vésperas de abandonar Tarragona fui ao Apolo.
  Mas, mal entrara na porta da caixa, um alarido escandaloso me despertou a
  curiosidade. Junto à janela que dava
  para o pateo amassava-te toda a companhia: os clows, os voadores, a
  mulher barbuda, o gigante Domesco, os irmãos Felix, a bailarina russa, o
  empresário Zolis… Todos gesticulavam, todos berravam, entrechocavam-se pragas
  em mais de cinco idiomas. E no meio do grupo, a pobre Lidia esfarripava a
  cabeleira loira, numa fúria de desespero… A seu lado, mudo, de mãos cruzadas
  atraz das costas, o marido chupava o seu inseparável charuto. Aproximei-me
  e inquiri que desgraça tinha desabado no music-hall. E ela, espetando o
  indicador, mostrou-me a caixa onde guardava as rãs. Mas as pobres rãs tinham
  perdido todo o relevo: estavam imóveis e lisas como se fossem de cartão. Um
  vândalo as achatara às marteladas. * * * No
  dia seguinte, Lidia veio procurar-me. Precisava de desabafar. –
  Que desgraça… Perdi o meu ganha-pão. Perdi a fortuna que encontrei no fim da
  vida. Estou velha e incapaz de descobrir outro numero. Eu bem sei… bem sei…
  Agora que estou pobre… agora que perdi as minhas queridas rãs… Mário vae
  abandonar-me. Mário, no fundo, odeia-me. E eu amo-o loucamente. Mário era o
  marido. * * * Lidia
  impressionára-me. E naquela tarde apresentei-me ao comissário da polícia. –
  Se o autor desta proeza for descoberto e tiver com que pagar – a pobre
  artista será indemnizada do seu prejuízo? – indaguei. –
  Decerto. – Pois bem. Eu
  sei quem foi que criminosamente matou as rãs. O acaso trouxe-me dados, e o raciocínio
  a dedução. O autor da
  proeza é... COM
  QUE MOBIL MATARAM AS RÃS DE LIDIA TADINI? QUEM AS MATOU? Raciocinem,
  fixem a sua atenção nas frases impressas em itálico e encham o coupon do
  “CONCURSO DOS CONTOS MISTERIOSOS”. 
 Fontes: Secção
  Correio Policial, 2 de Outubro de 2020 | Domingos Cabral  Blogue Repórter de Ocasião, 15 de
  Janeiro de 2024 | Luís Rodrigues | |||||
| © DANIEL FALCÃO | ||||||
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